Já o tenho dito. A um terço do caminho para os 104, a minha Mãe causa-me espanto crescente, quer na recuperação dos seus dados biográficos, quer na evocação de versos ou histórias que antes não lhe ouvira, quer na expressividade das suas modulações de voz e dos gestos amplos com que acompanha por vezes a sua oratória, que me lembra os jeitos do meu Pai em situações festivas dos discursos ternos em família, que tanto admirava nele, na minha incapacidade oral de bicho introvertido.
Saiu-se ontem com a seguinte história:
«O Vale da Porca é uma quinta que vem de Cercoza para o Carregal. Pertencia a um Gaudêncio ricaço e avarento e era dirigida pelos caseiros do Ral, que muita fominha passavam. E a lenda espalhou-se até lá pelo Carregal. Era entre um cão, um galo e um moinho.
O cão ladrava: “Fom’! Fom’! Fom’!”
O galo cantava: “Nunca de cá saiu! Nunca de cá saiu! Nunca de cá saiu!”
E o moinho, que andava debalde, sem grão debaixo da mó: “Sempre assim foi! Sempre assim foi! Sempre assim foi!”»
E a minha Mãe acentuava cada uma das frases com força e prolongamento de explosão. E ria. E recontava a história, muito feliz.
E eu a reconto, a propósito do nosso Orçamento debatido e aprovado em ficção já muito gasta, de uma antiga situação neste nosso Vale da Porca, com donos da quinta avaros e incompetentes, caseiros da quinta queixosos e resignados ou soltando as vozes do seu descontentamento:
“Fom’! Fom’! Fom’!
Sempre assim foi! Sempre assim foi! Sempre assim foi!
Nunca de cá saiu! Nunca de cá saiu! Nunca de cá saiu!”
Como música ininterruptamente monocórdica de um disco antigo, rachado. E esquecido.
Saiu-se ontem com a seguinte história:
«O Vale da Porca é uma quinta que vem de Cercoza para o Carregal. Pertencia a um Gaudêncio ricaço e avarento e era dirigida pelos caseiros do Ral, que muita fominha passavam. E a lenda espalhou-se até lá pelo Carregal. Era entre um cão, um galo e um moinho.
O cão ladrava: “Fom’! Fom’! Fom’!”
O galo cantava: “Nunca de cá saiu! Nunca de cá saiu! Nunca de cá saiu!”
E o moinho, que andava debalde, sem grão debaixo da mó: “Sempre assim foi! Sempre assim foi! Sempre assim foi!”»
E a minha Mãe acentuava cada uma das frases com força e prolongamento de explosão. E ria. E recontava a história, muito feliz.
E eu a reconto, a propósito do nosso Orçamento debatido e aprovado em ficção já muito gasta, de uma antiga situação neste nosso Vale da Porca, com donos da quinta avaros e incompetentes, caseiros da quinta queixosos e resignados ou soltando as vozes do seu descontentamento:
“Fom’! Fom’! Fom’!
Sempre assim foi! Sempre assim foi! Sempre assim foi!
Nunca de cá saiu! Nunca de cá saiu! Nunca de cá saiu!”
Como música ininterruptamente monocórdica de um disco antigo, rachado. E esquecido.
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