No
caderninho de apontamentos aonde
inscrevo as tiradas da minha amiga, quando ela está pelos ajustes, escreveu a
minha filha Paula as últimas palavras da Conferência de Antero no “Casino
Lisbonense”, “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares”: “O
Cristianismo foi a Revolução do Mundo antigo. A Revolução não é mais que o
Cristianismo do mundo moderno” .(Antero de Quental antes dos tiros).
Já,
entretanto, excitadas, nós alvitráramos a respeito do desrespeito da bandeira desfraldada
às avessas, aquando das comemorações do 5 de Outubro, em frente da Câmara de
Lisboa, o que ambas considerámos propositado e punível, a merecer cadeia, mas a
minha amiga, que ouve e lê as notícias, explicou que o nosso ponto de vista era
isolado, pois ninguém pusera essa hipótese, preferindo achincalhar o Governo ou
propor simbolismos adequados e preferiu ironizar sobre a distância a ser
mantida entre a Câmara e os populares, que o cordão policial providenciava. Mas
eu mal reparara, e referi antes uma cantora lírica que se desunhara a cantar na
praça o seu protesto e mansamente a minha amiga esclareceu:
- Ela
sabe que eles não têm hipótese, estão a sofrer na pele os efeitos da crise. Há
um ou outro com coragem. Uma mulher que tem uma cultura, uma vida de estudo, e
não vê nada nem ninguém que a apoie.
- É que
podiam levá-los à praça pública,- apoiei - pô-los a cantar e pagar-lhes. Era um prazer
ouvir dantes o Carlos Guilherme, a Helena Vieira às vezes, e temos vozes
magníficas de cantores líricos no Conservatório, sem saída. Só estimulamos os
cantores pop, ou de fado, ou as danças regionais, em televisão. Creio que é a
isso, e os comeres e o artesanato que aqui chamamos serviço público. Além das
investigações de carácter pessoal, médico, policial, etc. Não temos direito a
mais, a não ser no Canal 2, que às vezes apresenta programas de interesse
cultural, mas com fraca assistência, pelos vistos.
E exaltávamos
as qualidades de Margarida Marante, retirada definitivamente das suas lides e
sofrimentos terrenos, e referíamos as pequices bem sucedidas dos espertos como Soares
que continua pavoneando-se irrisoriamente perante as curvaturas vertebrais das
homenagens jornalísticas, e falávamos no discurso traiçoeiro de Marques Mendes
e outros, quando, entretanto, a Paula chegou, para a sua bica pingada.
Mostrei-lhe
o escrito sobre Antero, e ri-me do que ela escrevera a seguir, por brincadeira - “A. Q. antes dos tiros” – creio que
movida por uma qualquer ânsia explosiva que se nos colou a todas ultimamente,
mas esclarecemos logo que a data das “Conferências do Casino” – 1871 –
se situava pelo menos 20 anos antes do tiro do seu suicídio, embora a minha
filha relativizasse essa questão do tempo como de menor valia.
E passámos
à referência ao texto, que aponta como causas da decadência peninsular nos
séculos XVII, XVIII e XIX – (os séculos anteriores marcados por um conceito de
liberdade social que de certo modo irmanava as classes num esforço comum de
defesa territorial, e que teve o seu apogeu nos séculos XV e XVI) - a governação
absolutista, favorecedora das desigualdades sociais e arruinando as
liberdades locais, a Inquisição e o ensino jesuítico hermético e
intolerante, condicionantes sociais e culturais, segundo imposições da
Contra-Reforma, resultante da separação das Igrejas, no Concílio de Trento, a colonização
distante e ruinosa - contrariamente aos demais países europeus, seguidores
da Reforma, que, embora de governos igualmente absolutos, não descuravam a
formação cultural dos seus povos, abertos ao desenvolvimento e progresso culturais
num espírito de mais amplas e inteligentes liberdades religiosas.
Sim, a
nossa posição na cauda dos povos europeus continua impávida e serena,
observável nos discursos falaciosos dos críticos, cujas doutrinas se movem nos
pequenos saberes das suas demagogias insistentes ou dos seus interesses
próprios, ou no palrar das populações de indignação orientada, mau grado o
comedimento triste dos que mais têm razões para protestar, ninguém parando para
pensar em colaborar num espírito de salvação nacional.
Voltando às
conclusões de Antero - “O Cristianismo foi a Revolução do Mundo antigo. A
Revolução não é mais que o Cristianismo do mundo moderno”, elas poderão
significar uma diferente dimensão definidora de Cristianismo e Revolução – o Cristianismo
no Mundo Antigo revolucionando espaços e tempos num cada vez mais amplo sentido
universal e imorredoiro, a Revolução preconizada pelos espíritos
revolucionários da Geração de Setenta, de elevar Portugal a uma pretensa irmanação
cultural com os povos da Europa constituindo
uma pura parcela desse Cristianismo de transfiguração, confinado aos espaços
que então compunham esse país, que eles desejavam saído do véu de atraso que o
encardia.
Duvido que
a frase se possa aplicar aos tempos de hoje, tanta a vil matéria que presidiu
ao espírito da nossa Revolução de Abril, que nos fez chegar aqui, hoje . ontem - virando
a bandeira da República às avessas.
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