Hoje veio à
baila um texto de Clara Ferreira Alves sobre a arrogância de António Borges – o
“pistoleiro Borges” segundo a “Pluma Caprichosa” – o qual se atreveu a condenar os empresários
portugueses que contestaram o TSU primitivamente decretado pelo Governo, e que
aquele apelidou de ignorantes, enquanto puxava dos seus pergaminhos de
professor universitário galardoado em várias universidades estrangeiras, para
os reprovar logo no primeiro ano, caso tivessem tido o privilégio de serem seus
alunos.
Clara F.
Alves insurge-se com a habitual veemência, respondendo com o seu saber,
impregnado de muita leitura, reflexão e viagem, zurzindo no pistoleiro Borges
que compara ao “cow boy fora de lei” do filme de título “Duelo de Fogo”
em horrível tradução portuguesa, segundo Clara, pretexto para esta uma vez mais
zurzir na ignorância portuguesa, e nos artifícios de que Borges se serviu para
explorar a passividade dessa ignorância em que nos movemos todos, excepto
Borges.
Não comento
o texto de Clara F. Alves, suficientemente erudito e vilipendioso, tanto para
Borges, “pistoleiro ao serviço do dinheiro”, como para os protectores de
Borges, entre os quais Relvas, como para os portugueses genericamente
envolvidos no apodo, incluindo, por ironia, desta vez, a própria Clara, e vê-se
bem o seu desvanecimento, ao colocar-se do lado dos portugueses que “não estão
do lado do dinheiro”, embora sejam “todos
uns ignorantes, como Vexa sabe”. São muitos os cargos de topo de Borges,
apesar de não “trabalhar duro para viver”, pois possui o tal dom da
ubiquidade extensível a tantos no nosso país, que lhes permite assistir em
simultâneo a vários cargos poderosos, colhendo neles auspiciosos proventos, sem
esforço energético de maior.
Um texto
suficientemente documentado e deprimente, esta Pluma de 5 de Outubro.
Mas há muito que os outros que nos conhecem – ingleses, franceses, alemães… – a
maioria por serviços prestados nos tempos da emigração – as mulheres, em
serviços domésticos, os homens em trabalhos fabris, nos apodam arrogantemente
de povo inculto, que eles desprezam, pela docilidade bovina e sem mais
horizontes do que os do ganho do seu pão com o suor do rosto, como, aliás, já
Jeová decretara, com a expulsão.
Eça
inúmeras vezes o escreveu também, nos seus livros – bem arredado ainda dos tempos
do êxodo salazarista - desancando na
sociedade encardida e reles, os com mais autoridade nos destinos do país ou no
posicionamento social, de um convencionalismo burguês e tacanho definitivamente
merecedor do riso com que ele os zurziu, no propósito de modernização cultural,
como era o da brilhante Geração de Setenta.
É dos anos
77, da sua estada como cônsul em Inglaterra, que datam as suas “Cartas de
Inglaterra” que envia para o Jornal do Porto, e em que os dons de observação,
enriquecido nas leituras das obras literárias e dos jornais ingleses, já vão
despontando em comentários ora sérios ora humorísticos de percuciente finura.
Entre essas
cartas, extraio da crónica “Brasil e
Portugal” observações sobre o povo português (e o povo brasileiro) que
mostram esse velho ferrete de atraso e ignorância que nos acompanhou ao longo
da nossa história nacional, e que não perdemos a ocasião de fazer sentir - os
pistoleiros como Borges, (que nunca escreveu obra, segundo Clara e a Internet),
para alardear os seus pergaminhos, e que sempre usaram a bota para calcar e
explorar o suor dos que até trabalham para eles, dantes, como servos da gleba,
agora, com os seus impostos, ou com a redução dos seus vencimentos, que eles
propõem com a TSU do seu desvanecimento; os outros, os que escreveram obra e
dela se orgulham, querendo demarcar-se, apontando as diferenças, ou puramente
tentando elevar o brio da nação pelo incitamento ao estudo, que distingue o ser
humano como ser racional. Outros há que se limitam a aprofundar os seus
trabalhos a favor da sua nação, sem propósitos críticos, mas apenas sociais e
didácticos, provenientes do seu empenhamento cultural, e eles são muitos, neste
país pequeno, que tanto lhes deve e deve ser grato por isso.
Mas Eça foi
dos que sofreu com o atraso milenar do povo português, e este artigo “Brasil
e Portugal” assim o faz sentir, a propósito de um artigo saído na imprensa
londrina sobre o Brasil. Eça colhe o artigo do Times, que rompe
inicialmente em loas e estranhezas sobre um vasto império de um diminuto povo e
admiração pela vastidão dos espaços brasileiros:
… «E
todavia esta admiração do Times pelo gigante é misturada a um certo patrocínio
familiar, de ser superior, - que é a atitude ordinária da Inglaterra e da
imprensa inglesa para com as nações que não têm duzentos couraçados, um
Shakespeare, um Bank of England e a instituição do roas-beef… Neste caso do
Brasil, o tom de protecção é raiado de simpatia…»
….« “Quando
o Brasil quebrou os seus laços familiares, não tinha a esquecer feias memórias –
de tirania e rapacidade; nem teve de suprimir genericamente todos os vestígios
dum mau passado” (Times).
Com efeito, pobres de nós! Nunca fomos decerto para o Brasil senão amos
amáveis e timoratos.
«
Estávamos para com ele naquela melancólica situação de um velho fidalgo,
solteirão arrasado, desdentado e trôpego, que treme e se baba diante de uma
governanta bonita e forte. Nós verdadeiramente é que éramos a colónia: e era
com atrozes sustos do coração que, entre uma Salve-Rainha e um Lausperenne,
estendíamos para lá a mão à esmola…»
Todo um
vasto razoado apoiado no discurso do Times, que frisa o bom comportamento de um
Brasil obediente aos parâmetros difundidos pelo país “educador” (o que Eça contesta
ironizando), e se distingue dos congéneres sul americanos de formação
castelhana:
«Da
origem donde o Brasil deriva a sua actividade, deriva também (o que não é menos
importante) o respeito pela opinião da
Europa. O vadio das ruas de Lima, de Caracas ou de Buenos-Aires, nutre um soberano desprezo pelos juízos que a
Europa possa formar das suas tragicomédias políticas… Não tem consciência de
coisa alguma, a não ser do seu “sangue castelhano”… Sente decerto o
inconveniente de ser expulso do crédito e das bolsas da Europa… Mas avalia esta
circunstância apenas pelos embaraços momentâneos que ela lhe traz. O financeiro
brasileiro, porém, esse presta uma tão respeitosa atenção ao temperamento das
bolsas de Paris e Londres, como ao da mesma praça do Rio de Janeiro…”
….
«Somos o que se pode dizer um “povo de bem, um povo boa pessoa”. E a nação
vista de fora e de longe, tem aquele ar honesto de uma pacata casa de
província, silenciosa e caiada, onde se pressente uma família comedida, temente
a Deus, de bem com o regedor, e com as economias dentro de uma meia… A Europa
reconhece isto: e todavia olha para nós com um desdém manifesto. Porquê? Porque
nos considera uma nação de medíocres: digamos francamente a dura palavra –
porque nos considera uma “raça de estúpidos”. Este mesmo Times, este oráculo
augusto, já escreveu que Portugal era, intelectualmente, tão caduco, tão
casmurro, tão fóssil, que se tornara um país bom para se lhe passar ao largo
muito ao largo e “atirar-lhe pedras” (textual).
«O Dayly
Telegraph já discutiu em artigo de fundo este problema: Se seria possível
sondar a espessura da ignorância lusitana! Tais observações, além de
descorteses, são decerto perversas: Mas a verdade é que, numa época tão
intelectual, tão crítica, tão científica como a nossa, não se ganha admiração universal,
ou se seja nação ou indivíduo, só com ter propósito nas ruas, pagar lealmente
ao padeiro, e obedecer, de fronte curva, aos editais do governo civil. São
qualidades excelentes, mas insuficientes. Requer-se mais: requer-se a forte
cultura, a fecunda elevação de espírito, a fina educação do gosto, a base
científica e a ponta de ideal que em França, na Inglaterra, na Alemanha,
inspiram na ordem intelectual a triunfante marcha para a frente; e nas nações
de faculdades menos criadoras, na pequena Holanda ou na pequena Suécia,
produzem esse conjunto eminente de sábias instituições, que são, na ordem
social, a realização das formas superiores do pensamento. ….»
Um texto a
ler na íntegra, que traduz um pensamento negativo sobre o nosso país e poderia servir
de estímulo de orientação, pelo exemplo dos outros que se apontam, nas suas
vitalidades e consciência de orientação.
Para que um
dia os que hoje emigram, como em todo o tempo fizeram, na busca do que no seu
país não encontram, sintam que este país vale a pena, e que a frase de um
escudeiro do Mestre de Avis – Álvaro Vasquez de Góis – ao Mestre - que pensava
partir para Londres, em fuga do Rei de Castela, prestes a chegar, e da cólera da
rainha D. Leonor Teles, por lhe ter morto o Andeiro, e no objectivo de servir o
rei inglês e obter com isso glória - a frase do escudeiro, lembrando-lhe que
nenhuma melhor cidade haveria para colher glória do que a de Lisboa, cujos
moradores estavam preparados para morrerem por ele, servisse para igualmente os
demover da evasão e convidar à defesa das suas vidas no seu próprio país.
Talvez que
nele surgissem, finalmente, ínclitas gerações de jovens com garra, não para
darem novos mundos ao mundo, mas para criarem elas próprias, no seu país, um
mundo novo de cultura e bem-estar social que o irmanassem com os outros onde os
homens sabem construir com inteligência e seriedade.
De resto, já está a acontecer, o regresso dos filhos e netos de emigrantes que transportam para cá a riqueza das suas culturas.
De resto, já está a acontecer, o regresso dos filhos e netos de emigrantes que transportam para cá a riqueza das suas culturas.
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