O senhor Arrobas morreu.
Encontrávamo-lo frequentemente, ora nas compras ora no banco. Sorridente, repetindo as mesmas graças. Se era na sua vinda do banco, vulgo CGD: “Escusam de ir, que eu já limpei tudo o que lá havia”. Se era na nossa vinda: “Escuso de ir, que vocês já limparam tudo”. Repetia-se a cena no Pingo Doce ou na Padaria, de exposição megalómana da nossa respectiva comparticipação nas compras diárias. Sempre sorrindo, sem dar a saber o que ele sabia, preferindo manter a imagem da reserva e da falsa alegria de quem prefere brincar a ceder à humilhação da nossa condição de ratos impotentes nas malhas prisioneiras.
Mas um dia apareceu na farmácia, cheia de gente. Não me viu. Não tirou bilhete, foi direito ao balcão, arrastou a conversa, saí antes dele. Só um grande desvairamento poderia explicar a atitude deselegante de açambarcar um privilégio que lhe não pertencia, e ninguém protestou. Deve ter sido nesse dia que soube da doença.
Voltámos a encontrá-lo. Menos vezes, mas sempre comedido em relação a si, discreto em referência a uma doença que tentava minimizar com a eterna brincadeira do monopólio de produtos ou de dinheiro. Vivia só, a mulher morrera algum tempo antes, isso nos aproximara na preocupação pelo seu bem-estar. Sabíamos que ia buscar os netos à escola, sabíamos que era boa pessoa, pensávamos que devia sentir-se muito só, pessoa errante, com afectos, é certo, mas de repente a sós com as suas dores e os seus medos, fugidio na alusão àqueles, sozinho na vida.
Morreu ontem.
Encontrávamo-lo frequentemente, ora nas compras ora no banco. Sorridente, repetindo as mesmas graças. Se era na sua vinda do banco, vulgo CGD: “Escusam de ir, que eu já limpei tudo o que lá havia”. Se era na nossa vinda: “Escuso de ir, que vocês já limparam tudo”. Repetia-se a cena no Pingo Doce ou na Padaria, de exposição megalómana da nossa respectiva comparticipação nas compras diárias. Sempre sorrindo, sem dar a saber o que ele sabia, preferindo manter a imagem da reserva e da falsa alegria de quem prefere brincar a ceder à humilhação da nossa condição de ratos impotentes nas malhas prisioneiras.
Mas um dia apareceu na farmácia, cheia de gente. Não me viu. Não tirou bilhete, foi direito ao balcão, arrastou a conversa, saí antes dele. Só um grande desvairamento poderia explicar a atitude deselegante de açambarcar um privilégio que lhe não pertencia, e ninguém protestou. Deve ter sido nesse dia que soube da doença.
Voltámos a encontrá-lo. Menos vezes, mas sempre comedido em relação a si, discreto em referência a uma doença que tentava minimizar com a eterna brincadeira do monopólio de produtos ou de dinheiro. Vivia só, a mulher morrera algum tempo antes, isso nos aproximara na preocupação pelo seu bem-estar. Sabíamos que ia buscar os netos à escola, sabíamos que era boa pessoa, pensávamos que devia sentir-se muito só, pessoa errante, com afectos, é certo, mas de repente a sós com as suas dores e os seus medos, fugidio na alusão àqueles, sozinho na vida.
Morreu ontem.
2 comentários:
O senhor Arrobas... não era nada infeliz, andava sempre com as netas, gostava de ouvi-las tocar piano... sim, uma das melhores pessoas que por cá passou.
Vou ter saudades de saber que ele anda por aí de chapéu, mesmo que o visse pouco.
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