Achei
estranho que a minha amiga não aparecesse com uma expressão mais prazenteira,
pois, tal como eu, escutara um pouco o que uma senhora ainda bastante jovem
exprimira ontem no Portugal no Coração à Tânia e ao Baião sobre a necessidade
de cultivar a alegria no nosso país, que anda a murchar de pasmo. Até
comentámos que iguais propósitos de difusão da gargalhada devem ter estado na
origem dos invólucros de algumas saliências nas paredes exteriores dos prédios,
colocados por pessoas também defensoras da alegria, entre os quais dois à porta
do nosso café matinal, feitos de plásticos e laçarotes berrantes, a fim de
elevar o moral, diz-se - não sei se o dos frequentadores se o dos donos do café,
que verdadeiramente precisariam de mais frequentadores e de maior calibre consumista
do que nós, que nos limitamos a modesta biquita pois já vimos matabichadas de casa, graças ao
atavismo que nos prende aos costumes da nossa ancestralidade comensal em família.
Já tínhamos,
aliás, comentado os plásticos e as fitas - e também os laçarotes nas árvores que se diz que ali são colocados no mesmo
objectivo jubiloso - como coisa parola própria do nosso horizonte espiritual
provinciano. Mas o discurso da socióloga, ou psicóloga, ou
talvez mesmo astróloga, no “Portugal no
Coração”, deixou-nos murchas de todo. De enfado.
A minha
amiga ainda tentou entender as razões da senhora entrevistada e a anuência dos
simpáticos entrevistadores com a justificação de que somos considerados o povo
mais triste dentre os povos europeus, mas eu achei que o que nos torna tristes
é a insegurança da nossa modéstia cultural, de povo que viveu sempre na apatia de
um sol preguiçoso, geralmente mal governados por reis ávidos, numa sociedade de
classes, com um povo escravizado, uma nobreza parasita e fútil, um ensino de orientação jesuítica desligado das
conquistas culturais e técnicas dos povos europeus, sempre na cauda de todos,
ao contrário do que afirma Pessoa, que põe no seu país o rosto da Europa fitando
um além de valentia, é certo - embora os olhos se tenham fixado paradoxalmente
na Grécia - mas de uma ambição de posse que não se concretizou pelo
desenvolvimento cultural e social como no resto da Europa.
E hoje, que
não sabemos para onde vai um ensino que grande parte dos alunos despreza, com a
conivência dos adultos, hoje, em que parece não haver regras nem respeito por
coisa alguma, em que se permite que os meninos comecem a beber cedo álcool, em
que a droga impera, em que os acidentes na estrada provêm de todos esses
factores e sobretudo da falta de consciência cívica, em que a justiça falha e a
corrupção alastra impune, falar do cultivo da alegria ou tentar inspirá-la com
toscos artifícios de enfeites de bairro, não parece sério nem eficaz.
Porque a
alegria não resulta da gargalhada, nem a gargalhada é consequência desta. A
alegria é um estado de alma que nasce do amor e da convicção de que a nossa
vida tem sentido, sentido que se vai obtendo com o conhecimento e a educação,
com o respeito por si e pelos outros.
Não temos
motivos para a tal gargalhada de felicidade, num mundo a desfazer-se, entre
nós, no pasmo e na desesperança, mas lá fora, também, na tropelia de violências
e desacatos igualmente animalescos, exceptuado, naturalmente, tudo o que de bom
existe em toda a parte.
Não somos
más pessoas. Criámos bancos nos jardins, onde os velhotes apanham o seu sol,
solitariamente ou com algum amigo, raramente lendo, desinteressados, blocos
graníticos de vidas a extinguir-se. Mas ultimamente até os deixamos aparecer
mortos nas suas casas de solidão.
Um país endividado
assustadoramente, um governo que o quer desendividar, mas manietado sempre
pelos que, tendo anteriormente garantido que o aumento da miséria e do
desemprego ia continuar de forma atroz, preferem condenar agora as acções desse
governo, a dar-lhe margem para cumprir como promete, sempre emperrando, em
auto-saliência de sabedoria que também não provoca alegria, embora por vezes
mereça gargalhada de desprezo.
Entretanto,
a minha amiga falou na gente hospitalizada
por causa destas tosses e gargantas arranhadas como a nossa,
presentemente, de alergia a qualquer
bactéria ou vírus talvez provenientes da falta de chuva, esta sendo mais
uma calamidade a acrescentar às outras, de obstáculo à alegria recomendada pelos
animadores psicológicos.
E a minha
amiga conclui, escandalizada:
-
Olha-me esta! Só nos faltava a bactéria!
Nenhum comentário:
Postar um comentário