Por alturas
das eleições presidenciais francesas que fizeram ascender François Hollande ao
estrelato governativo, colhi, nos habituais comentadores das nossas távolas dos
mais variados feitios, os comentários adequados às suas tendências ideológicas
específicas, os das direitas mais delicadamente, no receio do seu edifício de
austeridade ruir, os das esquerdas congratulando-se, não por convicção real
numa mudança eficaz para o povo martirizado, mas pelo que isso significaria de
vexame que arrumaria com os do nosso governo que tanto têm martirizado o povo,
e que assim receberiam de Hollande o exemplo do que é ser-se bom político, com
os mundos e fundos que aquele prometeu ao seu povo, obtidos de uma Merckel não
mais reticente, como a que se mostrava com o do governo e do partido anteriores,
o safado do Sarkozy.
Propunha-se,
assim, Hollande, minorar, se não mesmo extinguir, a austeridade confrangedora
dos nossos tempos, sobretudo para os franceses há muito reivindicadores da
democracia e do liberalismo próprios dos espíritos esclarecidos, e, por isso, menos
adaptados às penúrias, embora a sua Révolution não apresentasse os cravos
rubros da nossa, por terem preferido o vermelho do sangue derramado em
carnificina adequada, que trouxe a paridade entre os cidadãos, como verificamos
nas carnificinas dos nossos tempos.
Mas foi
Vasco Pulido Valente quem soube definir a questão da previsibilidade de uma
nova política, com a inteligência e a isenção do historiador e do literato, em
texto do Público de 7 de Julho - «Fantasia» - que transcrevo:
« A
nossa esquerda doméstica anda embalada com a ideia de que o sr. Hollande mudou
a “orientação” da “Europa” e criou um “novo consenso” favorável ao crescimento.
Como
qualquer pessoa sensata perceberá, tudo isto não passa de uma fantasia. A
eleição do Presidente francês e o velho missionarismo e megalomania da França
inspiraram algumas personagens do PS e da família mais próxima a esperar uma
qualquer “revolução” que os salvasse. Esta história, que vem da noite dos
tempos, não conta com os factos nem com a desagradável realidade em que hoje,
por nosso mal, vivemos. Para começar, fora algumas frases sem sentido de que se
aliviou orgulhosamente em público, Hollande não conseguiu nada. E foi o
italiano Monti, um primeiro ministro “ad hoc” que à superfície pareceu abrandar
um pouco a Sra. Merckel. Em pontos que de resto não interessam muito a
Portugal.
O que
não admira. A França está muito mais perto da Itália do que da Alemanha: tem,
na prática, uma economia estagnada (com menos de 0,4% de crescimento, em 2012);
o desemprego está em 10%; o défice (agora em 5,2%) não descerá provavelmente
para os 4,5%, de acordo com um compromisso que o próprio Hollande aceitou; e a
dívida cresce sem limite visível. Por cima disto, que bastava e sobrava, o
indomável espírito socialista resolveu aumentar o salário mínimo, diminuir a
idade da reforma e contratar 60000 professores, como exemplo inaugural de
bonança futura. Claro que já se fala num “plano de rigor”, de que fatalmente
faz parte o despedimento de 15000 funcionários públicos por ano. O espectáculo
Hollande acabou à nascença.
Mas,
como sempre, continua em Portugal. Por puro ódio à sra. Merckel, que meia dúzia
de patetas chegam a comparar com Hitler, e pela imaginária derrota com que a
França socialista (com uma pequena ajuda de Monti) abateu a prepotência
teutónica e reaccionária. Isto, em si mesmo, seria inofensivo. Infelizmente,
houve por aí muita criatura (às vezes com prestígio público e um módico de
responsabilidade) que de facto se convenceu que de uma maneira ou de outra a
crise não irá durar ou que daqui em diante não será tão severa. Esta indigna
mentira, que se funda em mentiras, só pode aumentar o sofrimento geral e criar
ao governo mais dificuldades.
Não
acredito que a indiferença portuguesa desta vez, como de costume, a desculpe.»
Um texto
brilhante de lucidez e bom senso. Bom senso que não provaram ontem, na
Quadratura do Círculo, nem Pacheco Pereira nem António Costa, mais interessados
em denegrir o discurso de Passos Coelho, no Parlamento e a sua acção
governativa, sem lhe concederem mérito nem lhe desculpabilizarem o rigor com os
considerandos das contingências a que o envolvimento com a Troika fez mergulhar
o país, por meio de uma acção governativa pendente de um louvável objectivo de
pagar uma dívida facinorosa proveniente de governos anteriores, pagamento
considerado como ponto de partida para uma evolução positiva. Lobo Xavier, como
sempre cordato e igualmente brilhante, usou argumentos de ponderação
indispensáveis, porque sem parti pris
Uma lição
de história esta de Vasco Pulido Valente. Só não acredito que tenha razão na
sua frase final a respeito da sua não crença na indiferença portuguesa perante a mentira
propalada pela esquerda do abrandamento do rigor financeiro graças ao novo
governo francês, mentira propalada no intuito de criar mais dificuldades ao
governo português.
Se os
portugueses não se importam de fazer greves nesse mesmo intuito – o de criar
dificuldades ao governo, que tem criado muitas dificuldades aos portugueses –
como não iriam desculpar essa mentira do novo eldorado que até lhes traz novas
esperanças de vida? Amigos, amigos, esperanças à parte.
Ai não, que
não desculpa!
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