sábado, 29 de outubro de 2011

No primeiro aninho do Sebastião

Mandou-me o meu filho Ricardo um e-mail com imagens de uma Lourenço Marques airosa, de um antigamente que deixou saudades, ao som da canção de Tudela “Adeus, cidade, é tanta a mágoa que eu tenho, que já em mim não contenho a chama desta saudade…”
Era uma bela cidade, a cidade onde nasci, onde nasceram três dos meus filhos, - o João, o Artur, o Luís - os dois mais velhos – o Ricardo e a Paula - nascidos cá, mas enraizados lá, na liberdade de um viver de harmonia, não traído ainda pelo pesadelo de vícios e violências que a destruição da ordem viria executar.
Uma cidade bonita, esquadriada, esta que tanta saudade deixou no Ricardo, cidade que os portugueses construíram, juntamente com as outras terras desse Moçambique, dessas outras terras dos descobrimentos antigos, que portugueses modernos desaproveitaram e dispensaram sem cerimónia.
Tudela descreve-a em várias outras bonitas canções, como no refrão desta: “Lourenço Marques, minha flor, meu derriço, o teu nome não sei que faz, só sei que traz feitiço.” “Lourenço Marques, meu amor, meu enlevo, boa sorte a que tu me dás, é a que traz o trevo”. “Lourenço Marques, quem te deixa, cidade, que veneno não sei que dá, só sei que traz saudade”.
Trata-se de poesia, é certo. A verdade é que Tudela preferiu sempre o continente, mau grado as lindas canções do seu repertório referentes a Moçambique, e que a Internet acompanha com imagens bonitas desse agora país livre.
Mas recebi um outro e-mail de João Sena, com imagens mais sombrias de uma terra por nós abandonada, com o seguinte comentário: “Recordando Moçambique - É triste a degradação daquilo que foi um Paraíso !!!”
Também João Sena sente saudade, como outros muitos portugueses que por lá viveram. Uma vida intensa de trabalho, seja em que sítio for, não permite recuos no tempo embrenhados em sentimentos de perda. Em mim, a saudade foi substituída pela rejeição do que considerei vileza inenarrável, pela inadaptação ao brutal radicalismo de uma afronta à pátria que me habituei a amar.
Os meus filhos Artur e Luís eram meninos de quatro e dois anos, em 74, não sentem apego à terra natal, embora a lisura de princípios os leve a considerar talvez, que não valia a pena tanto desmando traiçoeiro.
Na escola já não estudaram a história da exaltação e glória dos antepassados.
O meu netinho mais novo – Sebastião, que passa hoje o seu primeiro aninho – menos ainda sentirá curiosidade pela terra do seu papá, que também só a recorda por tradição.
Mas num contexto de globalização e sobretudo num de destruição pátria como esta que atravessamos, não será de admirar que uma nova História pátria apresente os surtos de emigração, de fuga, em busca de lugares que os bisavós povoaram.
Não é, para mim, uma visão radiosa.

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