Cada uma de
nós deseja desabafar as alegrias ou as penas – mais estas, em todo o caso – que
nos purificam ou maculam a alma, para utilizar um verbo mais rebuscado, que dignifique
as sujeiras do nosso panorama social. A minha amiga arranca em primeira:
-
Ninguém tenha ilusões. Há uma lei feita à medida, que os protege. Estão a
tentar, os juízes que têm vergonha na cara, mudar uma coisinha da lei…
E logo eu
atalho, no escândalo dessa coisa da “coisinha”, - “coiso”, na
designação desdenhosa do ministro Pereira para a questão despicienda do
desemprego nacional - que não se devia coisar segundo os pruridos cautelosos das
línguas dos nossos Louçãs atentos que logo os distorcem para os coisês a que
estamos reduzidos na nossa navegação serpenteante, de escape ou à bolina, mas a minha indignada amiga nem pára para
reflectir no que colhi do indignado Louçã:
- … uma
coisinha da lei que os protege, pelos adiamentos sucessivos que ilibam os corruptos,
cujas condenações acabam por prescrever graças a essa coisinha que ninguém quer
extrair da lei. O Isaltino está na maior. Agora, como é que os políticos não
hão-de roubar? O paraíso fiscal é noutros lados, aqui temos o paraíso terreal. O
Duarte Lima fica no seu palacete com a pulseirinha, a escrever as suas
memórias. Agora é que vamos saber a história do BPN. Ele vai enfiar os outros
que estão cá fora a rir e ele está a acusá-los, lá dentro.
Achei que
estava a descambar para a utopia, julgando que seriam presos, mas ela continuou:
- O ar
imponente que estes ladrões tomam! O
dinheiro que se gastou à espera da saída do Lima da cadeia! Mas o fulano sai e
não responde. O crime do Brasil fica impune. Há mais uma história de assinatura
falsificada por ele, que o incrimina. O filho estava metido no negócio do BPN,
mas conseguiu que fosse ilibado. A história da Feteira… A falsificada assinatura do
marido da Rosalina ... Ela tinha que desaparecer do mapa. Ele vai lá e mata-a. Como é
que o Duarte Lima, que é advogado, se mete numa assim? A viagem, uma amiga
Gisele inexistente, o homem julgava que era só ir matar… ela deve ter sabido da
assinatura, ela tinha que desaparecer! Esquisito até dizer chega. Mas porque é
que ele havia de querer este mundo e o outro? Já tinha este, pois era podre de
rico, porque lutou pelo outro?
- O dos caldeirões de pez a ferver?
Mas a minha
amiga não acredita no Inferno, desdenha a arremetida:
- Ele
está como quer. Já não volta à cadeia. Será que se vai safar da pulseirinha?
- Tem
cara disso, concluo eu, que não tive ocasião de narrar as penas que me vão
na alma, uma delas, a da maligna inveja,
a merecer o pez – a do êxtase provocado pela
participação de uma mocidade bela, competitiva, estudiosa, que Julien Lepers
levou, uma vez mais, ao seu “Questions pour un Champion”. A mocidade das
“Hautes Écoles”, denunciante de um
país que pode esperar na sua continuidade como nação da inteligência, desde
sempre iluminando o pensamento, ao investir dessa forma, simultaneamente séria e
jubilosa, na cultura dignificante que distingue os verdadeiros homens.
A inveja, a
merecer o caldeirão, é a triste consciência do que não temos. Porque o desejar
tê-lo não resolve. É preciso querê-lo. E o que nós aqui, de facto, queremos e
protegemos são os Duartes Limas da
nossa bestialidade. Não precisamos de outros campeões.
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