terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Lição policial

Foi La Fontaine um fabulista
Que às fábulas de Fedro ou de Esopo
Soube acrescentar traços de poeta
E de romancista.
Assim, acrescentou, para sua glória,
Nesta nova história, que não é da treta,
Mas dum Lobo que de gente se disfarçou
Para melhor alcançar o que a sua fome pedia,
Traços de humor, numa caracterização
Feita de sabedoria,
E de muita certeza
A respeito da humana natureza:
«O Lobo tornado Pastor»
É como se chama a fábula de mais uma ladinice
De grande qualidade,
Com que La Fontaine brindou a humanidade:



«Um Lobo, que começava a colher parte escassa
Das ovelhas da vizinhança
Achou que, para sua bonança,
Devia com a pele da raposa se prover
E gizar uma nova personagem
Para se dar sorte.
Veste-se de pastor, enfia uma farda
Faz o cajado dum pau bem forte
Sem a gaita-de-foles esquecer.
Para o embuste levar até ao fim,
Gostaria de ter escrito no chapéu:
“Sou eu que sou Guillot, pastor deste rebanho”.
Construída a figura assim,
Os pés da frente pousados no cajado,
Guillot, o sicofanta, aproxima-se devagar.
Guillot, o verdadeiro, na erva estendido,
Dormia profundamente;
Também o seu cão estava adormecido
E a gaita igualmente;
Das ovelhas a maioria
Dormia, dormia.
O hipócrita deixou-os dormir;
E para poder
Para o seu forte as ovelhas conduzir
Quis acrescentar
A palavra à acção
Isto é, ao vestuário,
Coisa que ele achava necessário.
Mas o que se passou
Foi que esse embuste o primeiro estragou,
Por não conseguir
A voz do pastor reproduzir.
O tom que usou
Fez o bosque troar
E toda a sua farsa denunciar
Mesmo sem um detective a ajudar.
Cada um a esse som despertou,
As ovelhas, o cão, o rapaz.
O pobre Lobo, com todo este escândalo,
Impedido pelo vestuário,
Não pôde nem defender-se nem fugir.



Sempre por qualquer indício
Os embusteiros se deixam apanhar.
Quem for lobo deve como tal agir:
É o mais certo, por ser menos fictício.»

Quanto a mim, esta fábula prova
Uma vez mais,
Que o silêncio é de oiro
E a palavra de prata.
Direi mesmo de lata.
Às vezes o maior pecado
Está no excesso de explicação
Que por simpatia ou até compaixão
Pelo povo que se diz maltratado,
Um poderoso pretende denunciar
Um paralelismo ou sequer uma igualdade
Bem longe da realidade.
Mas os pastores são horríveis a vingar-se,
Autênticos lobos ferozes a rebelar-se,
Contra o pobre lobinho definhado.

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