quinta-feira, 19 de julho de 2012

Bruxo


A magia é arte antiga
Que veio pelo tempo fora,
Até ao tempo de agora
Com bastante obstinação,
Passando por La Fontaine
Que era céptico e brincalhão.
Mas agora
A coisa tem mais requinte
Apesar da muita treta:
Mete Cristo na conversa
Feita de forma brilhante,
E traduz em livro a mensagem
Para a alma descontente,
Enchendo com bom dinheiro
O seu divino mealheiro.
Não há como ser-se crente
Para assim cair em patranha
Tamanha!
Todavia, eu diria,
Que toda a forma de magia
Tem o seu quê de espantoso
Quer em carismática cabana
Quer em local luxuoso.
E as artes mágicas são tais
Hoje em dia,
Que os milagres se sucedem
Com um virtuosismo
De autêntico malabarismo,
Que nos põe de boca aberta,
Ainda mais que a La Fontaine
Que só estranhava o capital
Obtido, sem ser por mal,
Da fama da mulher esperta
Para aquela gente tonta.
Mas eu própria também digo
Quando o azar anda comigo:
“Preciso de ir à bruxa
Puxa!”:
Disse então La Fontaine
Na sua verve infrene:
«As Adivinhas»
«Muitas vezes o boato é o acaso que o gera
E o boato é que faz sempre a voga e a quimera.
Eu poderia fundamentar esta asserção:
Tudo é cabala, teimosia, prevenção;
E a Justiça, nem sempre vem à mão.
Que fazer? A moda é como uma torrente:
É preciso que ela siga o seu curso, fatalmente.
Sempre assim foi e será.

Uma mulher, em Paris, fazia de Pitonisa;
Iam consultá-la sobre cada acontecimento,
Estivesse brisa ou mau tempo.
Na perda de um fato, na dúvida sobre a existência
De amante no horizonte,
Ou no desejo crucial de saber
O tempo que o marido
Iria ainda viver,
Uma mãe irritadiça, uma esposa ciumenta…
Corria-se à adivinha
Só para se receber
O anúncio do que se desejava obter.
O jogo desta consistia
Em usar de muita habilidade;
Eu hoje diria
De muita psicologia.
Por vezes o acaso também concorria,
E tudo isso, era tão surpreendente,
Que a gente, extasiada,
Logo dizia
Ser milagre fascinante.
Enfim, embora de uma ignorância
De vinte e três quilates,
Ela passava por oráculo
Mesmo para cá do Eufrates.
Oráculo alojado num casebre;
Aí, a mulher encheu a bolsa
E sem nenhum outro recurso,
Ganhou para o seu marido
Uma posição de relevo que os repousa;
Compra um cargo, uma casa.
Eis o casebre preenchido
Com uma nova hospedeira, a quem toda a cidade,
Mulheres, raparigas, criados,
Senhores respeitáveis, tudo, enfim,
Ia, como outrora, sem muito tino, embora,
Perguntar pelo seu destino.
O casebre tornou-se no antro da Sibila
Na vila.
A outra fêmea trouxera ao lugar, freguesia
Que fartasse.
Por mais que esta última mulher protestasse
A sua inocência na oculta ciência:
“Eu, adivinha? Que grande impostura!
Oh! Senhores, eu nem sequer sei ler!
Eu nunca conheci mais que esta cruz de Deus,
Por pecados meus, vil criatura!...”
Não houve razões nem argumentos.
Foi-lhe necessário
Adivinhar e predizer,
E ganhar, sem dar por isso,
Mais do que ganham dois advogados juntos
A puxar pelos seus bestuntos.
A mobília, a engrenagem,
Contribuíam para a imagem:
Quatro cadeiras mancas, um pau de vassoura,
Tudo cheirava a sabat e a metamorfose.
Se esta mulher dissesse verdade,
Num quarto bem atapetado,
Teriam troçado. A moda estava no tugúrio;
Ganhara crédito. A outra mulher arrepelava-se.
A insígnia faz o negócio, como o hábito faz o monge,
Ao contrário do que diz o provérbio
E ela perdera o seu negócio.
Eu vi no Palácio real alguém mal vestido
Mas muito sabido
Ganhar bastante bem.
As pessoas tinham-no tomado
Por um digno mestre a arrastar
Muitos ouvintes atrás de si.
Perguntem-me o porquê disso.
Não saberei responder.»
Eu acho que a razão disso
Está nas artes do mundo,
Que fazem que as negociatas,
Com acertos, e consertos,
- Ou consensos ou concertos -
Se fazem mais capazmente,
Na escuridão do profundo.
Por isso o fato não conta
Na hora de ponta.


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