segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Visões

Leio um texto de Opinião na Visão de 13/19 de Outubro, uma Crónica de José Luís Peixoto, cuja fotografia indica alguém relativamente jovem. De bons sentimentos, o que me dá esperança em nós. De elegância de pensamento, o que me causa prazer, coisa que a prosa de Lobo Antunes, rebuscadamente piegas, como a que leio em “Amorzade” no mesmo sítio, na mesma revista de 21/27 de Julho, não conseguiu fazer. Lobo Antunes vê-se que estrebucha de gozo íntimo, ao penetrar-se de referências vaidosas ou de circunstâncias vividas com chiste, de quem tudo põe superiormente em causa, em que a timidez é só aparente, tal como a que demonstra nas entrevistas, massajando o lóbulo da sua orelha, o dorso contorcido de recusa a dar-se, mais hábil a construir-se pelas vozes ou gestos da gente grada com que se realça na crónica.
Chama-se “Os professores” a crónica de José Luís Peixoto, cujo primeiro parágrafo não resisto a transcrever na íntegra, tão amplo de conteúdo humano e de elegância expressiva, apesar da aparente linearidade frásica, sem torções inchadas de patusco egocentrismo, mas fortalecida por um pensamento honesto e lúcido, que se não põe de parte no enquadramento das vaidades humanas que vão crescendo com a idade, ou, pelo contrário, diminuindo, na abertura para a racionalidade e a informação:
«O mundo não nasceu connosco. Essa ligeira ilusão é mais um sinal da imperfeição que nos cobre os sentidos. Chegámos num dia que não recordamos, mas que celebramos anualmente; depois, pouco a pouco, a neblina foi-se desfazendo nos objectos até que, por fim, conseguimos reconhecer-nos ao espelho. Nessa idade, não sabíamos o suficiente para percebermos que não sabíamos nada. Foi então que chegaram os professores. Traziam todo o conhecimento do mundo que nos antecedeu. Lançaram-se na tarefa de nos actualizar com o presente da nossa espécie e da nossa civilização. Essa tarefa, sabemo-lo hoje, é infinita.”
E o texto segue, em frases lapidares de precisão e delicadeza:
«Os professores não vendem o material que trabalham, oferecem-no. Nós, com o tempo, com os anos, com a distância entre nós e nós, somos levados a acreditar que aquilo que os professores nos deram nos pertenceu desde sempre. … O trabalho dos professores é a generosidade.»
«Basta um esforço mínimo de memória, basta um plim pequenino de gratidão para nos apercebermos do quanto devemos aos professores. Devemos muito daquilo que somos, devemos-lhes muito de tudo. Há algo de definitivamente definitivo e eterno nessa missão, nesse verbo que é transmitido de geração em geração, ensinado.»
…«Um ataque contra os professores é sempre um ataque contra nós próprios, contra o nosso futuro. Resistindo, os professores, pela sua prática, são os guardiões da esperança. ….»
…«Envergonhem-se aqueles que dizem ter perdido a esperança. Envergonhem-se aqueles que dizem que não vale a pena lutar……
«Recusar a educação é recusar o desenvolvimento. ….»
Um texto a guardar, na sua íntegra, proveniente de alguém educado num espírito de compreensão e generosidade, contrastando com uma natureza de mesquinhez, mediocridade e rancor, que tanto aflige uma população impreparada, que o Governo anterior açulou poderosamente contra a dita classe.
Um texto honesto que nos dá esperança ainda, apesar dos literatos de falsa modéstia, e de banal egocentrismo, apesar dos Antónios Barretos que se pretendem sociólogos e visionários pessimistas sobre a continuidade de uma nação que tão clamorosamente um desses Barretos ajudou a destruir.
Enjoados destes, voltemo-nos, com fé, sobre os jovens construtivos, como José Luís Peixoto, obreiros da nação futura.






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