Um dia, a apresentadora de televisão, Marie-Ange Nardi, que comecei a admirar no programa “Pyramide”, pelos anos noventa, veio a Portugal, tendo sido acompanhada nas suas visitas turísticas por um cicerone português que a fez percorrer bairros típicos de Lisboa, onde se entretiveram a troçar da roupa estendida nos estendais dos prédios, sintoma da paroleira que nos define no nosso atraso milenarmente imutável.
Senti vergonha, senti revolta, senti asco. Vergonha desse atraso, revolta contra nós próprios, povo irremediavelmente incapacitado, asco contra a pessoa intelectualmente superior, de um país milenarmente superior, que, paradoxalmente, em tempos, permitira a existência dos famosos bidonvilles, para tectos de gente sem casta, usada nos trabalhos da dureza e dos estrumes domiciliários franceses, tectos próprios para uma imigração intelectualmente destituída. Inteligente como sempre a reconheci, Marie-Ange Nardi não tinha o direito de se mostrar tão desprezativa, tão desprezível, na sua arrogância e imodéstia superiores, incompatíveis com o “quod nihil scitur” da reflexão humanista.
Muito antes dela, Simone de Beauvoir, no seu livro “Les Mandarins”, põe igualmente duas personagens do romance a visitar Portugal, país que vivera placidamente, liberto e inocente - os milhares de ricos nos seus arrotos, os milhões de pobres nas suas miseráveis choupanas - os horrores da guerra que outros povos sofreram directamente, na sua atrocidade. Sinto como um ferrete a lição, já não de troça mas duramente crítica, que tinha o mesmo objectivo que o dos nossos escritores neo-realistas de pôr em causa o regime prepotente de Salazar e, simultaneamente, o país de grande pobreza espiritual: “la tyrannie politique, l’exploitation économique, la terreur policière, l’abêtissement systématique des masses, la honteuse complicité du clergé…”
Também Voltaire, no seu “Candide” chamara a atenção para os horrores dos autos-de-fé em Lisboa, após o terramoto de 1755, dentro do mesmo espírito de independência crítica, como ataque à injustiça, obscurantismo e fanatismo que nos foram marginalizando no conjunto dos povos europeus, todos estes prezando a formação cultural, como bagagem distintiva do ser humano.
Ninguém melhor do que Eça para desmontar as idiotias da nossa “mesmice” e da nossa pobreza espiritual e material.
Sempre a crítica foi forma de alertar para o erro, de convidar à virtude.
Nestes nossos tempos de pseudoconstrução cívica, que nos tornam joguetes da arbitrariedade, da má fé, do egoísmo e da incapacidade governativas, muitas críticas se vão lendo como alerta e previsão de catástrofe, na mesma sociedade imatura, que se tem vindo progressivamente a destituir dos valores da disciplina mental e moral, a acrescentar à perda material escoando-se pelas comportas destruídas dos sorvedouros económicos.
Ela, a catástrofe, já é presente, no fantasma de uma dívida que cresce incontidamente, nas soluções para a inverter, de cariz tsunâmico, que mergulham o futuro pátrio em trágica incógnita sobre a nossa continuidade como nação.
Pretender que tais críticas negativas revelam menos amor pátrio, a isso apor exemplos de êxitos pátrios, é um falso argumento chauvinista, que não implica a anulação da via errática do nosso pesadelo político. Não há nelas altivez de troça, mas uma tristeza fatalista na expectativa do fim. Ou da mesma continuidade sem nobreza.
Senti vergonha, senti revolta, senti asco. Vergonha desse atraso, revolta contra nós próprios, povo irremediavelmente incapacitado, asco contra a pessoa intelectualmente superior, de um país milenarmente superior, que, paradoxalmente, em tempos, permitira a existência dos famosos bidonvilles, para tectos de gente sem casta, usada nos trabalhos da dureza e dos estrumes domiciliários franceses, tectos próprios para uma imigração intelectualmente destituída. Inteligente como sempre a reconheci, Marie-Ange Nardi não tinha o direito de se mostrar tão desprezativa, tão desprezível, na sua arrogância e imodéstia superiores, incompatíveis com o “quod nihil scitur” da reflexão humanista.
Muito antes dela, Simone de Beauvoir, no seu livro “Les Mandarins”, põe igualmente duas personagens do romance a visitar Portugal, país que vivera placidamente, liberto e inocente - os milhares de ricos nos seus arrotos, os milhões de pobres nas suas miseráveis choupanas - os horrores da guerra que outros povos sofreram directamente, na sua atrocidade. Sinto como um ferrete a lição, já não de troça mas duramente crítica, que tinha o mesmo objectivo que o dos nossos escritores neo-realistas de pôr em causa o regime prepotente de Salazar e, simultaneamente, o país de grande pobreza espiritual: “la tyrannie politique, l’exploitation économique, la terreur policière, l’abêtissement systématique des masses, la honteuse complicité du clergé…”
Também Voltaire, no seu “Candide” chamara a atenção para os horrores dos autos-de-fé em Lisboa, após o terramoto de 1755, dentro do mesmo espírito de independência crítica, como ataque à injustiça, obscurantismo e fanatismo que nos foram marginalizando no conjunto dos povos europeus, todos estes prezando a formação cultural, como bagagem distintiva do ser humano.
Ninguém melhor do que Eça para desmontar as idiotias da nossa “mesmice” e da nossa pobreza espiritual e material.
Sempre a crítica foi forma de alertar para o erro, de convidar à virtude.
Nestes nossos tempos de pseudoconstrução cívica, que nos tornam joguetes da arbitrariedade, da má fé, do egoísmo e da incapacidade governativas, muitas críticas se vão lendo como alerta e previsão de catástrofe, na mesma sociedade imatura, que se tem vindo progressivamente a destituir dos valores da disciplina mental e moral, a acrescentar à perda material escoando-se pelas comportas destruídas dos sorvedouros económicos.
Ela, a catástrofe, já é presente, no fantasma de uma dívida que cresce incontidamente, nas soluções para a inverter, de cariz tsunâmico, que mergulham o futuro pátrio em trágica incógnita sobre a nossa continuidade como nação.
Pretender que tais críticas negativas revelam menos amor pátrio, a isso apor exemplos de êxitos pátrios, é um falso argumento chauvinista, que não implica a anulação da via errática do nosso pesadelo político. Não há nelas altivez de troça, mas uma tristeza fatalista na expectativa do fim. Ou da mesma continuidade sem nobreza.
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