De quem se fala, sob a pena de meias
tintas – neste caso, por A G.. A verdade é que, ao desculpabilizar as tonterias
do Trump – meio cá, meio lá - parece atacar as cobardias europeias, o que Trump
também faz, muito mano de Putin. Mas A. G. também é europeu, afinal, certamente
que não se exclui do retrato desfavorecedor da Europa, na questão da Ucrânia.
Trump, tarifas e descontos
A América existia antes de Trump e,
apesar das previsões dos detractores mais transtornados e das ofensivas
insinuações do próprio sobre um terceiro mandato, continuará a existir depois.
ALBERTO GONÇALVES Colunista do
Observador
OBSERVADOR, 05 abr. 2025, 00:221
Às vezes dou por mim a pensar. Outras
vezes dou por mim a pensar em assuntos muito específicos e fundamentais: é preferível fio dentário ou escova
interdental? Quantas horas de filtragem são adequadas a uma piscina no
Inverno? O melhor de Mark Twain é a ficção ou o resto? A partir
de que ano o jazz deixou de prestar? Será que tolero demasiadas asneiras
de Trump por causa das monstruosidades a que ele se opõe? As respostas,
necessariamente precárias, são: não sei; duas ou três; talvez o resto; por volta de
1942; sim, tolero.
Em menos de três meses, com
resultados razoáveis ou por apurar, Trump tem exercido uma encantadora oposição
a inúmeros horrores da vida contemporânea: as políticas de “diversidade” e “inclusão”, a promoção de delírios
anticientíficos acerca dos sexos, a imigração desvairada e descontrolada, as
fraudes institucionais que são a ONU e em particular a OMS, a rebaldaria
dispendiosa da USAID e dos serviços públicos em geral, a descontracção
confortável dos demais países da NATO, a actuação solta dos terroristas de
Gaza, do Líbano e do Iémen, a legitimação do anti-semitismo
nos “campus” americanos, o
cinismo do “apoio” internacional à Ucrânia, etc. Sobretudo
notável foi o discurso de JD Vance em Munique, vinte minutos de enxovalho da
Europa nos pontos exactos em que esta Europa merece ser enxovalhada.
Admito que, em mim, o combate de Trump a tamanhas monstruosidades, seja por convicção ou
por cedência aos eleitores, distorce para cima a avaliação objectiva do
indivíduo, um faroleiro repleto de defeitos que não se devem ignorar. Obviamente
não me refiro às vítimas do Trump Derangement Syndrome (TDS), que não ignoram
os defeitos, incluindo os inexistentes. Para os pacientes de TDS, cuja maioria achava Biden um portento de
lucidez, Trump é brutalmente estúpido e sinistramente maléfico, virtudes
complicadas de conciliar e que se estendem a todos os que o rodeiam, a todos os
que votaram nele, a todos os que alguma vez elogiaram moderadamente uma decisão
dele – e àquilo em que ele toca, seja a caneta ou o lenço de assoar.
Mas é preciso sofrer da doença oposta – sugiro
Maga Patológica, expressão de que genialmente me
lembrei sozinho e de seguida verifiquei que já fora utilizada com conotação
distinta pelo meu amigo Tiago Dores – para
desprezar completamente a evidência de que não há apenas motivos de celebração. Para os fiéis, Trump é Deus Nosso Senhor, o
lenço de assoar é lindíssimo e o espirro que o precede um sinal críptico de que
Sua Divindade está a jogar xadrez em 3, ou 4, dimensões com adversários toscos
na bisca lambida. Nos EUA e por cá, os devotos de Trump padecem
da mesma cegueira que os doentes com TDS: ambos vêem as acções do homem à luz
das suas próprias fezadas, que determinam à partida o carácter prodigioso ou
catastrófico de cada acção. Os primeiros
acharão impecável que Trump atropele uma velhinha, os segundos condenam-no por
descobrir a cura do cancro.
Trump, que se saiba, não atropelou
velhinhas nem tornou obsoleta a oncologia. Por enquanto, mostrou uma
saudável vontade de demolir o edifício “woke”, motivo para que um
céptico, perdão, um moderado como eu lhe conceda sucessivos descontos. Estou disposto a descontar as atoardas alusivas ao
Canadá e à Gronelândia a título de “bluff” e estratégia de influência. Desconto a enxurrada de bombásticas e
exaustivas declarações diárias, que visam dominar a “agenda” e deleitar o autor
com os abalos que provocam. Desconto o
modo e os modos, um “estilo” que não é novidade e é escusado esmiuçar com detalhe.
Em princípio, não desconto as tarifas.
Desde 2 de Abril li e ouvi dezenas,
quiçá centenas de especialistas a propósito das tarifas apresentadas por Trump.
Custou-me arranjar dois moços que partilhassem uma tese explicativa comum das
razões pelas quais são prejudiciais, os prejuízos que podem causar e a
identificação dos prejudicados. Os especialistas dedicados a explicar
que as tarifas serão benéficas, um grupo bastante minoritário, também não se
entendem quanto à essência dos benefícios, ao processo que conduz aos
benefícios e aos destinatários dos benefícios. E ainda sobra a questão da justiça:
as tarifas são justas ou injustas? É um nevoeiro de palpites. Na
dúvida, vou pela certeza: as tarifas alfandegárias, as de Trump, as nossas e as
de quem calha, conferem poder e dinheiro aos estados. E eu, que jamais apreciei o reforço da
capacidade dos estados em controlarem a economia e açambarcarem o rendimento
alheio, não vou desatar a apreciar agora. Porém, até me disponho a descontar as
tarifas se, hipótese remota, estas forem um instrumento de negociação para
reduzir ou – milagre sublime – acabar com as tarifas. E só aí.
O que não desconto em hipótese
nenhuma, e me leva a manter um pezinho atrás, é o narcisismo
de Trump, a crença, aparentemente sincera, de que o mundo principiou com ele e
acabará com ele. Com ele, é
tudo “nunca visto”, “o maior de sempre”, “como ninguém conheceu”.
Tirando McKinley, o antecessor que cita a pretexto das tarifas, Trump parece
habitar um vácuo histórico, um lugar que a sua inigualável pessoa preenche e
esgota. A soberba não lhe permite
conceber um tempo que não seja o seu, nem entrar a noção de que a América
existia antes de Trump e, apesar das previsões dos detractores mais
transtornados e das ofensivas insinuações do próprio sobre um terceiro mandato,
continuará a existir depois – um truísmo que a vitória dos democratas em
Novembro não garantia.
Nota: Esta crónica vai de férias e eu
também. Regressamos ambos a 26 de Abril.
DONALD TRUMP ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA AMÉRICA MUNDO
COMENTÁRIOS
Alexandre Barreira: Pois. Caro AG, Com tarifas ou sem tarifas. A verdade é
que. Iste tá mesme tude fedide. E...já agora.....boas férias....!!! Albino
Mendes: Desejo boas
férias ao Alberto Gonçalves, espero que, como habitualmente, nos traga
novidades censuradas aqui no velho continente (muito pouco democrático, e cada
vez mais anti-américa). Quanto ao, continua a ser de alguém que tem pensamento
próprio. Obrigado. Albino Mendes Albino Mendes: *... quanto ao comentário, continua... Vitor Batista: Abri o artigo e vislumbrei a palavra
"Trump",e nem prosegui, a sério? você não consegue deixar de falar de
m*rda nem por um domingo? pobre Vasco Pulido Valente, deve dar voltas no túmulo
sem cessar. As suas crónicas adoeceram, vá
de férias para os States ou deixe-nos em paz. José
Paulo Castro: Muitos dos países visados por Trump fazem dumping social e económico porque
não permitem sindicatos nos seus países, o que assegura a continuação da mão de
obra barata. Nunca poderiam competir economicamente de igual para igual com o
resto do mundo ocidental mas nós, ocidentais, deixámos isso acontecer na vã
esperança de que acabasse por democratizar internamente esses países. Foi um
erro. Principalmente desde 1995, com a China. As tarifas de Trump e consequente
'desglobalização' são uma tentativa de contrapor a esse fenómeno. Sei que os
liberais adoram falar da eficiência dos mercados em competição livre, ignorando
a externalidades e defendendo a globalização. AG é alguém assim. Só que a falta
de controlo das condições internas de cada país gera uma competição que não é
livre. E o paradoxo da eficiência ("mais eficiente e barato acaba a
incrementar o produto e não a descer os custos gerais") leva à vitória das
condições internas mais 'eficientes'. É isso que está a levar à ascensão global
das economias baseadas em sistemas autocráticos e aos fenómenos associados
(mais migração, mais descontrolo ambiental, etc.). As tarifas de Trump, por
absurdas que pareçam teoricamente, são o primeiro passo real e com impacto no
travão à globalização. Que ele esteja a utilizar uma fórmula baseada nos
défices comerciais, é uma primeira abordagem a um modelo que corrige as
externalidades induzidas pelo comércio global. Não há arbitrariedade. Nada
disto surgiu sem contexto. Nada disto surgiu sem apoio democrático: ele
explicou à exaustão ao povo americano o que iria fazer, chegando a dizer que a
palavra mais bela é 'tarifa' e porquê. Vejam a história a acontecer e depois,
mais tarde, é que se tiram as conclusões. Cisca
Impllit: Está mesmo a precisar de férias Antonio
Mendes: Essa do
terceiro mandato é o Putin a gozar com o ocidente. Gozaram comigo e com o
Medeved como sendo o batman e o robin, pois agora vou fazer o mesmo com o meu
baboon amestrado. Manuel
Almeida Gonçalves: AG deve ter
enrolado e trincado a própria língua para escrever este artigo; Trump é tão
medíocre, que até os seus mais entusiasmados apoiantes concedem que não há
ângulo nenhum para o apoiar. Os nacionalismos falham sistematicamente, porque
são tão actuais como uma televisão a preto e branco, uma máquina de escrever ou
fotográfica de rolo - uma peça de museu, disfuncional para a realidade
contemporânea. Coronavirus corona > Manuel Almeida Gonçalves: De certeza que não costuma ler as crónicas de
Alberto Gonçalves. Inúmeras vezes que criticou Trump. Mas não sei se é ideia
genital um europeu criticar Trump por causa das taxas quando ainda há escassos
meses (talvez um ano) a UE aplicou taxas brutais aos carros vindos da China sem
que tivéssemos assistido a nenhuma comoção.
Liberales Semper Erexitque: Continuo na minha, o Trunfas está pior desta vez, não
sei se por ausência de pessoas próximas mais sensatas e que o aconselhem - eu
tenho uma desconfiança em relação a Jared Kushner, mas não passa disso. A idade
pode contribuir, e a megalomania do cavalheiro está fora de controle. O
estado de graça dele quase terminou, e houve um gronelandês que resumiu a
coisa num boné MAGA: Make America Go Away! Maria
Paula Silva: Bom retrato.
não sei se a Gronelândia será assim tão "bluff" quanto isso.
Veremos. Boas férias.
José Paulo Castro > Maria Paula Silva: A Gronelândia é efectivamente uma questão de
segurança para o continente americano. É a primeira linha de defesa possível na
trajectória de mísseis disparados através do Árctico com destino ao norte do
continente americano. (Isto é mais visível num globo ou num mapa centrado
no Árctico.) E a Dinamarca e Europa não a têm visto assim. Os EUA podem e
precisam de a ver assim. Tendo em conta que tem 70 mil habitantes, atribuir um
milhão a cada um, para passarem a ser cidadãos americanos, não é muito caro
assim para os EUA. 70 mil milhões não seria muito diferente do valor de
compra do Alaska aos russos (estrategicamente, a melhor aquisição de sempre dos
EUA). E os gronelandeses podem votar a independência quando quiserem: eles
e a Dinamarca têm um acordo nesse sentido. Cisca
Impllit > José Paulo Castro: Como nem tudo se compra ou vende - a inteligência
teria sido um bom aliado José
Paulo Castro > Cisca Impllit: Os gronelandeses recebem verbas directas da Dinamarca.
Querem ser independentes, como mostram os resultados eleitorais dos partidos
independentistas, e podem sê-lo desde 2009 mas essas verbas desapareciam... Como tal, a independência está ainda 'comprada', de
certa forma. Se calhar,
nós com a Madeira temos algo parecido mas não tão explícito. Cisca Impllit > José Paulo Castro: Entendo no ponto a que quer chegar, não concordando
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