sábado, 9 de junho de 2012

«Livre-nos Deus do facalhão»


Trocámos opiniões
Sobre uns casos de animais
Salvos pelas nossas intervenções,
Distanciadas no tempo, é certo,
Mas reveladoras de uma extrema sensibilidade
E acerto.
Contou-me o Dr. Salles andar envolvido
Numa chocante história de coudelaria
Que o trazia
Nervoso, e mesmo atazanado
Pois o caso é de atrocidade...
Sucedeu que a égua, mãe do seu cavalo,
- Que não sei se é ruço,
Como o Gingão
De Nuno da Câmara Pereira,
Que foi morto por um toiro repontão
E deixou por isso o fadista
Mergulhado em negra saudade -
Dizia eu, pois, que a mãe do seu cavalo,
Sua “comadre” “Marquesa”
Fora destinada para o talho
Para ser vendida a retalho,
O que lhe causara grande engulho
E enorme tristeza.
Pois tanto disse e fez,
Que os talhantes de faca e alguidar
Que já afiavam o beiço para o prazer
De estraçalhar para vender,
Ou mesmo só de ingerir,
Tiveram que desistir
De a comprar e em postas fazer
Porque, como diz o Dr. Salles,
Muito egoisticamente jovem,
Nem só de pão
Ou de postas vive o homem.
Como conseguiu impedir
Tal atrocidade,
Anda já mais animado,
Porque teve suficiente tenacidade
Para impedir que a “Marquesa” sua “comadre”,
Mãe do seu cavalo amado,
Fosse parar à barriga de uma qualquer insaciedade.
Contei-lhe, então, a história de um galaró
A quem logo de manhã
O meu pai ordenava
Que cantasse e ele cantava
E cuja morte para a carilada
Eu consegui um dia impedir, bem transtornada,
Agarrando-me com força a ele,
Cujo coração palpitava, palpitava.
Mas, afinal,
Ele pôde prosseguir
No seu cocorocó matinal
Porque o salvei por então
Da sua triste fatalidade.
Quando a fatalidade chegou eu não estava,
Não vi, não soube, acabara.
Em conclusão,
Os animais aqui não são a fábula,
Mas o Dr. Salles e eu mesma
Podemos na rábula significar a fábula,
Dando provas de uma sensibilidade
Risível, talvez, para a comunidade,
Resumida, enfim, na proposta de moralidade:
“Livre-nos Deus do facalhão”,
Que o Dr. Salles, enfastiado, propôs para conclusão.

Mas o que é certo é que sempre o facalhão do nosso enguiço
Nos pende sobre o toutiço.
Mais tenebroso e eminente
Que a espada que sobre Dâmocles foi pendente.
E sempre por culpa nossa,
Nossa!

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