terça-feira, 12 de agosto de 2008

“Na terra tanta guerra...”

Foi Camões que disse, mas o “bicho da terra” a cada passo o demonstra, nas famílias, nos clãs, nas estradas, nos bancos, nos países, na Bíblia, na História, nos matagais africanos e sulamericanos, em cada um de nós... Mais recentemente, na Geórgia...
É preciso paciência. A Guerra de Tróia deu brado, para mais de origem divina e muito feminina, mas as humanas foram por demais também. Júlio César até escreveu sobre as suas conquistas na Gália, e o Napoleão foi um triunfador e peras. Enquanto foi.
Mas nada como nestes séculos XIX e XX em que cada guerra é responsável na irradiação das matanças. Dantes era mais cara a cara, praticavam-se heroísmos gostosos. Que o diga Roland e o nosso Nun’Álvares. Agora está-se mais desprevenido, morre-se assim à matroca, atabalhoadamente, conforme apetece aos chefes, que estão sempre a salvo, pois podem impor a guerra de cátedra. É nos fornos crematórios dos campos de concentração, é nos trabalhos forçados dos campos siberianos, é com bombas atómicas, é, mais actualmente, com as armas nucleares ou biológicas, um fartote de meios requintados para os genocídios, não falando nos terroristas, que estes limitam-se às explosões embora de grande alcance já, e não se importam de se suicidarem, desde que possam liquidar com fartura.
É por isso que, em atenção aos recentemente sacrificados georgianos, não resisto a prestar homenagem aos seus mortos, por meio de textos consagrados de escritores portugueses que assim definiram a guerra e os seus heróis:

Do Padre António Vieira (1608/1697), in “Sermão Histórico e Panegírico”:
É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se farta. É a guerra aquela tempestade terrestre, que leva os campos, as casas, as vidas, os castelos, as cidades, e talvez em um momento sorve os reinos e monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade composta por todas as calamidades, em que não há mal algum que, ou se não padeça ou se não tema: nem bem que seja próprio e seguro. O pai não tem seguro o filho, o rico não tem segura a fazenda, o pobre não tem seguro o seu suor, o nobre não tem segura a honra, o eclesiástico não tem segura a imunidade, o religioso não tem segura a sua cela; e até Deus, nos templos e nos sacrários, não está seguro.

De Nicolau Tolentino de Almeida (1741/1811), “Excertos da sátira “A GUERRA” ( 15 de 48 quintilhas):
«“Musa...”

“Deixa equipar Inglaterra / Com naus de alterosa popa, / Deixa regar sangue a terra; / Que te importa que na Europa / Haja paz ou haja guerra? “ ....

“Que tens tu que ornada história / Diga que peitos ferinos / Em sanguinosa vitória, / Inumanos, assassinos, / São do mundo a honra e a glória?”
“As guerras precisas são, / Nelas a paz se assegura; / Não metas em tudo a mão, / Musa louca; porventura / Encomendaram-te o sermão?”
“Deixa que roto taful, / A quem na pátria foi mal, / Vá cruzar de norte a sul; / Cubram-lhe o corpo venal / Três palmos de pano azul.”
“Deixa que em tarimba estreita / O desperte a aurora ingrata; / Que o duro cabo que o espreita / O faça ao som da chibata, / Virar à esquerda e à direita.”
“Deixa-lhe em sangue envolver / Duro pão que lhe dá Marte; / E para poder viver, / Deixa-lhe aprender esta arte / De matar e de morrer.” ....

“Dizes que uma guerra acesa / É teatro de impiedade / Chamas-lhe uma fereza, / Flagelo da humanidade, / Triste honra da natureza.” ...

“Entre horrorosos troféus, / O general desumano / Manda falso incenso aos céus / E de espalhar sangue humano / Vai dando louvores a Deus.” ...
“Tirando então consequências, / Zombar dos homens procuras, / E das suas vãs ciências; / Sempre cheias de loucuras, / E cheias de incoerências;”
“Se a paz, em dias felizes, / À cara pátria os conduz, / Dizes que estes infelizes / Mostram, rindo, os peitos nus, / Cortados de cicatrizes;
Que este reconta aos parentes / Como em perigoso passo, / Zunindo balas ardentes, / Uma lhe quebrou o braço, / Outra lhe levou os dentes; “
“Que outro, da perna cortada / Abençoa a horrível chaga, / Porque ao peito pendurada / Trará algum dia em paga, / Inútil fita encarnada;” ....

“Se os homens se não matassem, / E impunemente crescessem, / Pode ser que não achassem / Nem fontes de que bebessem / Nem campos que semeassem.” ...

“Sabe-se que mil males faz / A mole tranquilidade / E que em seu seio nos traz / Brando luxo e ociosidade, / Danosos filhos da paz;” ...

“ Deixa, pois, haver queixumes; / Metam-se armadas no fundo, / Acenda a guerra os seus lumes; / Que assim tornará ao mundo / A inocência dos costumes;” ...

De Reinaldo Ferreira (1922/1959), in “Poemas”: “Receita para fazer um herói”
Tome-se um homem, / Feito de nada, como nós, / E em tamanho natural. / Embeba-se-lhe a carne, / Lentamente, / Duma certeza aguda, irracional, / Intensa como o ódio ou como a fome. / Depois, perto do fim, / Agite-se um pendão / E toque-se um clarim.
Serve-se morto.

Um comentário:

AJS disse...

Pois é! Continuamos a não aprender nada de nada - Como exemplo o extrato do Partido Nacional Socialista (Partido Nazi Alemão)nos idos anos 30 de século passado rezava assim "Exigimos a pena de morte para todos os que se opuserem ao nosso combatedestinado a união dos nossos povos. Pedimos igualmente a pena de morte para todos os usurários, os traidores, os pessimistas, os parasitas da sociedade que não respeitam a nossa fê nem a nossa raça." - Tenho a impressão que o regime na Rússia andou a ler este manifesto.