Hoje: JAIME NOGUEIRA PINTO. Tal como
esses outros de há 641 anos, e sobretudo o da chefia, Nun’Álvares.
Ou mesmo só o João das Regras do saber
desassombrado, defensor de um “Mestre de Avis” para rei de um trono então
vazio. Também JAIME NOGUEIRA PINTO será lembrado um dia, pelo seu arrojo de
relembrar o passado heróico, na tentativa de fazer o país, hoje amorfo, retomar
a via do nacionalismo, mesmo sem o orgulho daqueles outros tempos, de
renascimento e glória, de cruzada dilatadora posterior. Ao recordar Atoleiros,
JAIME NOGUEIRA PINTO pretende arrojadamente libertar o país do actual atoleiro.
Sem esperança, contudo, no seu discurso subentendidamente apelativo, de um
patriotismo real, mau grado o cepticismo. Sim, herói verdadeiro. De um hoje pueril
e tantas vezes infame.
A batalha pela independência: Atoleiros,
6 de Abril de 1384
O interessante é há seis séculos e meio ter surgido neste extremo da
Europa um movimento de gente de todos os grupos sociais e chefes capazes de
vencerem nos campos de batalha e nas cortes de Coimbra.
JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 05 abr. 2025, 00:1850
Não eram um grande exército, os 300 cavaleiros e os 100 besteiros,
mais um milhar de peões. E também não eram muito experimentados na guerra.
Mas era o que havia e o novo fronteiro
que trouxera aquela hoste de Lisboa não teve dúvidas em, mesmo assim, dar
batalha aos invasores.
Os castelhanos eram aí uns mil cavaleiros, mais uns 4000 infantes. E
os chefes eram Sancho de Tovar, Juan Alonso de Guzmán, o mestre de
Alcântara, e o próprio irmão mais velho do Condestável português – Pedro
Álvares Pereira, mestre do Hospital. Os manos mais velhos do novo
fronteiro andavam com Castela e não
deixavam de mandar tentadores convites a Nuno para que se passasse para o lado
correcto, o do direito
internacional dinástico, que seria muito bem recebido e recompensado. E isso
criara até, para fúria do Condestável, alguma suspeição entre os portugueses
sobre a sua lealdade. Eram outros tempos, ainda não tinha raiado a
luz do progresso, da razão e da democracia sobre aquela proto-populista “idade
das trevas” onde, na percepção dos comuns, os de cima punham os interesses
próprios e os da família à frente do bem público; por isso todos estranhavam que
Nun’Álvares não integrasse a que parecia, à partida, a facção vencedora.
Os castelhanos preparavam-se
para cercar Fronteira, que tomara o partido do
mestre de Avis. O
Condestável escolheu uma posição vantajosa, próxima da vila. Ali
mandou apear a cavalaria e organizou um dispositivo militar, com as lanças e
besteiros fechando o quadrado. Teria conhecimento das batalhas em
que, nesse mesmo século XIV, os infantes apeados tinham vencido a cavalaria
feudal? Havia algumas, como Courtrai (11 de Julho de 1302), em que os plebeus
flamengos tinham derrotado os cavaleiros franceses de Filipe, o
Belo; e doze anos depois, em 24 de
Junho de 1314, os cavaleiros ingleses em Bannockburn
tinham sido vencidos pelos lanceiros escoceses apeados de Robert
Bruce; no ano seguinte, em 15 de
Setembro de 1315, fora a vez do duque Leopoldo da Áustria ver em Morgaren a
sua cavalaria massacrada pela infantaria suíça; e depois tinham sido as batalhas
decisivas da Guerra dos Cem Anos, a guerra franco-inglesa, em que os ingleses
tinham derrotado sucessivamente os franceses, bem mais numerosos, graças às
forças de infantaria apeada, mas também, e sobretudo, aos arqueiros, munidos
dos arcos grandes ingleses, com uma cadência de disparo muito superior à das
bestas – em Crécy, em 1346, e em Poitiers, dez anos depois, combates em que se ilustrara Eduardo, o
Príncipe Negro.
Do patriotismo dos historiadores
Nun’Álvares, nos Atoleiros, repetiu a
táctica com grande sucesso. As narrativas que temos da batalha cedem aqui e ali ao “partidarismo”
dos dois historiadores que as lavram, o castelhano Pedro
Lopez de Ayala e o nosso Fernão Lopes
(talvez uma outra característica exclusiva da facciosa “idade das trevas”). Ayala
mal fala dos portugueses, refere-se a Nun’Álvares por “ele” (“pelearan com él”) e atribui a derrota dos seus à “la mala ordenanza que ovieran”. E chega mesmo a arranjar um expediente para
dar a entender que a vitória dos portugueses não fora assim tão grande vitória,
pois os castelhanos, no final, tinham reagido, evitando que os
perseguissem.
Fernão Lopes é mais explícito: Nun’Álvares
tinha o dispositivo defensivo bem articulado e esperou a carga de cavalaria
pesada com que os atacantes queriam lançar o terror entre os portugueses. Mas
estes permaneceram firmes nos seus postos, de lanças em riste, numa muralha de
ferro intransponível, contra a muralha móvel a cavalo. Era o choque clássico a que, ainda durante a cavalgada, os besteiros
acrescentavam os disparos de frechadas contra os que “carregavam”. E ao
chegarem à parede de lanças que os esperava, os atacantes espetaram-se ali, sem
remissão.
Segundo o cronista português, os
mortos inimigos seriam 117, entre os quais o mestre de
Alcântara. Lopes
parece não admitir baixas na hoste portuguesa, omissão de que temos o direito de desconfiar, mesmo sem os sofisticados
mecanismos de fact
checking e os isentos comentadores de
que hoje dispomos.
Lopes continua também a refutar, sem nomear o autor, a versão de Ayala
sobre a resistência final dos castelhanos aos ataques portugueses,
dizendo que eles “fugiram em vários sentidos e direcções”.
Com a vitória portuguesa dos
Atoleiros, em 6 de Abril de 1384 – faz amanhã, domingo, 641 anos
–, ficou neutralizada a força
castelhana que pretendia avançar pelo Alentejo e envolver Lisboa pelo Sul –
Lisboa que, na altura, já estava outra vez a ser cercada.
O trio maravilha
Escrevi, por ocasião da canonização do beato
Nuno de Santa Maria, uma biografia do “cavaleiro-monge”
e Santo Condestável de Portugal. É uma figura chave da nossa
História; um dos integrantes, com o Mestre e
João das Regras, do “trio maravilha” a que ficámos a dever a nossa
independência política.
Neste tempo em que, depois da vaga globalista e mundialista
pós-Guerra Fria, as grandes potências reconstituem uma nova ordem geopolítica
assente na Realpolitik dos interesses nacionais, não
podemos deixar de reconhecer o pioneirismo e a originalidade da revolução
portuguesa de há mais de seis séculos. Porque
foi disso que se tratou, de uma revolução que pôs em causa a ordem
internacional dinástica – que legitimava como sucessor ao trono de Portugal D.
João de Castela, casado com a filha única de D. Fernando, Dona Beatriz –, em
nome de um valor novo, de um sentimento de “identidade nacional” que reagia à
entronização de “um rei estrangeiro”.
E convém recordar que a revolução foi interclassista. A
historiografia marxista, manipulando algumas passagens de
Fernão Lopes, tentou passar uma versão “luta de classes”
da revolução – nobreza versus povo, os grandes contra os comuns –, mas José Mattoso e Maria José Pimenta
Ferro vieram demonstrar que qualquer dos dois partidos – o
“português”, o do mestre de Avis, de Nun’Álvares e de João das Regras, e o “estrangeiro”,
o de Castela –
tinha apoiantes entre a nobreza, a burguesia e o povo.
Talvez em diferentes proporções, mas tinha. Houve, por isso, divisões
transversais; regra geral, os
chefes das casas, os filhos mais velhos, ficaram com a legalidade,
com Castela; e os bastardos e os filhos segundos, com o Mestre de Avis;
os burgueses e o povo de Lisboa e do
Porto também estavam maioritariamente com o Mestre e outros seguiam o
pronunciamento das terras e castelos.
O que é interessante é que há
quase seis séculos e meio tivesse surgido na ponta extrema da península hispânica, neste extremo
ocidental da Europa, um movimento com gente de todos os grupos sociais que
encontrou chefes capazes de vencerem nos campos de batalha e nas cortes de
Coimbra.
Depois, conquistada a independência e sob a chefia da
dinastia de Avis, os portugueses buscaram um espaço vital nas viagens
atlânticas e no controlo do Índico, não se limitando à exploração económica dos
recursos mas exportando o Estado, no que
foram pioneiros.
E com a desgraça de Alcácer Quibir e o fim da aventura, o trono caía
outra vez nas mãos do rei dos vizinhos. Quando acordámos – graças à
“espanholização” forçada de Olivares, ajudados pela conjuntura europeia e
guiados pela vontade dos conjurados de 1640 – retomámos a independência e
consolidámo-la em batalhas que vencemos, outra vez, em desvantagem. E
recuperámos parte do Império.
Império que perdemos de vez há
cinquenta anos, voltando à “pátria de novo pequena”. Uma pátria em que já
poucos, entre as elites, valorizam a independência, e em que a pequenez está
cada vez mais longe de ser só geográfica.
A Sexta Coluna HistóriA Cultura
COMENTÁRIOS (de 50)
Carlos Chaves: Muito
simplisticamente não fosse gente desta como o “trio maravilha”, e claro quem
lutou efectivamente, e há muitos séculos que estaríamos a falar Castelhano e
com a capital em Madrid! “Império que perdemos de vez há cinquenta anos, voltando
à “pátria de novo pequena”. Uma pátria em que já poucos, entre as elites,
valorizam a independência, e em que a pequenez está cada vez mais longe de ser
só geográfica.” Epílogo sublime, obrigado Jaime Nogueira Pinto.
Tim do A > Nuno
Borges: Sem dúvida. Muitos vendidos à cobiça dos
estrangeiros (sobretudo da cobiça dos americanos e dos soviéticos), outros
apenas idiotas úteis analfabetos primários.
João Floriano: « ..........e em que a pequenez está cada vez mais longe de ser só
geográfica.»
E aqui é que está o verdadeiro problema.
Portugal tinha tudo ( não sei se ainda terá, porque ando derrotado pelo
pessimismo) para ser um país grande, mesmo que geograficamente pequeno. Tal
como os homens, os países não se medem aos palmos. O que nos trouxe até esta
pequenez e vil melancolia? Eu diria que foram 50 anos de comunismo e
socialismo. Nunca deram bom resultado ou criaram sociedades justas,
democráticas e felizes. porque havia de ser diferente aqui no extremo ocidental
da Europa?
Nuno Borges > António
Costa e Silva: os maiores foram os capitães de abril.
Manuel Lisboa: Excelente
memória e ideia recordar a notável vitória portuguesa na Batalha de Atoleiros.
No entanto, nota-se desilusão. Amargura. Compreende-se. Principalmente, quando
se observam os tempos de hoje e se evocam figuras ímpares portuguesas como Dom
Nuno Álvares Pereira (um dos avós da Dinastia de Bragança) ou o João das Regras
e, claro, o Rei de Boa Memória, Dom João I (o outro avô da Dinastia de
Bragança); e ainda, mais tarde, os "40 conjurados", cuja coragem e
capacidade de decisão talvez só encontre paralelo na ficção de Alexandre Dumas
nos Três Mosqueteiros. Pois é, o passado dos heróis parece cada
vez mais longínquo. E fiquemos por aqui.
Pedro Pereira: Felizmente
haja alguém com coragem para afrontar todos aqueles que nos dias de hoje, sob a
capa de especialistas ou "pecialistas", deturpam a história e a
manipulam em prol de uma ideologia. Não há maior manipulação do que tornar a
história ideológica. É como a arte, que nestes dias, é mais uma forma de
propaganda mediático-ideológica dos menos capazes e talentosos, seja na
literatura, seja na música ou em qualquer outra forma de expressão artística.
António Costa e Silva: "...Também dos portugueses alguns
traidores houve algumas vezes.
Nuno Borges: Venceram
porque não estavam organizados em partidos. Nem havia democracia.
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