quarta-feira, 9 de maio de 2012

O incrível Vasco Pulido Valente


É de Vasco Pulido Valente o texto que me permito transcrever, extraído do Público de Domingo, 6 de Maio:

«O Incrível sr. Hollande»

«Para acreditar na megalomania francesa, fora os franceses, só há os portugueses. A esquerda política e a esquerda bem-pensante que por aí se arrasta resolveu que o sr. Hollande , se ganhasse, ia com certeza mudar a Europa e o mundo. Isto mostra, em primeiro lugar, a ignorância de que a França se tornou desde a abjecta derrota de 1940 numa potência económica e militar de quinta classe, que vai aguentando um lugarzinho ao sol, pelo favor da América, que ela ostensivamente tanto detesta. E também mostra que na cabeça dos portugueses ficaram ainda os vestígios do tempo em que De Gaulle não se calava com a imaginária “grandeza” que supunha representar; e a “lúmpen-inteligência” indígena lia aplicadamente Sartre e Althusser. Com o “25 de Abril” e o “cavaquismo”, a França tinha desaparecido pouco a pouco do nosso pequenino universo. Mas parece que, talvez por desespero, voltou agora a ressuscitar.

Na falta de “socialistas” o sr. Hollande acabou por servir. A França do sr. Hollande é uma França com mais de 10 por cento de desemprego, um défice ameaçador, uma dívida de 90 por cento do PIB e uma economia em estagnação. De quase nenhuma destas pequenas contrariedades se falou na campanha. O sr. Sarkozy exibiu a sua xenofobia (até ameaçou que poderia sair de Schengen) e o sr. Hollande, com a imaginação que se lhe conhece, preferiu insistir na “social-democracia” da sua adolescência e prometeu 60.000 novos professores, 150.000 “empregos de futuro”, diminuir a idade da reforma, um subsídio de família maior e um imposto estapafúrdio, que atinge o número nunca visto de 200 ricos: por outras palavras, prometeu um magnífico regresso a 1960.

Os franceses que se avenham, com ele. Mas, seja qual for o resultado, no meio deste delírio, o sr. Hollande não se esqueceu da “Europa”. E, para a “Europa” ele quer, evidentemente, uma mutualização da dívida, o BCE a imprimir papel (que já, de resto, imprime em grande quantidade) e um obscuro e definitivo “programa de crescimento”. Que a França não esteja em posição de impor nada à “Europa” aparentemente não o preocupa: a grandeza da França bastará para convencer os pategos. Sucede que de Helsínquia a Amesterdão, os pategos, embora possam seguir (prudentemente) a Alemanha, não seguirão com certeza o sr. Hollande sobretudo quando ele se prepara para meter uma “Europa”, desorientada e frágil, num grande sarilho.»

Vasco Pulido Valente é, há muitos anos, para mim, um verdadeiro senhor de uma escrita arguta e desassombrada, feita de uma lúcida análise dos acontecimentos que vai desmontando e historiando com a mordacidade que lhe merecem as imparáveis irregularidades de que o país tem sido palco pelos seus executores, sucedâneos na governança ou no compadrio dela, após a viragem que tanto ansiavam, pelos motivos que se vão clarificando em cada ano que passa.

No texto de Pulido Valente está bem patente o desprezo que lhe merecem os de cá como os de lá – da França – apressando-se  a eleger mais um papagaio  de cartilha mais que lida, feita de promessas angariadoras de votos vitoriosos. Fica-se com a ideia de que, pese embora o nosso parco mérito na cena mundial, ou mesmo só europeia, temos um ex-ministro que, enrolado em França nas filosofias concitadoras de vasta audiência juvenil, tal como outrora o seu sósia – em nome – conseguiu obter adeptos de idêntica categoria mental, certamente que inspiradoras de mais um Platão escrevinhador dos seus diálogos . A dimensão intelectual que uns e outros de outrora tiveram – Sócrates, Platão, Diálogos – poderá ter correspondência – embora patega – nos nossos de agora. A pateguice em dimensão também leva à glória. Para mais reforçada pelos Magalhães do nosso orgulho.

O certo é que as promessas de Hollande de criação de empregos e de facilidades nos trazem à mente as que por cá se fizeram pelo ministro antes de se tornar um ex triunfante, lá na Gália, como o fora cá, com tanta gula.

Mas os nossos antigos de cá, pertencentes a igual partido, em palmadas e abraços de recuperação e regozijo, envolvem-se de novo em cravos promissores da desordem que se avizinha, anciãos largamente experientes em destruição pátria.  E os da Inteligência seguidista bradando como eles, fingindo amor pelos desvalidos, mas forcejando por os tornar mais desvalidos, na desordem que preparam, discípulos e colaboradores beneméritos dos primeiros, ou actuando fogosamente e gostosamente por conta própria.

Torpedear. Eis o que irmana velhos e novos – os velhos que já foram novos, os novos ou de meia idade que vão a caminho. Todos eles criticando o velho governante que governou até cair da cadeira. Todos eles ambicionando a cadeira do poder e continuando no poder da fama protegidos pelos pategos da sua escolta crescente. A coberto, hoje, do sr. Hollande e da nação francesa que o elegeu. Como afirma V. P. V., “Com o “25 de Abril” e o “cavaquismo”, a França tinha desaparecido pouco a pouco do nosso pequenino universo. Mas parece que, talvez por desespero, voltou agora a ressuscitar.”

Por pouco tempo será, infelizmente, cada vez mais desprendidos dos valores culturais de uma França das Luzes.

Uma nação arruinada e patega não tem contratorpedeiros para responder. Está condenada.

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