quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Augúrios

Não sei por que razão
Se foi Esopo inspirar,
Como exemplificação
De uma figura detestada,
Embora só pela deusa
Da grega sabedoria,
Na gralha de bico aberto,
A coaxar.
Afinal, é esse o seu falar
Embora sem grande acerto,
E com pouca harmonia.
Mas gostos são relativos
Não podemos generalizar
Nos motivos,
Valha-me a Virgem Maria.
Tanto mais,
Que gralhas há muitas,
Tal como os chapéus,
Ó céus.
Leiamos então,
Com atenção
A fábula de Esopo
Na tradução:

«A gralha e o cão
Uma gralha que pretendia
A Atena, sacrificar,
Para esse banquete resolveu,
Com a necessária cortesia,
Um cão convidar
Um dia.
“- Para que te metes em tanta despesa
Com esses sacrifícios, tão inúteis
Como fúteis?”
- O cão lhe perguntou, com esperteza,
Se não até com tristeza.
E continuou:
“Com efeito, a deusa tem por ti
Um ódio tão feroz
Que, como um algoz,
Aos teus áugures exclui
O crédito desejado.
“- Ora essa!”
A gralha lhe respondeu
Com enfado:
“Por isso mesmo eu lhe sacrifico”,
Sei que ela me detesta
E espero apaziguá-la
Com a minha festa
A favor dela.”
De igual forma, muita gente
Pouco influente
Não hesita, por receios ancestrais,
Em cobrir de benefícios
Os seus inimigos figadais.»

Penso que a gralha pertencia
À lusofonia,
Mas não tenho a certeza.
Porque tal natureza
De cumular de benefícios
Os superiores,
Amigos ou inimigos,
Mesmo com sacrifícios,
Para obter deles favores,
É coisa antiga,
Própria da literatura
Que a imitou da Mãe Natura.
Não vou , pois, fazer fraca figura.
Não vou explorá-la.
Vou mesmo ignorá-la,
Essa coisa de servir
De sacrificar
De prendas trocar…
Não vá uma Atena segura
O crédito dos meus áugures banir.

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