Hoje levei
à minha amiga vários artigos que me deram no goto, por concordar, na sua
essência, com as opiniões dos respectivos autores a respeito das figuras que
descreveram.
Um deles,
do “Comendador Marques de Correia”, não o da Revista mas do Primeiro
Caderno do Expresso de 20 de Outubro, sobre Basílio Horta, em quem em tempos
desancáramos, quando se passou para o PS e o ouvimos vomitar as grosserias
habituais dos adeptos dos partidos contrários ao do Governo, mas nele
acentuados com um calor de especial iracúndia, mais interessado em exibir os espasmos
da sua demagogia altissonante do que em ponderar sobre a salvação do seu país.
Afinal, há
quem o conheça melhor ainda do que nós, que o escutámos em diferentes
posicionamentos discursivos, mais cordatos os primeiros, de uma exaltação
disparatada e inesperada, os segundos.
Não resisto
a transcrever-lhe o retrato, feito com a habitual ironia do “Comendador”,
Henrique Monteiro de sua graça, que o intitula “Ditosos filhos que tal
pátria têm”. Sim, a pátria somos nós todos, os da nação alfobre e jardim
de tantos destes.
«Declinamos
hoje um nome que, em coerência sempre serviu as mesmas ideias: as suas! Nunca
se desviou da rota, e ainda que a outros o seu rumo pareça errante, tal deve-se
ao facto de a linha mais curta entre dois pontos ser em ziguezague.
Basílio
Adolfo Mendonça Horta da Franca é um
jurista e político que nasceu em Lisboa a 16 de Novembro de 1943. Como
político, foi sempre justo e como jurista foi sempre polido. Estão-lhe no
sangue todas essas qualidades, embora seja um homem sem interesse nenhum, como
se pode constatar no seu registo de interesses na Assembleia da República.
No
entanto, o jovem Basílio foi reacionário até aos 62 anos, uma vez que até 2005
foi deputado eleito nas listas do CDS/PP. Desde 1976, foi eleito pelo mesmo
partido sete vezes (quatro por Braga, duas pelo Porto e uma por Viseu,
demonstrando predilecção por círculos à esquerda. Foi ainda quatro vezes
ministro do Comércio e embaixador da OCDE.
Foi
também do directório do CDS, em conjunto com Adriano Moreira e Manuel Monteiro,
numa troika que ficaria imortalizada (embora de forma muito irreverente e pela
qual, desde já, pedimos desculpa), com o epíteto da troika do velho, do rapaz e
do… Basílio! Foi, ainda em tempos de juventude, candidato da direita às
eleições presidenciais, em 1991, contra Mário Soares, de quem disse o que Maomé
não disse do toucinho (e vice-versa), embora o tempo entretanto decorrido, esse
malandro, faça com que ambos os socialistas estejam hoje de acordo na
necessidade para superar as contradições e os males do mundo.
A sua
adesão ao espírito do PS foi, mais ou menos, coetânea com a sua nomeação para o
AICEP, agência de que foi presidente. Daí transitou para deputado socialista,
desta vez pelo círculo de Leiria, aproximando-se finalmente do Sul e da sua
terra, sendo agora, e depois de anos no engano da direita, o mais encarniçado
defensor do socialismo democrático.
Homens
como ele, fortes entroncados e seguros, dados à ondulação, já Camões cantou:
“Daqui fomos cortando
muitos dias,/ Entre tormentas tristes e bonanças,
No largo mar fazendo novas vias, / Só conduzidos de árduas esperanças.
Co mar um tempo andámos em porfias, / Que, como tudo nele são mudanças,
Corrente nele achámos tão possante, / Que passar não deixava por diante».
No largo mar fazendo novas vias, / Só conduzidos de árduas esperanças.
Co mar um tempo andámos em porfias, / Que, como tudo nele são mudanças,
Corrente nele achámos tão possante, / Que passar não deixava por diante».
Outro
artigo foi o intitulado “História de uma pequena igreja” de Vasco Pulido
Valente, do “Público” de 14/10. Foi sobre Jorge Sampaio, cuja aparência de
rectidão e nobreza nos discursos de seriedade sempre me pareceram
mistificatórios, o que comprovei com a deslealdade interesseira na deposição de
Santana Lopes do cargo de primeiro ministro, em 2005, mas a minha amiga já sabia
da sua presunção por intermédio de amigas suas que o conheciam, e
frequentemente falávamos dele sem simpatia.
Este retrato de Pulido Valente prova que não
nos enganávamos, descontada a subjectividade do seu autor em favor da análise de
rigor histórico: mais um “ditoso filho de uma pátria” alfobre
destes “talentos” já consignados na literatura queirosiana.
É sobre uma
pesada biografia de 1007 páginas sobre Jorge Sampaio até ao momento da sua
candidatura a presidente da Câmara de Lisboa, escrita por José Pedro
Castanheira:
«… Mas, no
fundo, José Pedro Castanheira acaba por fazer a história da geração de 62, mais
precisamente da dúzia e meia de pessoas que se distinguiram na primeira grande
guerra estudantil contra a Ditadura. E só por isso o esforço (da leitura) se recomenda, embora
essa história seja desoladora e triste, sobretudo para mim, que assisti a parte
dela e conheci quase toda a gente que nela entrou.
O grupo,
muito “revolucionário”, que depressa se juntou à volta de Jorge Sampaio
acreditou piamente em cada baboseira ideológica, que lhe vinha da França e
também de Itália. Isto assentava, como se calculará, numa ignorância abissal –
de história, de filosofia, de economia e do próprio Marx, que nunca se deram ao
trabalho de atenuar. Iam saltando de um erro para o próximo, com a mesma
convicção e o mesmo deleite. Hoje, Sampaio sacode essa persistente peregrinação
pela asneira e pela pura idiotia (que durou quase vinte anos) como um efeito
inócuo da imaturidade. Mas não fala da pressão do PC e da extrema esquerda, que
ele queria reunir num “autêntico” partido socialista. De resto, os sampaístas
foram sucessivamente conhecidos pelos caminhos que abandonaram e pelas derrotas
que sofreram: ex-CDE, ex-MES, ex-GIS, ex-Secretariado ou qualquer outra coisa
que lhes permitisse continuar à tona.
Amigo de
alguns deles, detestando do coração a maioria, nunca me senti parte da família.
Como no PC, viviam juntos, quase na promiscuidade. Nas férias, no trabalho, na
política, ao almoço e ao jantar (tornaram célebre, por exemplo, o restaurante do
Hotel Flórida). E José Pedro Castanheira, com uma paciência sobre-humana,
descreve os milhares de vezes que se reuniram, em casa deste ou daquele, para
discutir a intriga do dia ou futilidades sem nome e sem propósito. Eram uma
igreja. Ambiciosa, ainda pior cima. Mas como Sampaio, num excepcional momento
de franqueza explicou, 30 amigos certos valem bem três mil militantes na rua.
E, nesse ponto, acertou: não mais do que 30 amigos conseguiram que ele
finalmente chegasse a Belém, onde a vacuidade final do grupo se manifestou em
todo o seu esplendor.»
É do
jornalista Ferreira Fernandes , na coluna “Um ponto é tudo”, do DN de 23 de
Outubro, que transcrevo o texto “Marcelo e o vídeo para alemão ver”
sobre a observação de Marcelo Rebelo de Sousa acerca de um projecto de um vídeo
para a Alemanha justificativo das nossas razões aqui, a merecerem a clemência deles
lá, coisa que já discutíramos, a minha amiga e eu, como mais uma calamidade
sobre a nossa insignificância exibicionista, a merecer o riso e o desprezo. Mas
o texto de Ferreira Fernandes tem suficiente graça, embora não nos liberte da
preocupação sobre um “dito e feito” piroso e humilhante de mais um “ditoso
filho” da pátria humilhada, que vai sussurrando dados de intriga, como alcoviteira
de olho aceso, a levantar o véu da sua fofoca malandra e tola:
No
domingo, na TVI, Marcelo disse que queria fazer um vídeo para explicar Portugal
aos alemães. Da última vez que vi Marcelo a explicar alguma coisa em vídeo era
sobre o aborto e ele (Marcelo, não o aborto) tinha a voz parecida com a do
Ricardo Araújo Pereira. Se querem que seja sincero, acho melhor não. Marcelo em
vídeo é demasiado imaginativo, contraditório e brilhante para explicar alguma
coisa a um povo quadrado. Já estou a vê-lo, mãos esvoaçantes ao sabor dos
argumentos (quando os alemães gostam mais de mão hirta): “A austeridade é má
para os portugueses? É! Mas eles não a merecem? Merecem! Uma coisa é a
austeridade nos portugueses…Outra coisa
é a auuuuutoridade dos alemães…” E assim por diante. Receio que os alemães,
vendo um reputado professor universitário tão espalhafatoso, decretem: estes
tipos não podem ser levados a sério. E nos apertem ainda mais a tarraxa. Os
alemães adoram passar multas a professores que saiam da norma. Um vídeo bom
para eles tinha de ter um professor de voz e de conclusões inexoráveis: é assim
e aguentam. Olhem, o Vítor Gaspar explicava-nos bem aos alemães. Os alemães têm
aquilo, a “Schadenfreude”, um motor de alma (é, eles não têm estados de alma)
que os faz ter alegria com o mal dos outros. De um vídeo com Vítor Gaspar eles
gostavam, riam muito e erguiam a caneca, limpavam a espuma com as costas da mão
e mandavam-nos trabalhar.”
Três heróis
nacionais, três ditosos de uma pátria que assim se retrata na mediocridade,
apesar dos outros que não só souberam mostrar ao mundo novos mundos, mas que a
dignificaram com a sua arte, o seu saber e a sua coragem, ou que vão demonstrando qualidades e
comportamentos que nos permitem ainda a esperança .
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