quinta-feira, 4 de novembro de 2010

“Só se chega mais depressa a Madrid”

- Não vejo ninguém com esperança. Todos preocupadíssimos. O Sócrates está como quer, queria o Acordo assinado e lá o tem, para o T.G.V. arrancar. Tem um compromisso com os espanhóis, não é homem para faltar aos compromissos.
Admirei-me:
-Hum!
Não me deixou ir além da interjeição, na fúria da sua alta velocidade:
- Dá-se muito bem com o Primeiro Ministro espanhol, são muito amigos. Não desarma com o T.G.V. Ele já disse que ia adiar. Mas mantém. Não pode faltar a um compromisso com os espanhóis. O Sousa Tavares e variadíssimos economistas dizem que aquilo não vai dar lucro nenhum. Só se chega mais depressa a Madrid.
Consegui articular:
- É útil! O Museu do Prado vale a despesa.
Não compreendeu o meu arroubo artístico:
- Isso é que me espanta. Como é que o homem prefere não faltar a um compromisso com os espanhóis e vai sacrificar toda a gente! O povo devia ir p’rá rua.
Nisso discordo da minha amiga, velhas manias de obreira zelosa que fui, raramente faltando ao trabalho, julgando-me importante no funcionamento de algumas das rodas que ajudavam o país a mover-se…
- Para quê? Já somos suficientemente calaceiros… O Sócrates e os demais pares, com o Cavaco à mistura, estão-se marimbando para as manifs. Essas passam, e nem importa se o país ficou mais pobre – na moral, na economia, nos costumes. Democráticos. É uma linda palavra.
Continuei:
- O meu marido anda indignado, tal como os mais. Diz ele que está tudo à espera que as pessoas alterem a sua intenção de voto, mas quem tem o poder só apresenta o que convém. Ninguém consegue saber. As pessoas de carácter nunca são ouvidas. Há um Juiz que só agora que se reformou é que escreveu um livro sobre o que são esses acordos – tudo roubo – mas enquanto esteve no activo não podia fazê-lo, todos a ver se lixam o parceiro que se atreva a desmascarar. Tudo gatunagem. Sócrates quer ficar na história como o homem que fez o TGV. E também quer chegar aos dez anos de governação para a maquia da pensão - explicou o meu marido, circunspecto.

Nem vale a pena
Tanto penar.
Mas só mesmo Esopo
Para nos fazer gozar
Um pouco:
«Uma cotovia de poupa
Foi apanhada num laço
- Confesso que um pouco baço -
E a sua sorte deplorava,
Que se desgarrava:
“Ai! Pobre de mim,
Pássaro mísero e mesquinho,
Embora sem ser tão tratante
Assim!
A ninguém roubei
Nem ouro, nem prata,
Nem diamante,
Nada de precioso
De valioso
Ou muito importante!
Apenas um grão
Minúsculo de trigo
P’r’à refeição
Foi causa injusta
De perdição”.
A fábula visa, com certo respeito,
Os que correm riscos sem jeito,
Com magro proveito».

Tudo bem ao contrário
Do nosso fadário,
Nesta fábula da “Cotovia de poupa”
Com que Esopo nos apouca,
Referindo-se aos pobres mortais
Como os Joões Valjães
Que quando roubam pães
Vão p’rás galés, como grandes ladrões,
Ao passo
Que dos que aqui roubam que farte,
Que é mesmo um disparate,
Uns vão trabalhar p’rà Europa
- Embora não seja taxativo
Que seja trabalho activo,
Ou de sujeição
A favor da nação.
Parece mais
De autopromoção
E conta própria.
Outros… os doutores
Tenebrosos,
Deixemo-los com os seus pares
Na pátria de navegadores,
Que nunca mais se erguerá.
Tal como o caldo entornado,
Que não será engolido
Porque ficou bem sumido.

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