Refiro, naturalmente, o tributo abonatório do meu título, não ao PAPA
FRANCISCO, mas aos que tão bem souberam compreendê-lo, quais são os líderes dos vários
partidos daqui, segundo exprimiu, magnificamente MIGUEL PINHEIRO, no seu texto,
impecável de visão “apologética” sobre as tais bondades partidárias.
O meu Papa
Francisco é melhor do que o teu
Há poucas coisas mais deprimentes do que assistir a políticos a pedirem
votos em funerais. Para atribuírem ao Papa um cartão partidário póstumo,
partiram, torceram e espremeram o seu pensamento.
MIGUEL PINHEIRO
Director executivo do OBSERVADOR
OBSERVADOR, 26 abr. 2025, 00:221
Nós já sabíamos que a Igreja Católica lida
com os mistérios da omnipresença, da omnisciência e da omnipotência — mas agora
aprendemos que alguns pretendem que ela também consiga ser capaz de realizar o
milagre da omnimilitância. É que, esta
semana, percebemos que, depois da morte, o Papa Francisco tornou-se,
simultaneamente, militante do Bloco
de Esquerda, do PS, do PCP, do PAN do Livre e do Chega.
A líder do BE gravou
um vídeo, com fundo negro, em que lembrava, pesarosa, todas as “causas” em que
o Papa Francisco, modestamente, concordava com Mariana
Mortágua: “Nos
últimos dias de vida, exigiu o cessar-fogo em Gaza e opôs-se à corrida ao
armamento. Condenou o ódio contra imigrantes e a ‘economia que mata’”.
No fim, revelava, só faltando benzer-se, ainda que metaforicamente: “Crentes ou não crentes, a todos Francisco
deu esperança. A mim, certamente deu”. Ouvindo isto, uma pessoa dá por si, de
facto, a imaginar o Papa num acampamento do Bloco. Só se fica com pena que Mariana Mortágua se tenha
esquecido de referir naquele curto vídeo a posição de Francisco sobre a ideologia de género. Em 2024, o
Papa afirmou que se trata da “mais feia ideologia do nosso tempo” porque
pretende apagar todas as diferenças entre o homem e a mulher e, ao fazer isso,
“apaga a humanidade”. Para Francisco, as cirurgias de mudança de sexo são “uma grave
violação da dignidade humana” porque “rejeitam os planos de Deus para a vida”.
Mais: o Papa insurgiu-se contra a “colonização ideológica” feita por todos
aqueles que explicavam as cirurgias de mudança de sexo às crianças. Tendo em
conta tudo isto, entende-se com facilidade porque é que Francisco “certamente
deu esperança” a Mariana Mortágua.
Pedro
Nuno Santos, que tem
lembrado em todos os debates televisivos que precisa de encontrar em algum lado
os 50 mil votos que lhe faltaram para vencer as últimas eleições, também viu aqui uma oportunidade. Por isso, apressou-se a explicar aos eleitores que o Papa foi “um
crítico do populismo” e “um crítico do liberalismo”. O líder do
PS teve a prudência de esquecer que Francisco também foi, por exemplo, um crítico
do aborto. O Papa insistiu repetidamente que “a criança por nascer representa, no seu
sentido mais profundo, todos os homens e todas as mulheres que não contam, que
não têm voz”. A nossa obrigação, aconselhou, é criar uma “civilização de amor” que liberte as mulheres “das
pressões que as empurram para não terem as suas crianças”.
O
PCP, com
solenidade, publicou uma nota onde elogiava o Papa pela sua “defesa dos direitos económicos e sociais e
de justiça para os excluídos desta sociedade ‘submetida a interesses
financeiros’”. É
interessante ler isto porque, na realidade, Francisco afirmou que “o consumismo e o comunismo têm em comum
uma falsa ideia de liberdade”, lembrou que “o comunismo foi
imposto aos povos” e avisou que “a ideologia marxista está errada”. Teria sido
educativo se o texto dos comunistas portugueses tivesse uma adenda com aquilo
que o Papa escreveu há uns anos: “Depois
da queda do ‘socialismo real’, estas correntes de pensamento sobreviveram por
inércia, mesmo que hoje em dia haja quem, de forma anacrónica, proponha
novamente a sua aplicação”.
No
PAN, Inês Sousa Real levantou-se da
cadeira para proclamar que Francisco foi um defensor
dos “direitos dos animais”. E foi. Mas, em 2024, duas “activistas” do grupo
radical PETA, que entendiam que aquela defesa não era suficiente, interromperam uma audiência do Papa no
Vaticano com cartazes onde se lia “As touradas são um pecado” e exigindo que
Francisco as condenasse. No mesmo ano, outra “activista” atirou-se à frente de um carro que transportava o
Papa no Luxemburgo ao mesmo tempo que gritava: “Parem a tortura dos touros”.
Como Inês Sousa Real saberá, apesar destes protestos exóticos Francisco nunca falou sobre as touradas.
Já Rui Tavares explicou-nos (ele está
sempre a querer explicar-nos alguma coisa) que “foi sobre Gaza que Francisco mais incomodou os situacionistas”. Também
podia ter lembrado outro tema actual
em relação ao qual o Papa “incomodava”. Por estes dias, o Tribunal Constitucional
português chumbou mais uma tentativa de legalizar a eutanásia. Foi há
pouco tempo que Francisco afirmou que, diante dos “efeitos trágicos da
guerra, da violência e da injustiça de vários tipos, é muito fácil ceder à
tristeza e até mesmo ao desespero”, mas que, “como membros da família humana, e sobretudo como crentes, somos
chamados a acompanhar, com amor e compaixão, as pessoas que lutam e se esforçam
para encontrar motivos de esperança”. E acrescentou que a eutanásia
“é muitas vezes falsamente apresentada como uma forma de compaixão” e é “um
fracasso do amor”. Rui
Tavares terá dificuldade em entender isso, mas para
o Papa havia uma mesma linha a unir a condenação da guerra, da injustiça e da
eutanásia.
Sobra, claro, André
Ventura. O líder do
Chega regozijou-se com “a marca
inspiradora” deixada pelo Papa,
esquecendo que as posições de Francisco sobre imigração e as críticas aos
problemas do capitalismo o tinham levado há não muito tempo
a, copiando os seus correlegionários estrangeiros, considerar que o Papa tinha
“prestado um mau serviço ao cristianismo” por, supostamente, “ter mostrado a
esquerda revolucionária quase como heróica e a esquerda europeia marxista como
a normalidade”.
Para atribuírem a Francisco um cartão
partidário póstumo, estes líderes políticos partiram, torceram e espremeram o
pensamento do Papa, preservando o que lhes interessava e descartando o que os
incomodava. Há poucas
coisas mais deprimentes do que assistir a políticos a tentarem conseguir votos
em funerais. Mas, como dizia um ex-primeiro-ministro
português muito católico, “a vida é o que é”. E, pelos
vistos, a morte também. Por isso, foi
preciso ter muita paciência para suportar esta semana. Ou, se quisermos imitar
a apropriação que os políticos fizeram, foi preciso ter uma paciência de santo.
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COMENTÁRIOS
Maria Paula
Silva: É deste pragmatismo que gosto em MP.
Por isso, oiço diariamente o Bom, o Mau e o Vilão. Curto, sintético e
elucidativo. Assim como não tenho visto "debates políticos" nenhuns
(porque imagino que os politecos actuais não têm nada de novo a dizer), também
não me tem interessado ver ou ler notícias sobre a morte do Papa. Morreu, como
todos vamos morrer. O aproveitamento pulhítico da morte de alguém é vergonhoso.
Não sei se é possível chegar mais baixo. Mas os politecos actuais parecem-me
todos um pouco esquizofrénicos. Deve ser impressão minha. Gostei muito do
artigo.
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