sábado, 5 de abril de 2025

AS PESSOAS “RETERAM”


Ouvi neste preciso momento, pela televisão, a PEDRO NUNO DOS SANTOS, estava eu lendo o texto infra de BRUNO BOBONE, sobre as especificidades comportamentais daquele, ao que parece, enfant tão terrible nos seus tempos primários, que se esqueceu de absorver a conjugação verbal num composto de “ter”, verbo auxiliar mas que o não auxiliou a lamuriar as razões das suas plangências acusatórias actuais com a necessária correcção verbal a torná-las plausíveis, ao menos gramaticalmente, para as podermos ir suportando sem tanto desânimo mental, que é o nosso, frequentemente. Um texto de BRUNO BOBONE, inutilmente excelente como comentário a tanta pobreza espiritual neste nosso mundo luso de gente que definitivamente pretende absorver os aplausos alheios sobre as potencialidades próprias em desfavor das alheias, nesta coisa de eleições, hoje, de sucessividade na manutenção, neste nosso sempre presente de gloriosos substitutos a reter, aparentemente, segundo a tessitura governativa anteriormente vivida e a querer reviver indefinidamente, sem dar azo a mudança…

 

Activar alertas

Lili Caneças e a política

Está na hora de voltarmos a olhar e a compreender o mundo em que vivemos sem a fantasia e o faz de conta em que temos sido enganados nos últimos tempos.

BRUNO BOBONE Presidente do Grupo Pinto Basto

OBSERVADOR, 03 abr. 2025, 00:147

Que engraçado ver o cartaz de propaganda de Pedro Nuno Santos e pensar que a conversa com Lili Caneças teve mesmo um enorme efeito naquele rapaz, que pretendia ser a criança terrível, o revolucionário, o responsável pelas decisões ao minuto sem questionar o resultado das mesmas, e que aí aparece com um verdadeiro lifting fotográfico.

Com uma puxadinha aqui, um pequeno corte ali e eis senão quando se transforma aquele turbilhão irreverente, malcriado e pretensioso num quase chefe de contabilidade que pretende ter um ar mais sério e maçudo, pouco convincente mas mais tranquilo, mas claramente uma figura que me fez demorar a reconhecer, tais as mudanças que pretenderam retratar nesta imagem que não é a sua, mas que é aquela que acredita que lhe vai dar aquilo que não tem e, assim, ganhar os votos que lhe faltam.

Já tínhamos assistido à transformação de Catarina Martins, que desde o princípio da sua liderança política e até à sua saída tinha transformado o seu visual e que voltou a fazê-lo para se tornar verdadeiramente europeia, agora que emigrou.

Também o vimos com Rui Rocha, a quem terão dito que o ar de intelectual triste não lhe assentava bem e que, desde aí, se tornou num lisboeta executivo o que lhe permite associar-se mais ao liberalismo que defende.

Mas há que reconhecer que outros dos que por aí andam não se deixaram atrair por essas novidades seja porque nasceram com as características certas para as ideias que tentam defender, seja pela vaidade exagerada, seja porque não acreditam nesta teoria da imagem que comanda a vida ou até mesmo porque não vêem vantagem em tentar mudar o que não muda, nem Montenegro, Melo, Ventura, Tavares, Raimundo e mesmo Ana Gomes não mudaram o seu aspecto dos últimos anos.

E é neste ambiente de faz de conta que vamos viver este próximo período eleitoral, sem qualquer discussão sobre a qualidade dos próximos governantes, sem qualquer proposta de melhoria da vida dos portugueses e apenas focada nas parecenças de cada um dos intervenientes.

Com uma oposição a não querer explicar como se poderia governar melhor do que aquilo que a maioria da população está de acordo em reconhecer que estava a ser bastante positivo, e sem qualquer oportunidade de discutir o que este governo poderá fazer melhor do até agora terá feito, e tudo porque estaremos a discutir quem é o mais bonito e o mais santo.

E isto quando o líder do partido socialista que acusa o outro de ser pouco sério já foi despedido de um governo por uma conduta de pouca seriedade.

Quando o líder da Iniciativa Liberal que acusa os outros de estarem a dar lugares aos seus autarcas, tinha um autarca que foi seu candidato presidencial a falsificar documentos para conseguir benefícios que não teria direito a ter.

Num tempo em que o arauto da seriedade no Chega alberga tudo aquilo que condena nos seus adversários.

Está na hora de voltarmos a olhar e a compreender o mundo em que vivemos sem a fantasia e o faz de conta em que temos sido enganados nos últimos tempos.

De entender que vivemos num Mundo de homens e mulheres que erram, que não são santos, que têm interesses, que têm convicções diferentes e que, ainda assim, podem ser capazes de fazer coisas boas, que podem aprender com os erros e emendar-se para fazer melhor.

Não é substituindo um que vamos garantir a santidade do próximo.

É antes, conhecendo-o e controlando os seus defeitos e dificuldades que poderemos beneficiar de tudo aquilo que poderá fazer por nós.

Mas é também pagando-lhes correctamente, dando-lhes condições e dando-lhes apoio, que poderemos conseguir que eles melhor nos sirvam.

As medidas populistas de se pretender que os políticos não podem ter rendimentos, de que um primeiro-ministro não vale tanto ou mais do que um líder empresarial é apenas demagogia de pouco nível e resulta em cada vez mais só estarem disponíveis candidatos sem qualidade ou categoria.

É a nova política em que as ideias contam pouco, os valores não importam, as convicções são contas de votos e só o lugar pretendido vale o esforço.

Uma política de pequenos temas que pretende facilitar a vida a estes novos políticos sem formação ou categoria que, de política verdadeira pouco sabem e não são capazes de discutir o que realmente importa para a vida da sociedade.

Que saudades do tempo de abril em que a democracia era responsabilidade de quem era mais capaz.

PEDRO NUNO SANTOS       POLÍTICA      DEMOCRACIA      SOCIEDADE

 

COMENTÁRIOS (de 7)

 

Carlos Chaves:  Bruno Bobone o que defende é a verdade e a autenticidade na política, valores destruídos paulatinamente pela esquerda desde o golpe de Estado de 1974! Os socialistas e a extrema esquerda ainda agravaram mais este problema, ao quase destruírem o sistema de educação/instrução nos últimos quase 10 anos, o que nos baixa a esperança de que alguma coisa mude!        

Manuel Magalhaes  Essa das “saudades do tempo de Abril” é que era escusada, pois que ainda o andamos a pagar e não tem sido nada barato…

sexta-feira, 4 de abril de 2025

II -CONCLUSÃO DO TEXTO ANTERIOR

 

Mais globalização, maior fraternidade. E maior libertação dos trabalhos de cócoras.


Espanha viu o número de imigrantes multiplicar-se por dez na década de 2000. A maioria é de Marrocos e da América Latina. O sentimento anti-imigração começou a crescer, mas a criminalidade não subiu.

JOÃO FRANCISCO GOMES Texto

OBSERVADOR, 03 abr. 2025, 19:323

Índice

O boom da imigração em Espanha entre 2000 e 2010

Sentimento anti-imigração sobe e extrema-direita aproveita a boleia

Políticas migratórias mais flexíveis, com oposição da extrema-direita

Criminalidade e imigração? Dados mostram que não há ligação

Segundo a investigadora, não é tão comum em Espanha como noutros países europeus ouvir-se o argumento anti-imigração segundo o qual os imigrantes “roubam” os empregos dos cidadãos nacionais. “Às vezes, é usado o argumento do acesso aos serviços públicos, de quem tem as ajudas, por exemplo nos jardins de infância, no refeitório na escola, no acesso aos hospitais”, exemplifica. “Mas em termos de ‘estão a roubar-nos os trabalhos’, menos.”

Mesmo no que toca ao crescimento da extrema-direita em Espanha, Blanca Garcés destaca que o principal partido daquele campo político, o Vox, não cresceu com base num discurso anti-imigração.

“O Vox não nasceu como partido claramente anti-imigração. Nos primeiros anos do Vox, o tema da imigração não era central. O tema central para o Vox, para a extrema-direita, era o tema territorial, tema da Catalunha, relativamente ao resto de Espanha. O Vox, a extrema-direita, cresceu sobretudo ao início à boleia desta questão”, explica Blanca Garcés, recordando como a perspetiva nacionalista e a oposição à autonomia regional (e especialmente aos anseios de independência da Catalunha) foram determinantes para o crescimento do partido.

"O Vox não nasceu como partido claramente anti-imigração. (...) O tema central para o Vox, para a extrema-direita, era o tema territorial, tema da Catalunha. (...) Entretanto, foi-se adaptando a outras questões e agora, sim, têm o tema da imigração como um tema central. Falam da criminalidade, dizem ‘queremo-los legais, mas não ilegais’ e problematizam o tema do Islão. O Islão como questão e problema cultural, não necessariamente ligado à criminalidade."

Blanca Garcés, investigadora especializada em migrações

(Índice)

 Entretanto, [o Vox] foi-se adaptando a outras questões e agora, sim, têm o tema da imigração como um tema central. Falam da criminalidade, dizem ‘queremo-los legais, mas não ilegais’ e problematizam o tema do Islão. O Islão como questão e problema cultural, não necessariamente ligado à criminalidade”, explica ainda a investigadora. “Por exemplo, na Alemanha, a extrema-direita esteve muito ligada ao tema da União Europeia, inicialmente eram anti-europeus, anti-UE. Noutros países, a extrema-direita surgiu com partidos de um tema, que era o tema da imigração. No caso de Espanha, o Vox não cresceu a partir deste tema, mas sim a partir das tensões na questão nacional. Pouco a pouco, foi adoptando o tema da imigração.”

Políticas migratórias mais flexíveis, com oposição da extrema-direita

Nos últimos meses, a discussão política sobre a imigração em Espanha concentrou-se, essencialmente, na revisão da regulamentação da lei de imigração, que flexibilizou a regularização daqueles que se encontram ilegais no país. Com as novas regras, aprovadas em Conselho de Ministros em novembro de 2024, o governo espanhol espera conseguir regularizar a situação de cerca de 900 mil imigrantes irregulares nos próximos três anos. O debate dos meses anteriores incluiu, contudo, fortes divisões partidárias sobre questões quentes como o que fazer aos menores não acompanhados ou aos imigrantes que cometeram crimes.

Como explica a investigadora Blanca Garcés, a raiz desta questão está, em parte, nas próprias normas actualmente em vigor em Espanha. O facto de os cidadãos da América Latina poderem entrar em Espanha sem necessidade de visto “explica, em grande parte, a facilidade com que chegam”, uma vez que não existe “uma fronteira fechada”.

“O que acontece é que chegam e têm autorização para ficar durante 90 dias”, explica a académica, que afirma mesmo que “a maioria dos imigrantes em situação irregular chega de forma regular, através dos aeroportos, porque têm esta isenção de visto”. Passados os três meses, se não voltam aos seus países de origem, “ficam em situação irregular” em Espanha. “Chegam como turistas, mas ficam. Ao ficar, passam a estar irregulares, porque não têm visto de residência”, sublinha Blanca Garcés.

A legislação espanhola prevê um modelo especificamente destinado à regularização dos imigrantes em situação irregular — o Arraigo. “Isto mudou recentemente. Até agora, ao fim de três anos a residir irregularmente em Espanha, se tivesse uma oferta de trabalho, poderia regularizar-se através daquilo a que se chama o Arraigo. É um modelo muito específico e muito singular no contexto europeu”, sustenta Blanca Garcés, explicando que se trata de um procedimento que não é automático, mas desencadeado pelo próprio imigrante através de um pedido. “Arraigo vem de raízes. Demonstra que está arraigado e recebe uma autorização de residência.”

Os estrangeiros com autorização de residência podem, posteriormente, aceder à nacionalidade espanhola, após um período de pelo menos dez anos a residir em Espanha com essa autorização. Existem algumas excepções e vias rápidas: por exemplo, os cidadãos que tenham obtido o estatuto de refugiado (cinco anos), os cidadãos ibero-americanos, de Andorra, das Filipinas, da Guiné Equatorial, de Portugal ou de origem judaica sefardita (dois anos) e ainda um conjunto de pessoas que tenham direito à nacionalidade espanhola por outras razões (apenas um ano).

A nova regulamentação,aprovada pelo governo espanhol em novembro, introduziu algumas alterações ao mecanismo de Arraigo, flexibilizando-o. Por exemplo, o tempo de permanência em Espanha necessário para aceder a esta figura jurídica passou de três para dois anos — e as modalidades de Arraigo foram reconfiguradas, havendo diferentes requisitos para imigrantes que tenham vínculos familiares, que se comprometam a receber formação numa área profissional em que exista procura no mercado laboral espanhol ou que tenham um contrato de trabalho, por exemplo.

"Diria que a política de imigração em Espanha é uma política de laissez-faire. Ou seja, muito aberta, sobretudo à chegada dos latino-americanos, para cobrir a procura do mercado laboral." Blanca Garcés, investigadora especializada em migrações

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A nova regulamentação introduziu também modificações nos modelos de reagrupamento familiar, que se tornaram mais flexíveis e abrangentes; nas durações dos vistos (incluindo o visto de procura de trabalho), que aumentaram para um ano; e na protecção dos trabalhadores sazonais, para quem foram criados novos vistos especiais.

A figura do Arraigo, contudo, não é consensual: em várias eleições, a extrema-direita tem-se oposto a esta política de imigração. O Vox, por exemplojá apresentou uma proposta concreta nesse sentido: “Suprimir a instituição do Arraigo como forma de regular a imigração ilegal.” No mesmo programa eleitoral das legislativas de 2019, no capítulo da imigração, surgiam outras medidas radicais, incluindo a construção de um “muro intransponível” em Ceuta e Melilla ou a determinação de que “qualquer imigrante que tenha entrado ilegalmente em Espanha estará impossibilitado, para sempre, de legalizar a sua situação”.

Diria que a política de imigração em Espanha é uma política de laissez-faire. Ou seja, muito aberta, sobretudo à chegada dos latino-americanos, para cobrir a procura do mercado laboral”, sublinha Blanca Garcés, destacando que as recentes alterações à regulamentação da lei da imigração não foram “especialmente politizadas ou questionadas”. A verdade, contudo, é que o Vox chegou a apresentar no parlamento uma moção para pedir ao governo que derrogasse a nova regulamentação e que expulsasse todos os imigrantes que entraram ilegalmente em Espanha.

Situação diferente ocorreu durante o ano passado, quando os partidos políticos espanhóis estiveram bastante divididos a propósito de uma alteração à própria lei da imigração, concretamente ao artigo sobre os menores não acompanhados: o PSOE pretendia implementar a obrigatoriedade darepartição dos menores não acompanhados pelas várias comunidades autónomas (algo que aliviaria especialmente as Canárias, onde há milhares de menores não acompanhados à espera de uma solução), mas a direita e a extrema-direita chumbaram a proposta. Pedro Sánchez apelaria ao PP que se associasse à solução do governo, em vez de se colar ao Vox e de “reproduzir os discursos da direita mais extrema”. Num debate parlamentar em outubro do ano passado, Pedro Sánchez chegou mesmo a acusar o PP e o Vox de xenofobia, embora tenha admitido que a imigração gera “fricções” na sociedade espanhola. “Nós, os espanhóis, somos filhos da migração e não seremos pais da xenofobia”, atirou Sánchez. “Façamos uma política migratória de que os nossos pais se possam sentir orgulhosos; e façamos uma política migratória que garanta o futuro dos seus netos.”

Um ano antes, o Vox já tinha protagonizado uma polémica ao avançar com uma proposta no parlamento para discriminar os imigrantes oriundos de países de maioria muçulmana — concretamente, para “suspender os expedientes de aquisição de nacionalidade espanhola, as autorizações de permanência e de residência e proibir a entrada em Espanha de imigrantes procedentes de países de cultura islâmica, enquanto não possa ser assegurada a sua correta e pacífica integração no nosso território”. A proposta foi amplamente considerada inconstitucional.

À excepção de Marrocos — um país de maioria muçulmana que é o principal país de origem dos imigrantes que chegam a Espanha, pelas razões históricas e sociais já mencionadas —, não constam outros países de maioria muçulmana na lista dos 15 principais países de origem dos imigrantes em Espanha. Ainda assim, devido à sua localização, com especial destaque para as ilhas Baleares, as ilhas Canárias e as cidades de Ceuta e Melilla, Espanha é um dos países europeus mais impactados pelo fluxo de refugiados.

De acordo com a agência da ONU para os refugiados, no final de 2024 havia 423.004 refugiados, 254.050 requerentes de asilo e 8.578 apátridas em Espanha. A principal nacionalidade dos refugiados era a ucraniana, devido à guerra, seguindo-se a venezuelana e a síria. Já no que toca aos requerentes de asilo, eram maioritariamente da Colômbia, Venezuela e Peru. Nos primeiros oito meses de 2024, tinham chegado a Espanha por via marítima um total de 36.062 migrantes, através da rota do Mediterrâneo ocidental e da rota do noroeste africano (Canárias). Espanha é o destino europeu de algumas rotas de refugiados oriundas de lugares como a Síria, a Somália, o Senegal, a Gâmbia, a República Democrática do Congo, a Mauritânia, entre outros países. Em setembro de 2024, havia cerca de 5.200 crianças não acompanhadas em centros para migrantes nas ilhas Canárias.

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As ilhas Canárias são um dos principais destinos de migrantes oriundos de África que se arriscam no Oceano Atlântico em busca de asilo na Europa

Ainda assim, a imigração mais expressiva em Espanha é aquela que chega por vias regulares e acaba por ficar de forma irregular no país, sobretudo com origem na América Latina ou em Marrocos. Ao Observador, a investigadora Blanca Garcés destaca que, no que toca às políticas de imigração, faltou uma adaptação das políticas públicas ao crescimento da procura. “A população aumentou, devido à imigração, e nem sempre isto foi acompanhado por um redimensionamento dos serviços públicos”, revela. “Se aumenta a população em determinados municípios, deve também aumentar-se as escolas, os hospitais, os centros de saúde. E nem sempre foi esse o caso. Parte do problema está aí.

A habitação é um dos maiores problemas, destaca a académica, sublinhando que o acesso à habitação é cada vez mais difícil — e não apenas nas grandes cidades. “Temos uma parte da população a viver numa situação de extrema vulnerabilidade e exclusão social. Esta parte da população que vive em extrema pobreza ou vulnerabilidade, exclusão social, normalmente são migrantes”, diz Blanca Garcés.

“Por exemplo, uma das coisas que vê é que antes os sem-abrigo, as pessoas que viviam na rua, eram pessoas com perfis muito particulares, alcoólicos, gente com vidas difíceis que, por isso, tinham acabado na rua. Agora, vê-se muita gente jovem, inclusivamente famílias a viver na rua, que são de origem migrante. Já não correspondem a este perfil de sem-abrigo de antigamente. São pessoas, inclusivamente, que trabalham, mas que não têm casa. Porque essa é a questão. Podem trabalhar, mas não podem pagar uma casa. O que recebem pelo seu trabalho não é suficiente para pagar uma casa, para aceder a uma casa”, acrescenta ainda.

De acordo com Blanca Garcés, nas questões da habitação há uma grande discriminação direccionada aos imigrantes, uma vez que a maioria das casas é propriedade de privados. “Tem a ver com as suas condições legais — se não tiver uma autorização de residência, vai ser mais difícil que lhe aluguem um apartamento — e com as condições socioeconómicas: se o proprietário do apartamento puder escolher entre alguém que tem um bom salário e alguém que tem um salário baixo e um emprego precário, escolherá quem tem melhores condições”, sublinha.

Criminalidade e imigração? Dados mostram que não há ligação

Foi um caso que marcou o início do ano de 2025 em Espanha: Juan Manuel Badenas, porta-voz do Voz na câmara municipal de Valência, teve de comparecer perante um tribunal para responder por um alegado crime de ódio depois de, no verão passado, ter atribuído falsamente a autoria de um crime a um imigrante. Em causa está um crime ocorrido em julho de 2024 em Valência, um violento homicídio de um homem que foi degolado e esfaqueado com uma faca de cozinha numa zona central da cidade.

Pouco depois do crime, Badenas veio a público alegar que o homicídio não teria ocorrido “se o seu presumível assassino não tivesse entrado em Espanha”. Nas mesmas declarações, lembrou que, desde o início do governo de Pedro Sánchez, entraram em Espanha “300 mil imigrantes ilegais e isso tem de ser revertido; pedimos ao Ministério do Interior que evite a entrada de imigrantes ilegais, especialmente se alguns deles presumivelmente podem ser delinquentes”. Horas depois destas declarações, o suspeito foi detido: um espanhol, sem ligações à imigração, e com cadastro.

"O fenómeno da imigração não está a ter um impacto negativo nem significativo sobre a criminalidade."

Departamento do governo responsável pela estatística criminal, ao El País

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O grupo socialista na câmara municipal avançou com uma queixa contra Badenas por crime de ódio. Em janeiro deste ano, perante o tribunal, Badenas admitiu ser o autor das declarações, mas garantiu que não está contra a imigração e afirmou que estava a ser vítima de uma perseguição política.

O caso ilustra o argumentário que partidos como o Vox e o SALF têm intensificado nos últimos anos, procurando associar à imigração o perigo da criminalidade — um argumentário que, diz o El País, também o PP, de centro-direita, já começou a adoptar. Contudo, os números do Ministério do Interior, (que pode ver no gráfico abaixo), apontam no sentido contrário: olhando para a última década, enquanto a percentagem de população estrangeira em Espanha tem aumentado ligeiramente, a criminalidade (medida em número de infrações por mil habitantes) tem vindo a baixar ligeiramente.

Ao El País, o departamento do governo responsável pela estatística criminal  confirma mesmo que “o fenómeno da imigração não está a ter um impacto negativo nem significativo sobre a criminalidade”.

Um dado habitualmente usado para esta análise é a população prisional em Espanha. De acordo com o jornal ABC, em julho de 2024 havia 58.937 presos no país, dos quais 40.402 (68,6%) eram espanhóis e 18.535 (31,4%) eram estrangeiros. Evidentemente, trata-se de uma sobrerrepresentação dos estrangeiros na população prisional. O mesmo jornal destaca que a principal nacionalidade estrangeira representada é Marrocos (29,5%), o que bate certo com as principais nacionalidades de origem dos imigrantes em Espanha. Seguem-se Colômbia (9,3%), Roménia (7,4%), Argélia (6,7%), República Dominicana (3,3%), Equador (3,3%), Albânia (2,6%), Peru (2,5%) e Senegal (2,1%).

De acordo com o El País, que ouviu vários criminologistas, não é apenas a população imigrante que está sobrerrepresentada na população prisional, mas também outros factores, designadamente a proveniência de zonas pobres do país ou de zonas com elevadas taxas de desemprego. Por outro lado, dizem os especialistas ao mesmo jornal, há uma quantidade significativa de estrangeiros nas prisões espanholas que não são imigrantes, mas estrangeiros envolvidos em redes criminosas internacionais que foram apanhados em Espanha.

“Não se pode negar que há maior representação de população estrangeira nas prisões do que nas ruas, que a proporção é maior, que estão sobrerrepresentados”, assume Blanca Garcés ao Observador. “Mas o importante é perguntar: estão sobrerrepresentados em que tipo de criminalidade? É aqui que entra a pequena delinquência, própria de grupos mais precários e mais vulneráveis.”

A mesma especialista destaca que a extrema-direita em Espanha tem procurado associar a imigração à criminalidade, mas “de forma geral, sem apontar a um determinado grupo”, e acrescenta que este é um problema especialmente premente a nível local, em municípios onde a criminalidade é mais elevada.

MUNDO     IMIGRANTES     ESPANHA     EUROPA

Descolonizações


Termo tabu, à vista, quando se fala em imigrações…

Espanha viu o número de imigrantes multiplicar-se por dez na década de 2000. A maioria é de Marrocos e da América Latina. O sentimento anti-imigração começou a crescer, mas a criminalidade não subiu.

JOÃO FRANCISCO GOMES Texto

OBSERVADOR, 03 abr. 2025, 19:323

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O boom da imigração em Espanha entre 2000 e 2010

Sentimento anti-imigração sobe e extrema-direita aproveita a boleia

Políticas migratórias mais flexíveis, com oposição da extrema-direita

Criminalidade e imigração? Dados mostram que não há ligação

Este é o primeiro de um conjunto de trabalhos alargados do Observador sobre a realidade da imigração na Europa. Numa altura em que o tema das migrações está novamente no topo da agenda mediática, em que o debate sobre os imigrantes se intensifica entre os partidos políticos portugueses e em que a discussão em torno da “percepção de insegurança” em algumas zonas da cidade de Lisboa fez ressurgir o discurso que associa a criminalidade à imigração, o Observador procura traçar um retrato da imigração em vários países europeus. Quantos imigrantes vivem em cada país e de onde vêm? Que políticas migratórias existem em cada país? Como é que a imigração influenciou o debate público e moldou a esfera político-partidária? E que relação pode ser encontrada entre a imigração e a criminalidade? Neste primeiro artigo, olhamos para o caso de ESPANHA.

O boom da imigração em Espanha entre 2000 e 2010

Historicamente, Espanha foi essencialmente um país de emigração. Até à reta final de um século XX marcado por uma história conturbada que incluiu a Guerra Civil (1936-1939) e a longa ditadura franquista, Espanha teve um saldo migratório negativo, isto é, eram mais os espanhóis que deixavam o país em busca de vidas melhores do que aqueles que chegavam a Espanha vindos do estrangeiro. A situação começou a inverter-se de forma acentuada no final do século XX e, de forma ainda mais evidente, na viragem do séculocom vários factores, incluindo a transição para a democracia, a adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE), o desenvolvimento económico e as mudanças dos fluxos migratórios globais a terem grande influência na transformação do país rumo a uma sociedade diversa e multicultural.

“Espanha, tal como Portugal, até ao século XXI, foi sobretudo um país de emigração. Ou seja, de emigrantes espanhóis, que saíam de Espanha devido às condições económicas em Espanha, especialmente em determinadas regiões”, explica ao Observador a investigadora espanhola Blanca Garcés, especialista em migrações no Barcelona Centre for International Affairs (CIDOB), um dos mais reputados centros de investigação europeus na área das relações internacionais. Garcés, que tem dedicado a sua carreira académica à investigação dos fluxos migratórios na Europa e do discurso político sobre as migrações e o asilo no continente europeu, destaca ainda a grande prevalência da “migração campo-cidade” no século XX em Espanha. O fenómeno do êxodo rural, que também marcou Portugal no século passado, levou grandes porções da população a abandonarem regiões como a Andaluzia, Aragão ou a Galiza e a deslocarem-se para as grandes cidades espanholas, com destaque para Madrid e Barcelona.

 “Tudo isto mudou no final dos anos 90, mas especialmente no início dos anos 2000. Espanha passou a ser um país de imigração e, além disso, passou a ser um país de imigração de um momento para o outro”, sustenta Blanca Garcés. “Até ao ano 2000, a percentagem de população nascida no estrangeiro era irrelevante, irrisória, e, em poucos anos, até 2007, 2008, aumentou e passámos a ser um país diverso. Não só o saldo migratório líquido passou a ser positivo — havia mais entradas do que saídas —, como, além disso, a população mudou. Passámos a ter uma população diversa, um país diverso.”

Os números falam por si. Em 1981, viviam em Espanha 198.042 cidadãos estrangeiros, que representavam apenas 0,52% da população total, segundo dados do governo espanhol. Década e meia depois, em 1996, este número era já de 522.314 estrangeiros, que representavam 1,37% da população total do país. Daí em diante, como pode ver no gráfico abaixo, o número de estrangeiros a viver em Espanha subiu a um ritmo muito acentuado. Numa década, o número multiplicou-se por dez e, em 2008, já viviam mais de 5,2 milhões de estrangeiros em Espanha, representando mais de 11% da população.

O número de imigrantes a viver em Espanha registou alguma estagnação a partir de 2009e mesmo uma quebra a partir de 2012, chegando a situar-se em torno dos 4,5 milhões de estrangeiros a residir no país entre 2016 e 2018. Isto aconteceu na sequência da crise económica global, que começou em 2008 e se fez sentir com especial intensidade na Europa nos anos que se seguiram. Segundo uma resenha histórica do próprio governo espanhol, a crise afectou especialmente a população imigrante, “como consequência, fundamentalmente, da sua maior exposição a sectores que foram mais afectados pela crise económica, como a construção”.

Como recorda Blanca Garcés, “no norte da Europa, a imigração dos anos 60 e 70 foi, sobretudo, uma imigração urbana, uma imigração que ia, sobretudo, trabalhar na indústria” nas grandes cidades. Contudo, o caso espanhol apresenta algumas diferenças: “Se for a uma pequena povoação no meio de Castela, se for ao café da terra, é de uma família de origens migrantes”, explica a especialista. Se é verdade que, “numericamente”, a imigração está mais presente nas zonas urbanas, Garcés sublinha que existe uma importante presença da imigração no mundo rural espanhol, “ligada ao despovoamento” dessas zonas. Os cafés fecharam e quem é que os abriu? Os que estavam dispostos. Nos Pirenéus, por exemplo, há muita imigração, ligada a duas questões: o turismo nessa zona e o sector dos cuidados aos mais velhos.”

Blanca Garcés não tem dúvidas de que “o crescimento económico de Espanha está directamente ligado à imigração” que chegou ao país nas últimas décadas. “Se não tivessem entrado os milhões de imigrantes que entraram nos últimos 20 anos em Espanha, não tínhamos tido o crescimento económico que tivemos”, afirma. “Isso é válido tanto para os anos 2000 como para os últimos anos”, acrescenta, destacando que o recente crescimento económico de Espanha, sobretudo em comparação com outros países europeus, deve muito à imigração.

"Espanha passou a ser um país de imigração e, além disso, passou a ser um país de imigração de um momento para o outro. Até ao ano 2000, a percentagem de população nascida no estrangeiro era irrelevante, irrisória, e, em poucos anos, até 2007, 2008, aumentou e passámos a ser um país diverso." Blanca Garcés, investigadora especializada em migrações

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 O crescimento, em parte, assenta sobretudo numa série de sectores que dependem destes trabalhadores migrantes. São sectores, muitos deles, de baixa produtividade, com trabalhos precários, que os nacionais já não querem fazer: agricultura, construção, sector dos cuidados, hotelaria, sector turístico em termos gerais”, sustenta a especialista do CIDOB. “É aqui que trabalha a população migrante e a economia espanhola assenta, em grande parte, nestes sectores.”

A entrada de Espanha na CEE, em 1986 (juntamente com Portugal), na sequência da transição para a democracia, contribuiu para o desenvolvimento económico do país e, por conseguinte, terá ajudado a atrair novos imigrantes. Ainda assim, argumenta Blanca Garcés, não é aí que devem ser encontradas as principais explicações para o aumento da imigração, já que uma parte significativa dos imigrantes que vivem em Espanha tem origem noutros países europeus — Reino Unido, Itália, Roménia e Alemanha encontram-se no top-15 dos principais países de partida dos imigrantes que residem em Espanha, um processo de imigração intra-europeia facilitado pela abertura de fronteiras dentro do espaço comunitário.

Para compreender melhor o fenómeno da imigração actual em Espanha, é imperioso olhar para os principais países de origem dos imigrantes que ali vivem. Da lista, destacam-se três origens fundamentais, além de alguns países da Europa ocidental: Marrocos, Roménia e a América Latina.

Destes três, o fenómeno mais óbvio será o da América Latina: mais de 1,5 milhões dos estrangeiros que vivem em Espanha nasceram na América Central ou na América do Sul. Em traços gerais, as razões pelas quais uma boa parte dos imigrantes em Espanha tem origem na América Latina, são as mesmas pelas quais uma grande fatia dos imigrantes em Portugal veio do Brasil e dos PALOP: o passado colonial e as proximidades culturais e linguísticas.

 “Em Portugal, à excepção do Brasil, as colónias africanas tornaram-se independentes muito mais recentemente do que no caso espanhol. Temos laços coloniais muito anteriores”, compara Blanca Garcés. “Mas, acima de tudo, há a proximidade linguística, a cultura. E há uma questão fundamental: a maioria dos cidadãos latino-americanos pode entrar em Espanha, e na União Europeia em geral, sem necessidade de visto. Por isso, digo sempre que Espanha tem duas fronteiras. A fronteira sul, com Marrocos, uma fronteira fechada e cada vez mais fechada; e a fronteira atlântica, que é uma fronteira absolutamente aberta. Os cidadãos latino-americanos podem chegar a Espanha sem necessidade de cruzar nenhuma fronteira irregular. Chegam através de Barajas, chegam pelos aeroportos.”

No caso de Marrocos, que continua hoje em dia a ser o país mais representado entre a comunidade imigrante em Espanha, tem mais nuances. “Também há uma relação colonial com Marrocos, por Ceuta e Melilla e pelo Saara Ocidental”, assinala Blanca Garcés. Nos anos 80 e 90, já havia imigrantes marroquinos, por exemplo, a trabalhar na agricultura, no sul de Espanha, na Andaluzia. Por isso, aí há também um laço histórico, um movimento histórico de população.”

As coisas mudaram em 1992, quando, na sequência da integração europeia de Espanha, passou a ser exigido visto aos cidadãos marroquinos para poderem entrar no território espanhol. “Até ao ano de 1992, os marroquinos podiam entrar livremente e voltar. Entravam, trabalhavam uns meses na agricultura e voltavam. No momento em que foi imposto o visto e já não puderam voltar, muitos ficaram”, afirma Blanca Garcés. Além disso, ainda como herança das décadas em que o território marroquino esteve dividido em protectorados, entre Espanha e França, existe uma grande presença marroquina em França. “Desde pequena que via os marroquinos a cruzar Espanha no verão, para passar férias em Marrocos”, recorda a especialista. “Há todo um movimento de população, seja em direcção a França, seja a trabalhar historicamente na agricultura em Espanha, que facilitou esta imigração. Quando se fechou a fronteira com os vistos, manteve-se, seja de forma irregular ou através de reunificação familiar.”

"Os cidadãos latino-americanos podem chegar a Espanha sem necessidade de cruzar nenhuma fronteira irregular. Chegam através de Barajas, chegam pelos aeroportos." Blanca Garcés, investigadora especializada em migrações

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No gráfico dos países mais representados entre a imigração presente em Espanha destaca-se ainda a Roménia — e, em menor grau, a Bulgária.  Nos anos 2000, quando houve esta chegada importante de imigrantes, houve também muitos romenos e búlgaros que vieram trabalhar para Espanha”, salienta Blanca Garcés. “Isto, agora, é menor, porque muitos voltaram à Roménia e outros foram para outros países europeus com melhores condições laborais.”

Sentimento anti-imigração sobe e extrema-direita aproveita a boleia

Uma sondagem realizada no final de 2024 pelo Instituto 40dB para o El País e a Cadena Ser traça um retrato das percepções dos espanhóis sobre a imigração e ajuda a compreender o debate público em torno do assunto no país. Um dado que salta à vista é a diferença entre a realidade e a percepção: de acordo com a sondagem, os espanhóis acreditam, em média, que a percentagem de imigrantes a viver em Espanha é de 30,2%, quando na verdade é de 14% (considerando apenas as pessoas com nacionalidade estrangeira que nasceram noutro país) ou de 19,1% (considerando também as pessoas que nasceram noutro país e que têm nacionalidade espanhola). Mais de metade dos inquiridos (57,2%) acredita que há “demasiados” imigrantes em Espanha, enquanto apenas 25,5% acreditam que há um número “adequado” e 4,1% que há “poucos”.

Aos inquiridos foi também pedido que escolhessem, entre uma lista de 12 conceitos, aqueles que mais associam à imigração: seis eram conceitos negativos (insegurança, sobrecarga dos serviços públicos, conflitualidade social, criminalidade, desemprego e perda de identidade cultural); seis eram positivos (diversidade cultural, crescimento demográfico, tolerância, progresso económico, abertura global, inovação). Entre os seis mais votados, cinco eram negativos. Os dois conceitos mais votados foram a insegurança (30%) e a sobrecarga de serviços públicos (27%). Só em terceiro lugar surgiu um conceito positivo (diversidade cultural, com 23%), logo seguido da conflitualidade social (21%), da criminalidade (19%) e o desemprego (17%).

A fronteira com Marrocos é um dos principais pontos críticos Reduan/EPA

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Em sentido contrário, a experiência pessoal dos espanhóis em relação à imigração é muito mais positiva: a maioria dos inquiridos tem contacto com imigrantes na sua vida quotidiana, seja porque são vizinhos (75,6%), porque contactam com eles em serviços de saúde ou hotelaria (74%), em actividades de lazer (56,3%), no emprego ou estudos (51%) ou ainda no seu círculo de amigos (50,6%). Em todos esses contextos, diz o estudo citado pelo El País, a maioria dos inquiridos tem experiências positivas — até entre os eleitores de partidos de extrema-direita como o Vox e o recém-criado Se Acabó La Fiesta (SALF).

Se a maioria dos inquiridos diz que lhe seria indiferente a existência de imigrantes nos seus círculos mais próximos, há uma variação quando são questionados sobre se gostariam de que os seus filhos casassem com imigrantes: 49% veem com bons olhos ter um genro ou nora de outro país europeu, mas apenas 22,8% e 25,8% aceitariam de bom grado um genro ou nora do Magrebe ou da África subsaariana, respectivamente. Nesta questão, a diferença entre eleitores à esquerda e à direita é mais evidente.

A sondagem, cujos resultados pode ler mais detalhe aqui, revela vários dados adicionais, incluindo o facto de a perspetiva anti-imigração estar a disseminar-se especialmente entre os jovens rapazes da Geração Z, entre os 18 e os 27 anos de idade: por exemplo, 75% acreditam que os imigrantes recebem demasiadas ajudas públicas.

O El País recorda ainda o estudo recente feito pelo Conselho Europeu para as Relações Internacionais, que alertava para umaderiva perigosa rumo a uma concepção étnica da europeidade”. Segundo aquele jornal, vários episódios dos últimos meses na política espanhola mostram como essa concepção também está crescentemente a ganhar adeptos em Espanha, incluindo o caso recente em que um dirigente do Vox atribuiu erradamente um crime violento a um imigrante (viria, depois, a descobrir-se que o autor do crime não tinha qualquer ligação à comunidade imigrante) ou as múltiplas vezes que Alvise Pérez, fundador do SALF, procurou associar vários crimes ao aumento do número de imigrantes em Espanha.

"Toda a gente tem uns filhos, uma casa ou uns avós que são cuidados por uma mulher que vem de um país latino-americano. (...) De facto, todos estamos rodeados de pessoas de origem latino-americana que nos tornam a vida mais fácil." Blanca Garcés, investigadora especializada em migrações

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Entre os eleitores dos partidos da direita (PP) e da extrema-direita (Vox e SALF) — cujos líderes mais vezes repetem discursos que podem ser interpretados como anti-imigração, que vão desde a simples referência ao “efeito chamada” da política de imigração às mais radicais alegações de “invasão” —, a rejeição dos imigrantes é mais significativa: 93,4% dos eleitores do SALF e 86,1% dos eleitores do Vox acreditam que há “demasiados” imigrantes em Espanha. Entre os eleitores dos partidos da esquerda, esta percentagem situa-se em torno dos 25%.

Apesar do retrato traçado por esta sondagem, a investigadora Blanca Garcés, que tem estudado o fenómeno do debate público sobre a imigração em vários países da Europa, tem uma perspectiva relativamente mais optimista sobre a situação em Espanha — embora reconheça que existe discriminação contra os imigrantes no país.

Há discriminação, sim”, explica Blanca Garcés, sublinhando que os imigrantes “estão nos postos de trabalho mais mal pagos do mercado laboral”. Ainda assim, diz a investigadora, os imigrantes “não são considerados um problema”, sobretudo no que diz respeito à experiência pessoal dos espanhóis.Toda a gente tem uns filhos, uma casa ou uns avós que são cuidados por uma mulher que vem de um país latino-americano”, sustenta a académica. Os imigrantes, concretamente os que chegam da América Latina, “não são vistos como uma ameaça, não são vistos como culturalmente distintos, não são vistos como um problema”.

De facto, todos estamos rodeados de pessoas de origem latino-americana que nos tornam a vida mais fácil. Essa é uma das razões pelas quais a imigração, em Espanha, não tem sido um tema especialmente politizado, especialmente visto como algo negativo”, acrescenta Blanca Garcés, considerando que a visão mais positiva dos espanhóis em relação à imigração “tem a ver com o facto de esta imigração, em grande parte, vir da América Latina e ser percepcionada como culturalmente e linguisticamente próxima”. Ao contrário de Portugal, onde tem crescido o número de imigrantes oriundos da Índia, Bangladesh e Nepal, o chamado “Indostão” não surge na lista das principais regiões de origem dos imigrantesembora haja algumas comunidades significativas da Ásia, como os chineses e os paquistaneses. De acordo com Blanca Garcés, estas populações têm uma implantação considerável em alguns bairros, onde são donos de pequenos minimercados, e em profissões como estafetas de entrega de comida.

O Vox, liderado por Santiago Abascal, não surgiu como partido anti-imigração, mas adotou esse discurso posteriormente FERNANDO VILLAR/EPA

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