quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

“Ociosidade” remunerada

Entre os vários temas abordados pelo sociólogo Alberto Gonçalves, que assina, no Diário de Notícias a rubrica “Dias Contados”, neste domingo, 8/1, intitulada “A Grande loja irregular”, conta-se o intitulado “Adeus Português”, que não resisto a transcrever, uma vez mais inutilmente, mas admirando a coragem de quem ousa esgrimir contra aqueles homenzinhos que, na sombra das suas banquinhas de estudiosos de duvidosa dimensão, com a conivência dos patrõezinhos ambiciosos que são – ou foram - os nossos governantezinhos subservientes aos países potentes – talvez prepotentes também, mas cuido que sobretudo agradados das vénias dos descendentes dos que em tempos os descobriram com só as curvaturas dos esforços espinais para neles se fixarem e transmitirem a língua e a cultura da universalidade dos clássicos da sua ancestralidade – se dispuseram a desrespeitar a sua própria língua, ajavardando-a com as regras da sua deformação moral e intelectual.
Segue o texto, datado de Segunda-feira, 2 de Janeiro:


«Adeus, português»
«É fascinante que um pequenino bando de ociosos tenha decidido corromper a língua de milhões. O fascínio esvai-se quando se percebe que os ociosos atingiram os intentos. O Acordo Ortográfico, criação de arrogantes com uma missão, é oficial e está aí, perante a complacência dos poderes públicos em princípio eleitos para defender o país e não para o enxovalhar deliberadamente.
Até hoje não se percebe a serventia do dito Acordo. A partir de hoje, também não se irá perceber. Ao que consta, a ideia seria “unificar” a escrita de todos os países de expressão portuguesa. Naturalmente, ficou muito longe disso. Ainda que não ficasse, onde estaria o ganho? Por mim, os brasileiros e os moçambicanos são livres de adoptar o húngaro sem que eu os censure ou sequer note a diferença. Não sou brasileiro nem moçambicano. Sou português e, não fosse pedir demasiado, dava-me jeito redigir na língua em que cresci. À revelia da proclamação gratuita de Fernando Pessoa, "a minha pátria não é a língua portuguesa". Mas a minha língua é.
Em abono dos Malacas Casteleiros e restantes conspiradores do Acordo, é verdade que semelhante aberração não caiu do céu. A repugnância que esses senhores dedicam às palavras, e que os leva a esventrá-las sem escrúpulos, encontra um ambiente hospitaleiro na sociedade em geral, a começar pelos políticos que avalizaram a vergonha lexical em curso. Dificilmente os sujeitos cuja retórica é um amontoado de “alavancagens” e “empoderamentos” travariam a degradação do vocabulário.
E o resto não melhora. Da televisão às SMS, do Facebook à escola, pouco, quase nada, nos lembra que comunicamos no mesmo idioma do referido Pessoa. Assistir a um “telejornal”, ler um texto produzido pelo universitário médio ou espreitar os padrões do romance contemporâneo indígena é descer a jargões e graus de analfabetismo abjectos, com ou sem “c”. Porém, se os maus-tratos à língua já eram habituais, não eram obrigatórios. E essa é a diferença entre temer pela vida de um moribundo e assinar, oficial e urgentemente, o respectivo óbito.»
O que é fascinante é o texto de Alberto Gonçalves, na sua frontalidade desafiante e na clara expressão dos seus argumentos críticos. Apenas julgo que o tal bando de ociosos vendeu a sua ociosidade a quem de direito, indiferentes aqueles à traição de que haviam sido incumbidos e com a qual, aliás, o país pouco se ralou, justificado o motivo com as razões de incultura que o sociólogo apresentou, às quais outras se poderiam acrescentar. Também do foro espiritual. De carência, está visto.

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