Trump, cujas “démarches” na questão da
estatuária e de outras alarvidades do pedantismo antirracista em marcha, eram
imprescindíveis. Deus o conserve, por isso. Digo, como gerente do seu país,
apesar de atitudes de desdém para com os europeus, e, sobretudo, de interesse
ambicioso para com os ucranianos que finge apoiar.
Trump e História
Ao contrário do que os woke dizem não
se trata de censurar, mas de restaurar o espaço público como existia, repondo
estátuas e monumentos retirados ou demolidos, e de contrariar uma ideologia
venenosa.
JOÃO PEDRO MARQUES Historiador e romancista
OBSERBADOR, 09
abr. 2025, 00:1736
No
passado dia 27 de Março, Donald Trump assinou um importante documento que
passou despercebido no nosso país, o que é pena pois
esse documento visa pôr cobro a uma situação que tem vários pontos de contacto
com o que se passa em Portugal. Trata-se de uma ordem executiva cujo título é Restoring
Truth and Sanity to American History e
que pode ser lida aqui.
A ordem executiva constata que nos
últimos anos tem havido um esforço concertado para reescrever a história dos
Estados Unidos “substituindo
factos objectivos por uma narrativa distorcida impulsionada pela ideologia e
não pela verdade”. Nessa narrativa, o
legado nacional norte-americano de incontestável avanço nos planos da
liberdade, dos direitos e da felicidade humana tem sido transmitido como se
fosse inerentemente racista e nocivo. Em vez de
promover a unidade nacional e uma melhor compreensão do passado comum dos
norte-americanos, esse esforço para
reescrever a história acentuaria as divisões sociais e alimentaria um
sentimento de vergonha nacional, desconsiderando o progresso que a América fez
e os ideais que continuam a inspirar milhões de pessoas em todo o mundo. A referida ordem executiva visa muito em particular a Smithsonian
Institution. Considerando
que foi, no passado, “um respeitado símbolo da excelência americana”, Trump
lamenta que ela tenha vindo a promover narrativas que “apresentam os valores
americanos e ocidentais” como “lesivos e opressivos”, e acrescenta que os
museus “devem ser locais onde as pessoas vão para aprender e não para serem
sujeitas a doutrinação ideológica ou a narrativas divisionistas que distorcem a
história comum (dos norte-americanos)”.
Partindo dessa avaliação das coisas Trump decidiu incumbir o
vice-presidente Vance de, em
consonância com o Congresso, agir no sentido da “remoção de ideologia imprópria”
dos museus, centros educativos e de investigação da Smithsonian, e de recomendar acções eventualmente necessárias
para atingir esse objectivo político. Decidiu, também, ordenar ao Secretário do Interior, Doug
Burgum, que avalie se desde 2020, monumentos públicos, estátuas e similares sob
a jurisdição do estado foram removidos ou modificados “de forma a perpetuar uma
falsa reconstrução da história americana e a minimizar a importância de certos
acontecimentos ou figuras”, ou a enaltecer “ideologia imprópria”, e proceder de
forma a corrigir esses entorses.
A medida de Trump provocou, segundo o Guardian, um indignado clamor e
terá havido gente a assegurar que Trump quer acabar com a diversidade na
historiografia americana. David W.
Blight, que é
professor de estudos afro-americanos e director de um prestigiado centro de
estudos da Universidade de Yale (o Gilder Lehrman Center for the Study of
Slavery, Resistance and Abolition) escreveu
um artigo
no New York
Times no qual confessou considerar-se insultado e
provocado e disse que “a ordem não é senão uma declaração de guerra política”
aos historiadores, bem como à curiosidade de espírito de quem procure perceber
os Estados Unidos através da visita a museus e locais históricos. Blight acusou a administração Trump de
estar a adoptar o mesmo comportamento (woke) que condena e procura combater e, no Guardian, criticou Trumppor querer impor aos historiadores
americanos a forma de fazer História. Aliás, Blight comparou esta
medida de Trump às dos Nazis, dos nacionalistas de Franco, de Mussolini e dos
Soviéticos, e sublinhou que os americanos “não têm uma história oficial” que
possa ser imposta pelo poder político. No
mesmo jornal o seu colega Raymond Arsenault equiparou, quanto a níveis de ignorância
e anti-intelectualismo, essa ordem executiva ao saque de Roma pelos Visigodos
de Alarico, em 410, e considerou que ela faz lembrar um estado fascista.
Houve, também, quem
acusasse Trump de, ao
tentar remover aquilo que designou por “ideologia imprópria”, estar pura e
simplesmente a querer apagar a história negra.
Mas Blight, Arsenault e outros
críticos desta ordem executiva estão a exagerar. Se interpreto bem, a medida de Trump não os proíbe, a eles
nem a quaisquer outras pessoas, de investigar o que quiserem, e como quiserem,
nem de leccionarem o conhecimento adquirido como entenderem ou de o tornarem
público nos meios ao seu dispor. Apenas limita a deriva narrativa de
instituições e espaços que de alguma forma dependem do estado federal, seja do
Congresso, seja do Departamento do Interior. Ao contrário do que os woke dizem não
se trata de censurar, mas de restaurar o espaço público como existia, repondo
estátuas e monumentos retirados ou demolidos, e de contrariar uma ideologia
que, do meu ponto de vista, é venenosa e que não me tenho cansado de denunciar
e combater. Por outro lado, a Smithsonian Institution, que congrega actualmente bibliotecas,
centros de investigação, o Zoológico Nacional, em Washington, e 21 museus — um dos
quais é o National Museum of African American History and
Culture, criado e
dirigido em 2016 por Lonnie G. Bunch, que é, desde 2019, o presidente da
instituição — depende de uma
parceria público-privada na qual o estado federal garante mais de 60% do
orçamento. Isto significa que Trump tem, por via do Congresso, uma palavra a
dizer nesta matéria. E o mesmo se diga relativamente a uma parte do espaço
público, que está sob a jurisdição do Departamento do Interior. Também aí pode
pronunciar-se e deliberar sobre as estátuas que se removem ou repõem.
Claro
que não compete ao presidente de um país dizer o que é a verdade histórica e o
que os historiadores devem investigar, nem a que conclusões devem chegar,
e em que termos as devem expor. Sei
do que falo porque eu próprio passei, no Instituto de Investigação Científica
Tropical, por situações semelhantes e sei dar valor à liberdade académica, tal
como sei que é imprescindível assegurá-la. Mas
quando se usa essa liberdade académica para, manifesta e confessadamente,
tentar atingir objectivos políticos e para cercear a liberdade de expressão dos
outros, então ficamos num dilema ou, pior, ficamos perante um nó górdio. E, assim sendo, talvez os políticos, por
efeito de bumerangue, tenham tendência e justificação para pôr freios nessa
liberdade. Dito de outra forma, eu teria preferido e defendido que em
lugar de uma ordem executiva Trump tivesse posto em marcha uma ou várias
entidades que desencadeassem e alimentassem um confronto de ideias na esfera
pública. Mas tudo indica que, devido a anos e anos de wokismo e de vibrações
pós-coloniais essas questões estão muito inquinadas e armadilhadas nas
universidades americanas, onde as vozes que discordam dos
dogmas woke têm dificuldade em fazer-se ouvir. Assim, a ordem executiva parece ser o
caminho possível, ou pelo menos o mais expedito, para enfrentar uma séria
ameaça ideológica aos valores do Ocidente. Não vivo
nos Estados Unidos e não posso medir com rigor o proselitismo woke de Bunch e
da Smithsonian. Mas pelos ecos que aqui nos chegam, suspeito de que seja grande.
Convém, aliás, lembrar que o próprio
Lonnie G. Bunch e mais gente da Smithsonian vieram até nós divulgar a sua visão
das coisas de uma forma que critiquei aqui, aqui e também aqui.
É claro que Bunch e mais pessoas woke da
Smithsonian ou de qualquer outra procedência estão inteiramente no seu direito
de expor as suas ideias em qualquer parte do mundo livre. O que os woke não podem é fazer-se de ingénuos e de virgens
ofendidas quando os fazem engolir duas colheradas da sua própria medicina.
É que quem semeia ventos colhe tempestades e esta tempestade é muito
merecida. Digo mesmo mais: esta
medida vem confirmar o velho ditado de que Deus escreve direito por linhas
tortas e também vem bater à nossa porta.
É claro que em Portugal as coisas nunca chegaram ao ponto a que chegaram nos
Estados Unidos ou no Reino Unido. Não houve no nosso país derrube de estátuas,
apenas a manifestação do desejo de que fossem derrubadas ou removidas. O mesmo se diga relativamente ao Padrão dos
Descobrimentos ou a certas pinturas da Assembleia da República. Mas
houve, e ainda há, tentativas de cancelamento de quem não pensa pela cartilha woke,
persistentes campanhas contra os manuais
escolares e para reformular a disciplina de História nos ensinos básico e
secundário, e nos museus e em exposições temporárias certas peças museológicas
têm sido legendadas e explicadas com uma
carga marcadamente ideológica, como sucedeu, por exemplo, com uma coleira metálica para a qual a
ex-deputada Joacine Katar Moreira escreveu a seguinte legenda: “Esta peça, enquanto instrumento de desumanização e
animalização da mulher e do homem negros, é pensada e criada pelos brancos
colonialistas, reflectindo os seus próprios sistemas de brutalidade”.
É por estas e por muitas outras que,
ainda que tivesse preferido outro caminho, acho compreensível e quase
ortopédico que Trump tenha emitido esta ordem executiva. Pode ser que, desde
que não dê origem a um wokismo de sinal contrário, ela ajude a pôr alguma
razoabilidade na loucura que estava a tomar conta deste velho convento a que
chamamos civilização ocidental.
HISTÓRIA CULTURA ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA AMÉRICA MUNDO WOKISMO
COMENTÁRIOS (de 36)
Tim do A: Excelente artigo. Diz muito bem João Pedro
Marques. Rosa
Graça: Excelente. Maria
Nunes: Muito
bem Dr. João Pedro Marques.
GateKeeper: Top 10. Manuel
Lisboa: Caro
João Pedro Marques tem razão. Uma vez mais. Eu, que nada aprecio o actual e
execrável presidente dos Estados Unidos da América, reconheço que a medida
tomada repõe correcção e, sobretudo, sanidade, quanto às tradições
norte-americanas. Também concordo consigo que as chamadas "ordens
executivas" presidenciais não chegam para erradicar as falsidades,
superstições e preconceitos introduzidos pelo fanatismo woke ou lá como se chama esse conjunto de ideias sobre a
História do ocidente, género e atitudes, que procuram insinuar e impor absurdos
estúpidos e perversos; e, ao contrário do que clamam os defensores desses novos
dogmas, não se trata de defender a diversidade, sim de corromper instituições,
ciência e normas de sociabilidade existentes. Apenas mais duas observações.
Não há História afro-americana. Aliás, trata-se de um conceito profundamente
racista, pois induz a ideia de inferioridade ou superioridade. Afasta à partida
os princípios de constante complementaridade e de interacção entre os
habitantes do mesma área geográfica, os principais denominadores comuns das
sociedades daqueles imensos territórios, que chamaram "novo mundo",
independentemente da cor da pele e apreciações valorativas. A História de
África existe e é tão ou mais complexa que, por exemplo, a História da Europa
Ocidental; e também há História da América, que não se reduz aos Estados
Unidos. Quanto a este último país, os escravos negros que lá chegaram
passaram a fazer parte integrante do seu devir. Não há duas histórias: uma
branca outra negra, após o início da colonização britânica de parte do
respectivo território e, mais tarde, o início do hediondo comércio de escravos.
Nos Estados Unidos, como no restante continente americano existe sim, de
maneira autónoma, a História dos Ameríndios pré-colonial. O conceito
afro-americano, histórica e culturalmente, não faz sentido. Manuel
Magalhaes: Apoiado!!! JM
Azevedo: Nem
tudo o que vem do Trump, é mau. Muito bom. João
Floriano: « .........contrariar uma ideologia que,
do meu ponto de vista, é venenosa e que não me tenho cansado de denunciar e
combater.» E que
esse combate possa continuar por muitos e profícuos anos. Infelizmente, eu que
não sou dado a profecias, vejo neste caso uma longa luta. Os wokes não
vão desaparecer por decreto presidencial e neste aspecto dou razão a João Pedro
Marques quando diz que o ideal seria uma amplo debate e ampla informação sobre
o que o wokismo pretende fazer com a História Americana. «Não há machado que
corte a raiz ao pensamento» cantava Manuel Freire e o wokismo na História é
pensamento: distorcido, venenoso, mentiroso, mas mesmo assim pensamento.
Temo que no futuro volte tudo ao mesmo ou ainda pior. Coxinho: Todo o meu acordo. JPM igual a si mesmo, a bem dos leitores. Miguel
Magalhães: Bravo,
João Pedro. Subscrevo e publiquei Vasco
Silveira: Caro
Senhor Agradeço e felicito o oportuno, e corajoso, artigo, que critica, para
mim com toda a razão, mas não destrói nem proíbe, nem apela a isso. O The
Guardian criticar Donald Trump, é absolutamente expectável; já o The Economist
ter anunciado em Outubro o programa de governo que Kamala aplicaria no
"sua" administração, e ter (anti) Trump como matéria preponderante em
todos os números, é bastante grave; também(quase) nunca viram problema ( até ao
desastre do debate com Trump) na "liderança" de um Biden que não
encontrava o caminho por onde tinha vindo, na "sua" casa. As pessoas
não elegeram Trump: apenas votaram em alguém que estava contra a destruição
do seu mundo, da sua história, dos seu valores, como Biden, e a Kamala, que nem
sabiam que o estavam, por incapacidade/degenerescência, e por incapacidade
intelectual ( Kamala!). Cumprimentos Amandio
Teixeira-Pinto: Levanto
aqui, e em relação a pequenas nuances do artigo e da nossa "sempiterna"
compreensão, a seguinte questão: - será que temos de ser tolerantes com quem
pratica claramente a intolerância? Não é exactamente isso que eles (os wokes
agressivos e incendiários) querem da nossa parte? Que aceitemos o wokismo com espírito de diálogo e de
colaboração?. Esta gente quer destruir-nos, simplesmente, des-truir-nos. Não
esperem que seja tolerante quanto a isso. Carlos F. Marques: Parabéns pelo artigo. José
Cortes > unknown
unknown: Pois
sim, se queremos uma anulação de efeito, temos de colocar carga de igual força
e sinal contrário. Senão, só atenua o efeito negativo, ele fica lá na
mesma Miguel
Macedo: Muito
bem! Como sempre!
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