quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A Mulher pecadora

As mulheres foram sempre muito mal vistas na sociedade, houve até quem lhes atribuísse pactos com o demónio. É claro que sempre houve damas espiritualizadas mas só no lirismo medieval e clássico (para além das Escrituras, é certo, onde a Virgem Maria é a mulher espiritual, a eleita de Deus), mas a par dessas também houve as tratadas sem consideração e as próprias bruxas passaram mal e chegaram a arder nas fogueiras por conta da Igreja, salvo se conseguissem escapar cavalgando a vassoura.
Felizmente que já não se põe o problema nos dias de hoje, de sociedade mais aberta e permissiva, consequente das conquistas dos seus direitos pelas feministas e pelos escritores que trouxeram o problema para a ribalta política e social.
De resto, já a própria Madalena não chegou a levar as pedradas dos justiceiros judeus, e isso graças a um Cristo piedoso e compreensivo, que assim desculpabilizou muitos dos desmandos passados e actuais, do seu clero.
Mas a sociedade que nos é descrita pela pena dos homens ou das mulheres revela facetas de uma menor justiça para com as mulheres, que aliás se condenam a si próprias quando se sentem pecadoras – caso da heroína Phèdre do Racine, apaixonada pelo enteado que, além do ciúme que a leva ao desvario de condenar Hipólito, se mata de vergonha e remorso, o crime de incesto sendo altamente punível, como já fora demonstrado por Sófocles, que fez enforcar-se Jocasta, enquanto só furou os olhos de Édipo, em autopunição, o qual ainda teve hipótese de passear por Colona acompanhado da filha Antígona, nimbado de uma aura toda espiritual.
No romantismo francês, se existe uma pérfida Milady bastante livre, ela será justiçada sem remissão pelos três mosqueteiros e por D’Artagnan, cheios de razões de queixa, e com o apoio, certamente, dos leitores do livro. Quanto à Margarida Gautier, a dama das camélias, será a doença que a condenará pelos seus pecados, pois não poderia ficar impune quem tanto pecou, embora tivesse amado Armando Duval com tanto espírito de sacrifício.
Mas já Jane Eyre, heroína inglesa, disciplinada e de moral rígida, que muito sofreu em criança, às mãos da má madrasta e dos pseudo-irmãos despóticos e mais tarde no colégio interno dirigido com mão de ferro por quem usava muito hipocritamente a religião de Cristo, é, todavia, destinada a viver a sua grande paixão, feita de dedicação total, no livro romântico de Charlote Bronte, que ainda hoje poderia servir de modelo aos nossos jovens, os quais mergulham depressa demais nos amores adultos, sem preparação para assumirem os encargos ou as generosidades que aqueles pressupõem.
Madame Bovary também foi condenada e ela própria se condenou, suicidando-se. Pecou, realmente, muito, na opinião daquele meio medíocre ou prepotente em que vivia e de que quis fugir, sempre iludida com os arremedos de felicidade da sua imaginação insatisfeita e inquieta. O mesmo sucederia com a Thérèse Desqueyroux, do Mauriac, cuja exacerbação pela chateza em que vivia, a leva, sem muita convicção, a um gorado assassínio do marido, escapando à condenação do tribunal para ser condenada posteriormente pelo desprezo dos familiares e imposição de auto-anulamento e auto-mudez pelo marido, que felizmente, por fim a libertou.
Os livros que ficcionam amores livres como “O Amante de Lady Chatterley”, de David H. Lawrence são condenados e até retirados da circulação, por alguns anos, por uma sociedade amiga dos bons costumes. Sociedade machista e condenatória, mais aberta às perversões dos homens, do próprio marquês de Sade. Mas a mulher hoje em dia superou grandemente esses ostracismos. Simone de Beauvoir bem o desmascara, e a original Françoise Sagan.
Entre nós, “O Livro das Três Marias” também deu escândalo pela ousadia. E temos sempre Lili Caneças, como exemplo da mulher livre e desinibida, Deus a conserve, que tem a simpatia dos nossos homens e até mesmo das nossas mulheres que dela falam nas tertúlias sentimentais.

Um comentário:

Marta disse...

Gostei tanto que, mesmo qurendo deixar uma opinião, sequer me sinto à altura de o fazer.
A sociedade é, de facto, mesquinha e quase nojenta. Ao longo do tempo, tem reduzido a mulher pela sua simples condição natural, privilegiando os homens, sem percber que somos todos pele, carne e sangue.