Eu acabava de contar à minha amiga a
seguinte conversa com a minha mãe, pelas quatro ou cinco da madrugada, depois
de bastas vezes ter sido por ela acordada, nessa noite para esquecer, nos seus
pânicos e inseguranças sobre a hora da partida, com as minhas prontas e quantas
vezes iradas mostras de cansaço e sono:
- Tu assim não duras muitos anos. A
esse ritmo. Vai dormir!
- Só se tu me deixares. Não me
acordes.
- Só se for por uma coisa boa.
A minha amiga riu e admirou a pronta
resposta da minha mãe, o que eu não deixei de corroborar, apesar de notar a
serena perfidiazinha do discurso materno penalizado, distanciando-se da sua
inteira responsabilidade no meu fim à vista.
Chegou a minha filha Paula que
trouxe a notícia do grave escândalo, que a minha amiga também escutara na TVI, na
reportagem de Ana Leal.
Ao que parece, o grupo de colégios
privados GPS, ligados ao poder político, recebera dos cofres estatais 81
milhões de euros nos últimos dois anos e meio. E enquanto as escolas públicas tinham
um número diminuto de turmas, que por isso eram superlotadas, dadas as aulas
nas condições mais ineficazes, o Orçamento do Estado preparando-se para cortar
na Educação, na Saúde, etc., favorecera inexplicavelmente os tais colégios GPS –
26, surgidos de governos anteriores – com verbas desconformes, que a corajosa reportagem
de Ana Leal denunciara, entrevistando responsáveis, daqueles que se foram
enchendo nos escândalos sucessivos de governações endividantes, num país
impunemente a saque.
A minha filha insurgia-se,
acompanhada na ladainha da indignação pela minha amiga, uma vez mais nos
debruçámos sobre os cortes nos vencimentos e subsídios favorecedores das
trafulhices com raízes fundas nos diversos governos de uma democracia criada exprès
para esses e seus acólitos.
Realmente, não temos escapatória, os
escândalos brotam continuamente, como tortulhos em dias de invernia, e não há segadora
que ceife o mal pela raiz, que as raízes se vão espetando mais e mais profundamente
nos terrenos, numa época em que a inocência parece extinguir-se, sem retorno.
A inocência que transparece nos
últimos versos de que tomei nota já há uns tempos, nas diversões solitárias da
minha mãe:
Meu filho, respeita os ninhos!
Pensa na pena que tem
A pobrezita da mãe,
Quando se vê sem filhinhos.
“Respeita
os ninhos”: fórmula educativa ligada a sentimentalismos ultrapassados. Há muito já que acordámos para “uma coisa boa”,
não a subentendida no sagaz dito da minha mãe, envolvendo qualquer nova feliz,
mas a onomatopeia “Tlim! Papo!” dos versos de João de Deus, responsável
pela marcha do nosso progresso em desordem.
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