quarta-feira, 9 de abril de 2025

Alerta está!

 

Uma boa lição de orientação sobre a política económica, por um Ex-Ministro da Economia, Coordenador do Observatório de Políticas Económicas e Financeiras da SEDES, CARLOS TAVARES, oxalá a lessem e interiorizassem os responsáveis pelas políticas económicas do nosso país.

A qualidade do crescimento económico

O tempo necessário para a produção dos efeitos positivos das reformas estruturais não é uma razão para as adiar, antes para as iniciar o mais depressa possível. E também para as manter duradouramente.

CARLOS TAVARES Ex-Ministro da Economia, Coordenador do Observatório de Políticas Económicas e Financeiras da SEDES

OBSERVADOR, 08 abr. 2025, 00:166

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Os motores do crescimento

Todos os anos assistimos à discussão do crescimento económico na base das décimas acima ou abaixo das previsões e à celebração das pequenas vitórias de crescimentos ligeiramente superiores à média comunitária. Ao mesmo tempo, tem-se olhado muito pouco para a qualidade do crescimento, tendo em conta os seus factores e a sua sustentabilidade. Por isso, vale a pena olhar para as componentes da procura (Consumo Privado, Consumo Público, Exportações e Formação Bruta de Capital Fixo) que impulsionaram o crescimento nos últimos 10 anos, conforme explicitado no gráfico seguinte.

Fonte: AMECO, INE e cálculos do autor

Na sequência do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (Troika), em 2015 foram as exportações que deram o principal contributo para o crescimento do PIB (47%), seguidas do consumo privado (35%). O que se compreende como consequência dos efeitos da contracção da procura interna no quadriénio anterior, que levou as empresas exportadoras a procurar mais os mercados externos. Já no ano seguinte, o aumento dos rendimentos das famílias permitiu que fosse o consumo privado o principal responsável pelo crescimento (52%), seguindo-se as exportações (40%). Nos anos que se seguiram, estas duas componentes foram alternando de importância, sendo que em 2019 a importância do consumo privado voltou a superar os 50%. Na retoma de 2021/22 as exportações foram dominantes, mas nos dois últimos anos o consumo privado voltou a ganhar importância, estimando-se que tenha sido a componente mais forte em 2024.

Porventura o aspecto mais preocupante destes 10 anos é o quase insignificante contributo do investimento para o crescimento. Se exceptuarmos o ano de 2017 – em que o contributo do investimento foi de 23% –, só em três anos esse contributo ultrapassa os 10%, sendo mesmo, nos três últimos anos, inferior ao contributo do consumo público, que ganhou maior expressão a partir de 2019.

A importância assumida pelas exportações, sendo inegavelmente positiva, não pode fazer esquecer alguns pontos relevantes. Desde logo, o grande peso que teve o sector do Turismo na retoma pós pandemia, influenciando quer as exportações, quer o consumo privado. As exportações ligadas ao Turismo representavam quase 23% do total em 2019, tendo esse valor caído para metade em 2020, recuperando depois até 2023 para um valor estimado próximo do de 2019. O sector do Turismo foi responsável por 60% do crescimento do PIB em 2022 e por quase metade em 2023, sendo provável que 2024 não tenha sido muito diferente. Por outro lado, o mais recente Índice de Complexidade Económica das Exportações, publicado pelo Harvard Atlas of Economic Complexity, continua a reflectir uma fraca classificação de Portugal (40º lugar, tendo atrás de si na UE apenas Grécia e Chipre), com perda de quatro posições nos cinco anos mais recentes. O que levanta de novo a questão do valor acrescentado nacional contido nas exportações portuguesas que, por ser relativamente reduzido, não tem permitido que o elevado crescimento do volume exportado se tenha reflectido em ritmos mais fortes de aumento do PIB.

Investimento: a quantidade e a qualidade

O fraco peso do investimento no crescimento do PIB é inegável fonte de preocupação. Portugal tem um stock de capital líquido por pessoa empregada que é já menos de metade do valor médio da Área Euro e que tem vindo a cair desde 2015. Tal tem contribuído inevitavelmente para o défice de produtividade, que persiste em valores próximos dos 35% face à média da UE.  Nos últimos 10 anos, o stock de capital líquido cresceu apenas 0.2% em média anual, o que significa que o investimento quase se limitou a compensar as amortizações.

Acresce que, em 2020, cerca de 89% do stock de capital da economia correspondiam a Construções, representando as Máquinas e Equipamentos cerca de 8%. Mesmo excluindo do stock de capital a parte das Construções representada pela Habitação (cerca de metade), o peso das Máquinas e Equipamentos não vai além dos 13%, continuando a Construção (não habitacional) a representar cerca de 80%. Os últimos quatro anos podem indiciar alguma correcção, na medida em que o peso da Formação Bruta de Capital Fixo em Equipamentos ascendeu a cerca de 40% do total, ainda assim minoritário face ao peso de 60% da Construção (20% residencial e 40% não residencial).

Para além do fraco volume de investimento e da quase estagnação do stock de capital, a chamada produtividade total dos factores, que reflecte essencialmente o progresso tecnológico, também teve, na última década, um crescimento médio anual de apenas 1%. Não sendo este valor significativamente diferente do que encontramos em média na UE – jgualmente pouco brilhante neste domínio -, a verdade é que encontramos casos como a Roménia ou a Irlanda com crescimento médio anual daquela medida de produtividade de respectivamente 1,8% e 4,6%.

Uma variável que deve merecer especial atenção é o chamado produto potencial, que corresponde à produção que pode ser conseguida com o pleno emprego dos factores (capital e trabalho) e a tecnologia existente. Nos últimos 10 anos aumentou a disponibilidade do factor trabalho, mas a fragilidade do stock de capital e da produtividade total dos factores não permitiu que o crescimento do produto potencial vá além de valores da ordem dos 2% (segundo as projecções da Comissão Europeia).

Além disso, o PIB tem sido, desde 2017 (com excepção do período da pandemia 2020/2021), superior ao PIB potencial, significando que a capacidade produtiva está no seu limite (ou mesmo ultrapassada), apesar de níveis de crescimento relativamente modestos. Nestas circunstâncias, as políticas de crescimento baseadas na expansão do consumo e/ou de exportações de baixo valor acrescentado nacional tendem a gerar inflação e/ou importações mais elevadas. Conhecemos bem situações deste tipo, que resultaram na necessidade de intensas políticas de ajustamento, que rapidamente eliminaram os ganhos aparentes conseguidos.

A via para melhor crescimento

O caminho só pode estar na concretização das reformas estruturais que promovam o aumento significativo do PIB potencial. Tivemos prova disso com o programa reformista dos governos de Cavaco Silva que não só assegurou um crescimento real do PIB de 4% em média anual na década 1985/1995, como permitiu que até 1998 o crescimento do PIB potencial se mantivesse da ordem dos 3,5 a 4%. No período subsequente, a ausência de reformas compatíveis com a adesão ao Euro levou a uma queda persistente do crescimento do PIB potencial, só invertida a partir de 2013. O Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (Troika) criou condições para uma recuperação progressiva dos níveis de crescimento do PIB potencial sem, todavia, ultrapassar significativamente a barreira dos 2%. Em grande medida isso resultou do facto de a componente estrutural do Programa não ter sido completada e de parte da realizada ter sido ainda revertida pelos governos seguintes.

O problema é que as reformas estruturais têm de ser concebidas e realizadas com um horizonte temporal de médio e longo prazo pois, normalmente, os efeitos não são imediatos. Assim se passou com as reformas efectivamente realizadas em 2002/2003 pelo Governo de Durão Barroso, que não puderam fazer mais do que travar a queda do PIB potencial em 2004, logo retomada nos anos seguintes por força da não continuação e da reversão da maioria das reformas lançadas.

O tempo necessário para a produção dos efeitos positivos das reformas estruturais não é uma razão para as adiar, antes para as iniciar o mais depressa possível. E também para as manter duradouramente na direcção certa.

CRESCIMENTO ECONÓMICO     ECONOMIA

COMENTÁRIOS

maria santos: Na sequência da bancarrota do Sócrates, o PSD teve de lutar com Pedro Passos Coelho pela excelência governativa dos tempos de Cavaco Silva, sob pena de morte lenta das classes médias. Hoje o PSD de Montenegro retomou a insuficiência maneirinha de Rui Rio, Guterres, António Costa, PNS, Alexandra Leitão, José Seguro, Fernando Medina, etc, etc, etc. Irá perdurar no pós 18/Maio ? Com António Costa a morte lenta das classes médias voltou e perdura. Temos pena e temos tempo.                 Tem Dias: Obrigado Carlos Tavares por esta tentativa de trazer a discussão politica que importa. Seria útil que colocasse em forma de questões para que os srs jornalistas as colocassem nas várias entrevistas eleitorais. Como a discussão de um aeroporto megalómano com um TGV a desviar por Alcochete bem mostra, não temos outra história que não Turismo e outras actividades de baixo valor acrescentado. Como bem mostra o programa do PS (e veremos se o PSD(ois) tbm não o fará), só temos história de gastar e distribuir e não de criar riqueza.     Futari Gake: Durão Barroso geriu a sua agenda pessoal como Costa, de reformista nada teve, serviu-se de Portugal e dos portugueses e depois abandonou o barco em proveito próprio. Mesmo Cavaco na última fase do governo rodeou-se de gente sem princípios, fez obra mas poderia ter feito muito mais e neste caso o relativismo não deve contar para comparar, o mal com o mal menor.        Francisco Almeida > Futari Gake: Comparar a saída de Durão Barroso com a de Costa, revela uma ignorância profunda. As circunstâncias foram substancialmente diferentes.                    Carlos Chaves: Caro Carlos Tavares, obrigado pelos números que aqui nos trouxe! A realidade é esta, o PPD/PSD sempre teve governos reformistas, os de Cavaco Silva que aqui mencionou foram os que tiveram maior sucesso em democracia na transformação do nosso país, seguido do governo de Pedro Passos Coelho e de Francisco Sá Carneiro devidamente contextualizados no tempo. O problema é que a seguir a termos estes governos sempre vieram governos socialistas, que reverteram as reformas que o PPD/PSD foi implementando! Ou seja, temos fazedores e temos destruidores, o resultado nunca pode ser fantástico! Enquanto não nos livrarmos do socialismo, iremos continuar nesta cepa torta!       P.S. É justo mencionar o CDS, que também contribuiu para o espírito reformista a que o PPD/PSD nos habituou.                             Tim do A:  Com este centrão não vai haver reformas nunca. Vamos continuar pobres e contentes. O português tornou-se assim. Pobre e contente. Até diria mais. Com esta democracia vamos ser eternamente pobres. Só faremos reformas quando vier uma nova troika, para depois as desfazermos logo a seguir. Porque temos de continuar pobres e contentes.

 

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