“O estômago e os pés disputavam-se sobre as respectivas forças. A cada passo, os pés informavam serem de tal modo superiores àquele na questão do vigor, que eram eles quem carregava o próprio estômago. Este deu-lhes a seguinte resposta: “- Enfim, Senhores pés, se eu aí não estiver para vos alimentar, vós não podereis transportar seja o que for!” É o que acontece com os exércitos: sem a inteligência dos seus chefes, a superioridade do número não vale nada.”
Eis a fábula do Esopo – “O estômago e os pés” que traduzi para a minha amiga, como intróito ao comentário sobre uma crítica recebida num texto que li na Internet a respeito da falta de compostura na actual designação dos chefes, por bloguistas ou outros comentaristas, embora o autor do texto considerasse que antigamente, na primeira República ainda fora pior o desbragamento da linguagem, do que nos tempos hodiernos.
Nós ambas acusámos o toque, sobretudo a minha amiga que foi quem usou o hipocorístico designativo de “Zezinho” aplicado ao nosso Presidente, coisa que eu também censurei na altura, confesso, já tenho dito que não fui habituada a essas desconsiderações, tal como o Damazinho Salcede, que a ninguém as admitia, e até costumo ser punhos de renda nos meus designativos, para aplicar uma imagem dos preciosismos clássicos, mas deixei-me convencer da justeza da expressão, depois de ponderadas as razões e por isso a postei no texto do meu blogue.
Realmente, ponderámos que chefes não temos de grande valia, mas creio que o erro está na nossa massa demográfica, em todos nós, portanto, que somos de estilo rasteiro, provinciano, como o nosso Presidente, que teve origem modesta, segundo diz, embora tenha cavado a pulso o seu percurso de excelência, gabando-se, apesar da modéstia que afirma ter, de ter contribuído para que a nação – os pés da fábula – não tenha soçobrado ainda, como teria acontecido, não fora ele o Presidente – o estômago da fábula – dos pés que somos.
Admirámos o optimismo do Presidente, no seu discurso de candidatura, revimos os gerais motivos actuais de queixa sobre a inacção do Presidente, e não vimos nenhum motivo para ele embandeirar em arco sobre o que fez para evitar o estado das nossas misérias, achando que, pelo contrário, nada fez a não ser referir bastas vezes a sua preocupação, deixando, pelo contrário, destruir a ortografia portuguesa, a Escola portuguesa, os diferentes ramos da Economia portuguesa, participando no estado da corrupção portuguesa, com os vários vencimentos que se diz que aufere, não dando um passo para limpar a pequena casa do seu país.
Creio que estamos mais que justificadas, a democracia tornou-nos a palavra mais solta, é certo, embora eu me lembre de que na ditadura também ousei ser ousada em minha escrita objectiva. Não condenávamos os chefes, pelo menos frontalmente – houve quem chamasse a um deles “Dinossauro Excelentíssimo”, mas só depois do chefe fora de cena - mas os chefes também tinham diverso carisma. E amavam a Pátria, e tinham outros ideais, que agora achamos prosaicos, porque a prosa dos chefes idealistas de agora se cifra mais nas cifras pessoais e dos amigos funcionais.
Nem vale a pena prosseguir, nestes apertos em que vivemos, e em que vivem, sobretudo, os que foram despedidos dos seus empregos ou os que receiam vir a perdê-los, todos os que se sentem coarctados na acção que julgavam desempenhar como cidadãos do seu país.
Etc., etc., não vale a pena prosseguir, vou antes traduzir a fábula de Esopo, para me divertir um pouco.
E à minha amiga a vou dedicar, para se divertir a seguir:
«O estômago e os pés»
«O estômago com os pés contendia
Porque estes se vangloriavam
Do seu poder sobre aquele
Já que eles é que o transportavam
Com a necessária galhardia,
Jamais reclamando
Nem se enxofrando
Embora sentissem na pele
O esforço tão forte
Desse transporte,
Tantas vezes sem norte.
É claro que o estômago não se deixou vencer
E respondeu, a esclarecer:
“- Nada vos fico a dever
Porque não fora eu a dar-vos de comer
E aí ficaríeis parados no tempo,
Sem vos poderdes mexer.”
A moral da fábula aplica-a Esopo
A moral da fábula aplica-a Esopo
Às tropas do seu tempo:
Havia nelas chefes a mandar.
Sem esses, lá se iam as vitórias ao ar
Pois, sem orientação,
Os múltiplos soldados dispersariam…
Mas também, é certo, não seriam
A carne para canhão
Que habitualmente são.
O que eu acho curioso
Havia nelas chefes a mandar.
Sem esses, lá se iam as vitórias ao ar
Pois, sem orientação,
Os múltiplos soldados dispersariam…
Mas também, é certo, não seriam
A carne para canhão
Que habitualmente são.
O que eu acho curioso
Sem que isso me dê gozo,
É a analogia dos tempos de outrora
Com os de agora
No que toca à questão dos chefes
Que Esopo, na sua alegoria,
Atribui ao estômago
E não à cabeça,
Que comandar deveria.
O estômago a mandar,
Eis uma observação
De grande universalidade,
Pois, vinda da ancestralidade,
Chega impune à actualidade.
É a analogia dos tempos de outrora
Com os de agora
No que toca à questão dos chefes
Que Esopo, na sua alegoria,
Atribui ao estômago
E não à cabeça,
Que comandar deveria.
O estômago a mandar,
Eis uma observação
De grande universalidade,
Pois, vinda da ancestralidade,
Chega impune à actualidade.
4 comentários:
Oi Dona Berta,
A Sra é uma "guerreira".
Sempre que me é possivel, estou por aqui lendo suas histórias de vida. Casimiro
O senhor também é, sr. Casimiro Rodrigues. Por isso nos estimamos. Berta Brás
"A única ocupação mesmo dos ministérios era esta -«cobrar o imposto» e «fazer o empréstimo». (Cohen, no jantar do Hotel Central)
Carlos não entendia de finanças: mas parecia-lhe que, desse modo, o país ia alegremente e lindamente para a bancarrota.
- Num galopezinho muito seguro e muito a direito - disse o Cohen, sorrindo. - Ah, sobre isso, ninguém tem ilusões, meu caro senhor. Nem os próprios ministros da Fazenda!... A bancarrota é inevitável: é como quem faz uma soma..." (in "Os Maias")
Isto foi escrito durante a Monarquia, ainda, e não era, seguramente, ficção.
Nunca foi, hélas! Berta
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