terça-feira, 5 de junho de 2012

Ícaros


O que escreveu La Fontaine,
Sobre a Tartaruga e os Patos
Já Esopo tinha escrito
Sobre a Tartaruga e a Águia
E o pecado da ambição
De mudar de lugar,
Mau grado a oposição
Da rainha do ar.
Vejamos então,
Mais desenvolvidamente,
E graciosamente,
A fábula francesa,
Que tem a maturidade
E a delicadeza
De uma maior idade:

«A tartaruga e os dois patos»

«Era uma vez uma Tartaruga leviana,
Que quis visitar o seu país, por, do seu buraco, estar cansada.
Com gosto se prefere uma terra estrangeira,
E até as pessoas coxas odeiam a sua casa e a leira
Da sua beira.
Dois Patos, a quem a comadre
Comunicou o seu belo intento
Logo lhe disseram, com prazer,
Que tinham meios para a satisfazer.
“Está a ver este largo caminho marítimo?
Nós, pelo ar,
Vamos transportá-la até à América.
Lá vereis muita república,
Muito reino, muito povo; e aproveitareis para notar
Os diferentes costumes dum mundo a avançar.
Ulisses assim fez, outrora.” Ninguém esperaria
Encontrar Ulisses nesta parceria.
A Tartaruga escutou a proposta.
Negócio fechado, os Pássaros forjam uma geringonça
Para transportar a peregrina tansa.
Com cautela, enfiam-lhe uma vara na bocarra:
"Aperte bem, disseram-lhe, não largue a presa.”
Depois, cada Pato pega no pau por uma ponta,
E avança, com a Tartaruga a ele agarrada,
Pelo bico pendurada.
Assim erguida, todos estranham
Ver seguir desta maneira,
O lento animal com a sua casa inteira
Justamente ao meio,
Entre os dois Passarocos do recreio.
"Milagre! - gritou-se então.
Venham ver entre as fuscas nuvens
Passar a rainha das tartarugas.”
- “A rainha! na verdade, sim! Eu sou rainha de facto;
Não estejais a troçar!”
Teria feito melhor
O seu caminho fazer
Sem a boca abrir ou, sequer, falar;
Porque, largando o pau e descerrando os dentes
Ela cai e rebenta, ao pé dos vigilantes,
Bons basbaques sorridentes
Que olhavam para o ar
Com atenção.
A sua indiscrição
Foi causa
Da sua perda.
Imprudência, tagarelice, tola vaidade,
E vã curiosidade,
Têm parentesco estreito.
Filhos da mesma linhagem,
Do mesmo jargão perfeito.»

O que a nós faz viajar,
Apesar da muita excepção
Pois não há regra sem senão,
Nem é tanto a curiosidade
De querer conhecer
Este mundo espantoso
Que o Deus criou
E o Homem desenvolveu
Brutal e formoso
À imagem desse Deus poderoso.
É antes a necessidade
De procurar um trabalho
Num mundo mais clemente
Que dê de comer à gente
E não a deixe cair
Como se faz por cá,
Como fez a Águia
Como fizeram os Patos
Das histórias das tristezas
Que são as fábulas de outrora,
Que são as histórias de agora,
Estas tão impertinentes
Que parecem as da fantasia
Dos fabulistas de então,
Tão inteligentes,
E com tanta aplicação
Aos dias de hoje
São.


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