domingo, 30 de dezembro de 2012

Um filho do preciosismo


Foi por alturas da exibição de “A Filha de Ryan”, penso que no Canal Memória, que se falou de Manoel de Oliveira, que está doente mas a quem se auguram mais filmes, tal a sua persistência em longevidade e criatividade filmográfica.
Eu fui entusiasta no elogio ao filme de David Lean, que já vira várias vezes no Canal Hollywood sem tradução, e sempre me maravilhara o poderoso de um filme quer na acção eloquente e épica, quer na força anímica da paisagem irlandesa, quer no desempenho extraordinário das várias figuras de um enredo de paixão interdita – da jovem Rosy, casada com um ex-professor, viúvo sério e bem formado, pelo belo e triste major britânico defensor dos irlandeses da aldeia contra os alemães, durante a primeira guerra mundial num ambiente de hostilidade da maioria dos habitantes, adeptos do IRA, contra o usurpador inglês, quer na acção dos populares, e sobretudo das mulheres, exaltadas, mexeriqueiras e invejosas da beleza e graciosidade de Rosy, e contra ela se vingando, pretextando um acto de traição de que esta era inocente, mas lutando valentemente ao lado dos homens do Ira, que acabarão fuzilados, por denúncia conivente e pacifista do pai de Rosy, que aceita cobardemente a imerecida acusação contra sua “princesa”. Sobressai o papel do deficiente Michel, extraordinariamente desempenhado por John Mills, que lhe mereceu um Óscar, a do padre Collins, mediador, humano, tão irascível contra as alcoviteiras atrevidas da aldeia, como contra as tendências de liberdade, temperadas com as suas angústias e dúvidas sobre a sua própria sensatez, da adolescente Rosy. Impecável a actuação do nobre professor, como a do traumatizado major, ferido anteriormente em combate.  
Um  extenso filme prendendo até ao fim, no encantamento de actuações, paisagens, enredo, movimento, veracidade.
E veio à baila o comentário que fiz então sobre Manoel de Oliveira: “Será que ele não aprende com tais filmes? Será que ele não enxerga a extrema escassez e snobismo dos conteúdos e a falsidade dos elementos que exibe nos seus filmes mortiços, para boi dormir? Em vez de pensar em criar tantos, porque não aprender primeiro com os outros realizadores de filmes que tantas obras primas legaram? Há dias foi entrevistado no Canal Memória e o entrevistador especificou bem que ele reduzia os sentimentos das personagens  a uma espécie de esquematismo, comprovado numa   cena apresentada – um pseudo-actor, e uma pseudo-actriz rodando à volta duma mesa numa ridícula cena de pseudo-sedução, do tipo galaró em torno da franga – que o mais que me fez sentir foi asco e revolta contra tanta imbecilidade encartada que é a sua, que assim brinca senilmente com os seus bonecos - que é a nossa, que o apresentamos parolamente ao mundo como o mais vetusto produtor filmográfico, obrigando o mundo a medalhá-lo na sua vetustez admirável e copiosa, pois duvido que o mundo o faça por parolice.
Mas a minha amiga falou na sua doença e desejei-lhe sinceramente as melhoras. Quanto mais não seja pelo “Aniki-Bobó”, o seu único filme simpático sobre o ternurento mundo infantil nos tempos de Salazar, bendito Salazar que outros filmes fez criar do nosso carinho e gratidão.

 

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