Foi por alturas da exibição de “A Filha de Ryan”,
penso que no Canal Memória, que se falou de Manoel de Oliveira, que está doente
mas a quem se auguram mais filmes, tal a sua persistência em longevidade e criatividade
filmográfica.
Eu fui entusiasta no elogio ao filme de David Lean, que já
vira várias vezes no Canal Hollywood sem tradução, e sempre me maravilhara o
poderoso de um filme quer na acção eloquente e épica, quer na força anímica da
paisagem irlandesa, quer no desempenho extraordinário das várias figuras de um
enredo de paixão interdita – da jovem Rosy, casada com um ex-professor, viúvo sério
e bem formado, pelo belo e triste major britânico defensor dos irlandeses da aldeia
contra os alemães, durante a primeira guerra mundial num ambiente de
hostilidade da maioria dos habitantes, adeptos do IRA, contra o usurpador
inglês, quer na acção dos populares, e sobretudo das mulheres, exaltadas,
mexeriqueiras e invejosas da beleza e graciosidade de Rosy, e contra ela se vingando,
pretextando um acto de traição de que esta era inocente, mas lutando
valentemente ao lado dos homens do Ira, que acabarão fuzilados, por denúncia
conivente e pacifista do pai de Rosy, que aceita cobardemente a imerecida acusação contra
sua “princesa”. Sobressai o papel do deficiente Michel, extraordinariamente
desempenhado por John Mills, que lhe mereceu um Óscar, a do padre Collins,
mediador, humano, tão irascível contra as alcoviteiras atrevidas da aldeia,
como contra as tendências de liberdade, temperadas com as suas angústias e
dúvidas sobre a sua própria sensatez, da adolescente Rosy. Impecável a actuação
do nobre professor, como a do traumatizado major, ferido anteriormente em
combate.
Um extenso filme prendendo
até ao fim, no encantamento de actuações, paisagens, enredo, movimento,
veracidade.
E veio à baila o comentário que fiz então sobre Manoel de
Oliveira: “Será que ele não aprende com tais filmes? Será que ele não
enxerga a extrema escassez e snobismo dos conteúdos e a falsidade dos elementos
que exibe nos seus filmes mortiços, para boi dormir? Em vez de pensar em criar
tantos, porque não aprender primeiro com os outros realizadores de
filmes que tantas obras primas legaram? Há dias foi entrevistado no Canal
Memória e o entrevistador especificou bem que ele reduzia os sentimentos das
personagens a uma espécie de
esquematismo, comprovado numa cena apresentada – um pseudo-actor, e uma
pseudo-actriz rodando à volta duma mesa numa ridícula cena de pseudo-sedução, do tipo
galaró em torno da franga – que o mais que me fez sentir foi asco e revolta
contra tanta imbecilidade encartada que é a sua, que assim brinca senilmente com
os seus bonecos - que é a nossa, que o apresentamos parolamente ao mundo como o
mais vetusto produtor filmográfico, obrigando o mundo a medalhá-lo na sua
vetustez admirável e copiosa, pois duvido que o mundo o faça por parolice.
Mas a minha amiga falou na sua doença e desejei-lhe
sinceramente as melhoras. Quanto mais não seja pelo “Aniki-Bobó”, o seu único
filme simpático sobre o ternurento mundo infantil nos tempos de Salazar, bendito Salazar
que outros filmes fez criar do nosso carinho e gratidão.
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