domingo, 30 de dezembro de 2012

Happy New Year


Porque são vésperas de Ano Novo,
Passado o Natal num ai,
É tempo de meditar
Sobre o ano que também vai
Passar noutro ai
Até ao próximo Natal,
Na monotonia
Do tempo que corre inclemente
Dia após dia.
A fábula que  Florian escreveu
Trata de um gafanhoto
Saltitante e um pouco pedante
Que se julgava o “non plus ultra” dos bons
 Para poder denegrir todos os mais,
Que, para ele, todos eram o “non plus ultra” dos maus,
Característica mais comum do que julgamos,
Assim como somos.
Eis, pois, a fábula de Florian,

O gafanhoto
“Já decidi, vou deixar este mundo:
Quero largar para sempre o espectáculo odioso
Dos crimes, dos horrores que meus olhos ferem.
Num retiro profundo,
Longe dos vícios, dos abusos,
Passarei os meus dias feliz, maldizendo
Os maus que, num percurso tenebroso,
Tão bem fui conhecendo
Só eu na Terra tenho virtudes:
Como inimigos tenho tudo o que respira,
Todo o universo me detesta, homem, crianças, animais,
Mesmo o passarinho mais pequeno,
Se ocupam com me causar dano
Em jeitos desleais.
E todavia,
A todos esses ingratos, só bem eu fazia!
Eles lamentar-me-ão,
Mas só quando me virem no caixão.”
Assim gemia um gafanhoto
Hipocondríaco
E só a si se estimando,
Tonto.
“Onde vê você isso, meu irmão?”
Perguntou-lhe um companheiro:
“O quê! você não pode viver nestes campos
Roendo a doce e tenra flor dos prados
Sem se embaraçar com as questões do mundo?
Eu sei que ele abunda em danos:
Foi assim sempre e assim será.
O que você disser pouca coisa mudará.
Aliás, onde se vive melhor
Num mundo em toda a parte aterrador?
 Quanto à sua cólera fatal
Contra essa galera que só a você quer mal,
Penso, meu irmão, que isso é apenas quimera
E que o orgulho por vezes cria visões.”
Desdenhando responder a tão tolas razões
De um seu igual,
Embora em bondade inferior,
Segundo o gafanhoto gemedor,
Este  parte e sai do prado,
Pátria do seu triste fado.
Dois dias saltou para dar duzentos passos.
Então julgou-se no fim do hemisfério,
Entre um povo desconhecido de outro território.
Admira o belo clima,
Saúda com respeito este campo estrangeiro.
Perto dali, espigas numerosas
Sobre longas hastes, a seis pés do terreno,
Ondeantes e apertadas balançavam ao vento
Formosas.
“Ah!  Aqui está o meu negócio!”
Disse ele com transporte: “nestes matas sombrias
Sem dúvida encontrarei um deserto solitário;
É um asilo seguro contra os meus inimigos.»
Ei-lo na região. Mas logo na manhã seguinte
Eis que chegam os ceifeiros palreiros.
O grupo, numeroso e barulhento,
Estende-se em semicírculo, e entre os clamores,
Os risos, os cantos das raparigas,
Caem aos montes, sob as foices, as espigas,
A terra descobre-se, e os torrões abatidos
Deixam ver os sulcos despidos.
“É demais! Exclamava o triste gafanhoto tonto,
Eis o que prova bem o ódio universal
Que por toda a parte me persegue por meu mal:
Apenas a este país chegava,
Souberam que eu estava,
E um povo de inimigos apareceu
Para a sua vítima escolher.
No furor que os anima
Contra mim empregando os meios mais horríveis
Com medo que eu escape, destroem os seus bens.
Incendiá-los-iam, se necessário fosse,
Num ápice.
Eh! Senhores! Aqui estou eu!”
Disse ele mostrando-se;
“O vosso tão grande trabalho acabai,
À vossa cólera me entregarei.”
Um ceifeiro, ali presente,
Por acaso o avista; baixa-se, pega nele
Cuidadosamente,
E , diz-lhe, atirando-o para o campo florido,
 “Vai comer, meu amigo”.


Existe sempre gente gentil
Que manda comer por julgar
Que o que o que há no mundo é muita fome
E por isso diz: “Come!”
Mas outros há também que, iradamente,
Quando querem ofender
Soltam um “Vai pastar”
Um tanto vil.
O gafanhoto do Florian
Ganhou flores, após uma experiência
Que o carácter lhe não mudaria.
Quem vive a julgar
Que é o maior,
Num mundo inferior,
Não é um novo ano qualquer
Ou uma pessoa gentil
Que o faz mudar
Para melhor.
Sobretudo porque a condição
Sine qua non
Para fazer alterar
A irascibilidade
Dos gafanhotos hipocondríacos
Superiores,
Ou das pessoas desesperadas
Inferiores,
Seria uma alteração
Do “status quo” vivencial.
Mas não é o que vai acontecer,
Pelo menos em Portugal
Onde todos formamos
Praga de gafanhotos
A barafustar,
Sabedores, superiores,
E onde os que mais sofrem
São, por vezes, os que mais calam,
Senhores!

 


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