segunda-feira, 21 de maio de 2012

“Já não volta à cadeia”


Cada uma de nós deseja desabafar as alegrias ou as penas – mais estas, em todo o caso – que nos purificam ou maculam a alma, para utilizar um verbo mais rebuscado, que dignifique as sujeiras do nosso panorama social. A minha amiga arranca em primeira:

- Ninguém tenha ilusões. Há uma lei feita à medida, que os protege. Estão a tentar, os juízes que têm vergonha na cara, mudar uma coisinha da lei…

E logo eu atalho, no escândalo dessa coisa da “coisinha”, - “coiso”, na designação desdenhosa do ministro Pereira para a questão despicienda do desemprego nacional - que não se devia coisar segundo os pruridos cautelosos das línguas dos nossos Louçãs atentos que logo os distorcem para os coisês a que estamos reduzidos na nossa navegação serpenteante, de escape ou à bolina,  mas a minha indignada amiga nem pára para reflectir no que colhi do indignado Louçã:

- … uma coisinha da lei que os protege, pelos adiamentos sucessivos que ilibam os corruptos, cujas condenações acabam por prescrever graças a essa coisinha que ninguém quer extrair da lei. O Isaltino está na maior. Agora, como é que os políticos não hão-de roubar? O paraíso fiscal é noutros lados, aqui temos o paraíso terreal. O Duarte Lima fica no seu palacete com a pulseirinha, a escrever as suas memórias. Agora é que vamos saber a história do BPN. Ele vai enfiar os outros que estão cá fora a rir e ele está a acusá-los, lá dentro.

Achei que estava a descambar para a utopia, julgando que seriam presos, mas ela continuou:

- O ar imponente  que estes ladrões tomam! O dinheiro que se gastou à espera da saída do Lima da cadeia! Mas o fulano sai e não responde. O crime do Brasil fica impune. Há mais uma história de assinatura falsificada por ele, que o incrimina. O filho estava metido no negócio do BPN, mas conseguiu que fosse ilibado. A história da Feteira… A falsificada assinatura do marido da Rosalina ... Ela tinha que desaparecer do mapa. Ele vai lá e mata-a. Como é que o Duarte Lima, que é advogado, se mete numa assim? A viagem, uma amiga Gisele inexistente, o homem julgava que era só ir matar… ela deve ter sabido da assinatura, ela tinha que desaparecer! Esquisito até dizer chega. Mas porque é que ele havia de querer este mundo e o outro? Já tinha este, pois era podre de rico, porque lutou pelo outro?
- O dos caldeirões de pez a ferver?

Mas a minha amiga não acredita no Inferno, desdenha a arremetida:

- Ele está como quer. Já não volta à cadeia. Será que se vai safar da pulseirinha?

- Tem cara disso, concluo eu, que não tive ocasião de narrar as penas que me vão na alma,  uma delas, a da maligna inveja, a merecer o pez – a do êxtase  provocado pela participação de uma mocidade bela, competitiva, estudiosa, que Julien Lepers levou, uma vez mais, ao seu “Questions pour un Champion”. A mocidade das “Hautes Écoles”,  denunciante de um país que pode esperar na sua continuidade como nação da inteligência, desde sempre iluminando o pensamento, ao investir dessa forma, simultaneamente séria e jubilosa, na cultura dignificante que distingue os verdadeiros homens.

A inveja, a merecer o caldeirão, é a triste consciência do que não temos. Porque o desejar tê-lo não resolve. É preciso querê-lo. E o que nós aqui, de facto, queremos e protegemos  são os Duartes Limas da nossa bestialidade. Não precisamos de outros campeões.

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