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Aquela tabletezinha que o seu marido recebeu do Expresso, e que os jornalistas
trazem nas mãos, para aceder aos mais diversos assuntos, já vai passar à
história. Está para sair – vi ontem num programa – uma tabletezinha de
eficiência superior. O que se vai passar com os livros de papel… já era. Ainda
não saiu. Qualquer criancinha vai ler o livro que quiser naquela coisa. Não
precisa folhear livros. As novas gerações hão-de perguntar: “Mas o que é isso
de livraria?” Assim como os correios. Estão a desaparecer. Já não se vêem
carteiros…
Despertei
da modorra que a excitação da minha amiga provocara, com os seus dados
sensacionalistas, colhidos na véspera nos seus programas favoritos. Horrorizada perante a perspectiva da
morte dos livros:
- Então
como é que me chegam as contas da água e da luz para pagar? E os postais dos
anos ou os avisos vários? Os carteiros deixam tudo isso na caixa. Não são só as
publicidades nem os cartões das pessoas em busca de trabalhos, que os lá põem.
A minha
amiga ignorou a interrupção:
-
Veja-me bem isto dos livros. Aquilo está para sair. Ainda não chegaram a Portugal.
Estes aparelhos mal chegam, esgotam-se. Como serão as gerações futuras? Com
certeza é pior para as pessoas. Amizades não as podem cultivar porque eles têm
o aparelho. Ele absorve tudo o que não seja a atenção ao brinquedozinho polarizador.
Eu também achei
que um aparelho desses seria cada vez mais desmotivador na formação da
personalidade, no interesse pela busca, na desatenção pela vida, pela expansão
da preguiça, mas fiquei ainda mais estarrecida com o que a minha amiga contou
sobre um ship que os cientistas americanos estão a fabricar que passa à frente
de todas estas maravilhas de estarrecer. Põe-se no cérebro da criança rica, que
ultrapassará todos em saber:
- Se
tem poder económico, passa à frente. Um ship, e a criança aprende tudo. É
colocado no cérebro. Então e depois? Também não é preciso saber tudo… Se isto
for assim, a diferença entre as pessoas vai ser cada vez maior.
Eu
aproveitei para insinuar que o Miguel Relvas já devia ter um ship instalado,
pois também passa à frente de tudo na busca simples da ciência, e desatámos a
tecer considerandos sobre a eventualidade de ser antes na simples busca da
ciência ou na busca da ciência simples, ou ainda na busca da simples ciência, e até
deixámos outras probabilidades de construção sintagmática para o ship do Relvas,
colocado em vez do cérebro inexistente do Relvas, por muito que existisse Relvas.
Não
deixámos de augurar a cadeira eléctrica para os cientistas americanos do
monstruoso ship desumanizante, mas ponderei que as clonagens também me
repugnaram na altura da ovelha Dolly, sobretudo se aplicada aos humanos, e
parece que a moda não pegou.
Também augurámos
para a tablet substituta da biblioteca um lugar modesto na comodidade humana
futura, crentes que o bom senso alternará sempre com a desmesura ao longo da
caminhada histórica.A Terra é
um planeta que por vezes se excede em desmandos, mas que generosamente recompõe
a seguir os estragos. Também a história humana tem girado em alternâncias de
humores, o Bem e o Mal empurrando-se mutuamente.
Empurremos o ship robotizador dos filhos e
netos dos nossos filhos e dos nossos netos... Para o tal buraco negro, antes
que nos despenhemos definitivamente. Lá.
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