quarta-feira, 4 de junho de 2008

Exmo Sr. Presidente da República de Portugal...

Exmo Sr. Presidente da República de Portugal, Dr. Aníbal Cavaco Silva

Embora sabendo de antemão que nada já destruirá o que está feito, em termos de um Acordo Ortográfico, ao que parece, de toda a conveniência para nós outros, que somos pequenos e pobres e que por isso temos que vender mais esta parcela do nosso reduzido capital territorial, eu lembro em todo o caso a V. Exª que tal parcela constitui um todo lógico e coerente, cujas raízes clássicas os outros povos europeus mantêm, e que, a perderem-se connosco, mais e mais nos afundamos na cauda dos países mais atrasados da Europa, nesta infeliz e inútil demonstração de que nem ao menos a nossa língua soubemos respeitar, nos seus parâmetros etimológicos, desrespeito que não encontramos nos povos espanhol, francês, italiano e até inglês o qual, apesar de maiores divergências linguísticas relativamente aos povos ditos românicos, faz jus à influência latina no seu território. Cito, como exemplo, o caso de preceptor em que, com pt ou duplo tt, os tais povos não riscaram de uma assentada, como o faremos nós, a gratidão– se lhe quisermos aplicar tal designação – por esse povo que ajudou à formação da nossa cultura e sobretudo dessa língua que a própria Vénus “com pouca corrupção, crê que é latina”, no louvor de Camões. Aos Brasileiros, não interessam tais razões. Vivem noutro continente, herdaram uma língua que podem alterar sem pruridos de etimologias que lhes são indiferentes, na pujança da sua própria riqueza etnológica e linguística multifacetadas.
Em tempos escrevi ao Dr. Vasco da Graça Moura, para que não abandonasse o seu projecto de oposição ao Acordo. Tenho, nesse sentido, enviado para alguns jornais reflexões críticas que, porque muitas vezes são adulteradas ou reduzidas, segundo conveniências do espaço jornalístico, envio, na sua íntegra, a V. Exª, para que pense bem se têm o direito, os governantes que o fazem, de contrariar os Portugueses que disso discordam, movidos por sentimentos que estão para além desses falsos pretextos usados pelos indiferentes, embora estes estejam em maioria, é certo, mas pelo puro atraso cultural ou ausência de princípios morais que desde sempre nos definem e que cada vez mais se comprovam.

Sem outro assunto, muito atenciosamente

S. Pedro do Estoril, 4 de Junho de 2008

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