A duplicidade é uma característica
Tão usual no homem
Que, sem perceber de Estatística,
O próprio Esopo,
Do mundo observador,
Com ela enfeitou
Uma hiena e a pintou
Transportando, traidora,
Ora um sexo ora outro,
Segundo lhe apetecesse,
Ou no bestunto lhe desse,
Para melhor conviver
A enganar, a torpedear,
A limpar velhas carcaças
Dos animais mortos na selva
E em seguida gargalhar
No banquete do seu apetite,
Mesmo sem doces passas,
A festejar:
«A hiena e a raposa»
«Diz-se que as hienas,
Cuja natureza
Todos os anos muda,
Num hibridismo de fraca beleza,
Ora são machos ora são fêmeas.
Uma Hiena, encantada
À vista duma formosa Raposa,
Censurava-a por não ceder
Às suas tentativas para a seduzir,
Quando ela, Hiena, só desejava
Ser sua amiga dilecta.
“Não me censures tu a mim,
- A Raposa lhe respondeu,
Que não era nada pateta -
Mas sim,
À tua natureza dúbia
Que não me permite esclarecer
Se minha amiga ou meu amigo
Quererás ser!”
É a pessoa ambígua
Que a fábula pretende atingir.»
Ora aqui está como se pode tão bem descrever
Uma sociedade de grande capacidade
Para a ambiguidade,
Sem citar nomes próprios,
Coisa que é mais da Justiça,
Ou dos Jornais, recolher!
Bem se diz, para resumir,
E isto sem contradições,
Que quem vê caras não vê corações.
Mas por isso mesmo vivemos
Numa época de muitas discussões,
As mais das vezes sem apelações.
Porque na pátria amada
A ambiguidade é protegida
Sobretudo se bem engravatada.
Seria já assim também
No tempo de Esopo,
Um homem tão de lá d’além,
De tempos tão recuados
Quando ainda não se haviam
Formado antepassados?
Mas estou em erro: Porque afinal
As sereias do Ulisses
Também estavam prontas
Para causar-lhe mal!
E a serpente bíblica
Fez-nos sair do Éden
Para o desterro terreal!
A ambiguidade, é verdade,
Nasceu
Sob a capa da suavidade
E nunca morreu.
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
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