quarta-feira, 30 de maio de 2012

Os arrotos das nossas ambições


A minha amiga há muito que não se exprimia com tanta cólera, de tal modo se “espremeu” na crítica, com o recorte do jornal a confirmar:

- Menu muito rico, próprio de país muito rico. Como é possível?  A gente olha para aquilo e diz assim: “Não pode ser verdade”. Mas está assinado por fulana e fulana.

Espreitei o artigo que ela me trouxe e as fulanas assinantes chamam-se Raquel Oliveira e Sónia Trigueirão, como confirmei para a minha amiga, que continuou:

- Mas a Troika que está cá a ver as borradas também sabe disto? Abrem o concurso, escolhem a empresa. Estas duas jornalistas tiveram acesso e vá de publicar o artigo, que é digno de espanto.

- Ora! Está de acordo com a nossa dignidade – explico, generosamente, que considerações é o que nós acima de tudo prezamos, como já várias vezes tenho referido na referência ao Damasozinho Salcede (o que é indício de uma cultura extremamente parcimoniosa na questão dos referentes) o qual de ninguém admitia desconsiderações, e com muita razão. Ainda hoje mesmo, sofremos desse sentimento de inferioridade e vexame, como mal que mergulha fundo, creio que nas nossas raízes históricas, geográficas e sociais, de tal modo enviesadas que as suas ramificações resultaram num posicionamento caudal relativamente ao posicionamento estrangeiro. É o que sobressai nos dizeres da heroína do “Eixo do Mal”, troçando pelo facto de ninguém lá de fora nos prezar, passarmos sempre despercebidos e quem sabe se altivamente marginalizados pelos deputados dos outros países europeus. E assim se vê que somos todos uns Damasozinhos Salcedes, que vivemos no terror das humilhações, mesmo os ou as que se pretendem demarcar do povinho ignaro. Como nos tempos de Eça, vivemos sob  o culto da admiração pelos povos cultos, embora nos digam que a isso se chama provincianismo, mesmo nos Eças da nossa praça.

Eu, por mim, confesso (e desculpe-se-me tão acentuada redundância) o meu sentimento de inferioridade, essencialmente provinciano, não passa de uma admiração sem limites pelos outros povos que investiram em educação, acompanhada por uma sentida inveja e pesar, pela consciência de que jamais os alcançaremos, por não termos educação suficiente para nela investirmos, e mesmo que a tenhamos, os que poderiam nela investir já não encontrarão a resposta adequada a essa justa ambição de transformação, pelo estreitamento cada vez maior dos interesses culturais da nossa juventude mandriona e indisciplinada que nas queimas das fitas universitárias culmina em espectáculos degradantes de bebedeiras descomunais de jovens em vias de se iniciarem no mercado de trabalho, pelo menos dantes era assim na questão do mercado.

Vejamos o recorte da notícia saída no Correio da Manhã:

«Fornecimento de Refeições

«MENU DE LUXO NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

«Perdiz, porco preto alimentado a bolota e lebre são alguns dos produtos exigidos pelo Caderno de Encargos do concurso público para fornecer refeições e explorar as cafetarias do Parlamento. Das exigências para a confecção das ementas de deputados e funcionários constam ainda pratos com bacalhau do Atlântico, pombo torcaz e rola, de acordo com o documento a que o CM teve ontem acesso. O café a fornecer deverá ser de “1ª qualidade” e os candidatos ao concurso têm ainda de oferecer  quatro opções de whisky de 20 anos e oito de licores. No vinho, são exigidas 12 variedades de Verde os meus preferidos - e 15 de tintos alentejanos e do Douro. É também especificado que o mesmo prato não deve ser repetido num prazo de duas semanas. O Caderno de Encargos do concurso, que termina em Junho, estabelece que a qualidade dos produtos vale 50%, o preço 30% e a manutenção 20%.»

De lamber e chorar por mais. E percebi o porquê da exclusão da gravata – não sei se chegou a ser decretada, como medida capital de um governo disposto a trabalhar, segundo informou, na altura. Uma medida de extremo alcance, como expliquei à minha amiga ainda afrontada: a exclusão da gravata possibilitava os arrotos dos afrontamentos provenientes da ingestão dos pitéus do concurso.

 Há sempre uma lógica para as medidas de longo alcance. Quanto menos gravata maior a extensão dos arrotos. As comidas são um índice de civilização e requinte. Os imperadores romanos até vomitavam para ingerirem mais a seguir, nas suas refeições orgíacas. E os chineses, com os seus arrotos educativos, chegam cada vez mais a todo o lado, acompanhando-os.

 Sem gravata, com tais menus, é um fartote de arrotos, como medidas de salvação nacional.

Se bem que a bolota de que os porcos do menu se alimentaram em vida deva ser um bom exemplo para o corte nas gorduras que os do governo prometeram, expliquei à minha amiga com ponderação. É meio caminho andado para a dieta nacional de povo gordo, a precisar de bolota para a supressão prometida das gorduras. O governo começa por mostrar o caminho. O porco de bolota para ele ainda. Para o povo a bolota, qualquer dia.


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