É de Vasco
Pulido Valente o texto que me permito transcrever, extraído do Público
de Domingo, 6 de Maio:
«O
Incrível sr. Hollande»
«Para
acreditar na megalomania francesa, fora os franceses, só há os portugueses. A
esquerda política e a esquerda bem-pensante que por aí se arrasta resolveu que
o sr. Hollande , se ganhasse, ia com certeza mudar a Europa e o mundo. Isto
mostra, em primeiro lugar, a ignorância de que a França se tornou desde a
abjecta derrota de 1940 numa potência económica e militar de quinta classe, que
vai aguentando um lugarzinho ao sol, pelo favor da América, que ela
ostensivamente tanto detesta. E também mostra que na cabeça dos portugueses
ficaram ainda os vestígios do tempo em que De Gaulle não se calava com a
imaginária “grandeza” que supunha representar; e a “lúmpen-inteligência”
indígena lia aplicadamente Sartre e Althusser. Com o “25 de Abril” e o
“cavaquismo”, a França tinha desaparecido pouco a pouco do nosso pequenino
universo. Mas parece que, talvez por desespero, voltou agora a ressuscitar.
Na falta
de “socialistas” o sr. Hollande acabou por servir. A França do sr. Hollande é
uma França com mais de 10 por cento de desemprego, um défice ameaçador, uma
dívida de 90 por cento do PIB e uma economia em estagnação. De quase nenhuma
destas pequenas contrariedades se falou na campanha. O sr. Sarkozy exibiu a sua
xenofobia (até ameaçou que poderia sair de Schengen) e o sr. Hollande, com a
imaginação que se lhe conhece, preferiu insistir na “social-democracia” da sua
adolescência e prometeu 60.000 novos professores, 150.000 “empregos de futuro”,
diminuir a idade da reforma, um subsídio de família maior e um imposto estapafúrdio,
que atinge o número nunca visto de 200 ricos: por outras palavras, prometeu um
magnífico regresso a 1960.
Os
franceses que se avenham, com ele. Mas, seja qual for o resultado, no meio
deste delírio, o sr. Hollande não se esqueceu da “Europa”. E, para a “Europa”
ele quer, evidentemente, uma mutualização da dívida, o BCE a imprimir papel
(que já, de resto, imprime em grande quantidade) e um obscuro e definitivo
“programa de crescimento”. Que a França não esteja em posição de impor nada à “Europa”
aparentemente não o preocupa: a grandeza da França bastará para convencer os
pategos. Sucede que de Helsínquia a Amesterdão, os pategos, embora possam
seguir (prudentemente) a Alemanha, não seguirão com certeza o sr. Hollande
sobretudo quando ele se prepara para meter uma “Europa”, desorientada e frágil,
num grande sarilho.»
Vasco
Pulido Valente é, há muitos anos, para mim, um verdadeiro senhor de uma escrita
arguta e desassombrada, feita de uma lúcida análise dos acontecimentos que vai
desmontando e historiando com a mordacidade que lhe merecem as imparáveis irregularidades
de que o país tem sido palco pelos seus executores, sucedâneos na governança ou
no compadrio dela, após a viragem que tanto ansiavam, pelos motivos que se vão
clarificando em cada ano que passa.
No texto de
Pulido Valente está bem patente o desprezo que lhe merecem os de cá como os de
lá – da França – apressando-se a eleger
mais um papagaio de cartilha mais que
lida, feita de promessas angariadoras de votos vitoriosos. Fica-se com a ideia
de que, pese embora o nosso parco mérito na cena mundial, ou mesmo só europeia,
temos um ex-ministro que, enrolado em França nas filosofias concitadoras de vasta
audiência juvenil, tal como outrora o seu sósia – em nome – conseguiu obter
adeptos de idêntica categoria mental, certamente que inspiradoras de mais um Platão
escrevinhador dos seus diálogos . A dimensão intelectual que uns e outros de outrora
tiveram – Sócrates, Platão, Diálogos – poderá ter correspondência – embora patega
– nos nossos de agora. A pateguice em dimensão também leva à glória. Para mais
reforçada pelos Magalhães do nosso orgulho.
O certo é
que as promessas de Hollande de criação de empregos e de facilidades nos trazem
à mente as que por cá se fizeram pelo ministro antes de se tornar um ex triunfante,
lá na Gália, como o fora cá, com tanta gula.
Mas os
nossos antigos de cá, pertencentes a igual partido, em palmadas e abraços de
recuperação e regozijo, envolvem-se de novo em cravos promissores da desordem
que se avizinha, anciãos largamente experientes em destruição pátria. E os da Inteligência seguidista bradando como
eles, fingindo amor pelos desvalidos, mas forcejando por os tornar mais
desvalidos, na desordem que preparam, discípulos e colaboradores beneméritos dos
primeiros, ou actuando fogosamente e gostosamente por conta própria.
Torpedear.
Eis o que irmana velhos e novos – os velhos que já foram novos, os novos ou de
meia idade que vão a caminho. Todos eles criticando o velho governante que governou
até cair da cadeira. Todos eles ambicionando a cadeira do poder e continuando no
poder da fama protegidos pelos pategos da sua escolta crescente. A coberto,
hoje, do sr. Hollande e da nação francesa que o elegeu. Como afirma V. P. V., “Com
o “25 de Abril” e o “cavaquismo”, a França tinha desaparecido pouco a pouco do
nosso pequenino universo. Mas parece que, talvez por desespero, voltou agora a
ressuscitar.”
Por pouco
tempo será, infelizmente, cada vez mais desprendidos dos valores culturais de
uma França das Luzes.
Uma nação
arruinada e patega não tem contratorpedeiros para responder. Está condenada.
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