Nem sempre são
animais
As personagens
irreais
Dos fabulistas
passados.
Com humanos
e duendes
A fábula que
se segue,
De La
Fontaine,
Cumpre a
mesma função
De lição
Que as dos
animais
De maior ou
menor estimação
Das fábulas
normais:
«Os
desejos»
«Há no Império
Mogol uns duendes
Que fazem
ofício de criados aplicados.
Mantêm limpa
a casa, tratam do mobiliário
E por
vezes da jardinagem,
Sempre com
muita coragem.
Se alguém
mal informado
Se mete
no seu trabalho,
O caldo fica
entornado.
Um deles,
outrora,
Cultivava
o jardim de um bom burguês,
Trabalhava
sem barulho,
Com habilidade
e pachorra,
Amava o senhor
e a senhora
E sobretudo
o jardim.
Deus sabe
se os Zéfiros,
Povo amigo
do demo,
Não o
ajudariam na tarefa.
O duende,
por seu lado,
Trabalhando
sem descanso,
Cumulava
de prazeres os seus amos bem-amados.
Para
maiores mostras do seu zelo
Ter-se-ia
mantido para sempre na mansão
Dos seus
senhores,
Não
obstante a ligeireza
Tão
natural nos seus pares;
Mas os espíritos
seus confrades
Tanto fizeram,
que o chefe desta república,
Por capricho
ou por política,
Mudou-o de
apartamento.
Ordem lhe
chegou num momento
Para, nos
confins da Noruega,
Ir
trabalhar e cuidar
Duma casa
precisada,
De neve sempre
coberta;
E de Hindu
que era, virou Lapão.
Antes de
partir, saudoso,
Disse o
espírito aos seus hóspedes,
Melindroso:
“Obrigam-me
a deixar-vos:
Não sei
por quais erros meus;
Mas enfim
é necessário, não posso ficar senão
Algum tempo
mais, um mês,
Uma semana
talvez.
Empregai-a;
três desejos formulai,
Porque poderei
Três desejos
satisfazer:
Três e nenhum
mais».
Desejar
não é uma pena
Estranha
e nova aos humanos.
Estes,
como primeiro voto, pedem a abundância;
E a abundância,
às mãos cheias,
Em seus
cofres lança a finança;
Nos seus
celeiros o trigo, os vinhos nas suas caves;
Tudo de
fartura rebenta. Como gerir tanta fartura
Sem impostura?
Quantos
registos, cuidados, tempo vário
Lhes foi
necessário?
Ambos
ficam embaraçados de modo extraordinário.
Os ladrões
contra eles conspiraram,
Os grandes
senhores empréstimos lhes pediram,
O príncipe
de impostos os taxou.
Ei-los
que estão
Infelizes
até mais não
Pelo excesso
de fortuna que os esmagou.
“Tirai-nos
destes bens a influência importuna -
Disseram
- Felizes os indigentes
Tão pouco
importantes!
A pobreza
vale mais do que tal fortuna.
Retirai-vos,
tesouros; fugi.
E tu,
deusa do belo espírito,
Companheira
da serena alegria,
Doce mediania,
volta depressa.”
A estes
dizeres a mediania regressa.
Com ela,
eles entram em graça,
Ao fim
dos dois desejos, tão desastrados que foram,
Como são todos aqueles que sempre ambicionaram
E em
quimeras perderam
O tempo
que a trabalhar deviam
Ter estado,
O duende
riu com eles do tempo mal empregado
No recente
passado.
Para aproveitarem
a sua generosidade,
Quando estava
prestes a partir
Pediram, como
terceiro desejo,
A
sabedoria, para sua felicidade.
É um
tesouro que, pela sua ligeireza
Não embaraça
Nem permite
a trapaça.»
Aqui está mais
uma fábula de um saber universal
Que não tem
uma aplicação geral.
Qual de nós
era capaz
De desdenhar
assim uma fortuna
Tão oportuna?
Até porque
logo pensaríamos
Em escondê-la
em qualquer paraíso fiscal
Que nos
impedisse
De pagar as
taxas que o Estado nos exigisse!
Que agora já
não é como antigamente,
Tempo vulnerável
e inclemente.
E também
porque hoje em dia a sabedoria
Jamais seria
suficiente a uma áurea mediania
Que não faz
préstimo nem causa alegria.
Porque a
maior virtude
Consiste em
acumular riqueza,
Não só pela
incerteza
De um futuro
inseguro,
Como pelo
esplendor
Que resulta do
ter
Mais do que
do ser.
Na safra do
saber ter
A ninguém já
importa o saber ser.
Embora me
pareça que o ser
Se define
melhor com o ter.
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