Jaime
Nogueira Pinto. Na defesa dos valores sadios universais da moralidade humana.
A paixão pela vida de João Paulo II
João Paulo II concentrou-se na luta contra a elite
hedonista que passou a governar o Mundo, defensora de um globalismo comandado
pelos “mercados”, um mundo supermercado desvalorizador da ética e moral
JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do
Observador
OBSERVADOR, 12
abr. 2025, 00:1823
Foi em 25 de Março de 1995, há 30
anos, que o papa João Paulo II proclamou a encíclica Evangelium Vitae sobre o valor e a inviolabilidade da vida
humana. Este documento pontifício,
condenando o aborto e a eutanásia,
vinha enquadrado pela Veritatis
Splendor e pela Fides et Ratio,
constituindo uma tríade pedagógica para os católicos, para os cristãos e para
todos os homens e mulheres de boa vontade. Tinha já
um antecedente importante na Humanae
Vitae, de Paulo VI, de 1967, em cuja redacção Karol Wojtyla, então
bispo, participara.
O documento respondia a uma
ofensiva dos centros do poder mundial contra a sociedade cristã. Nos
Estados Unidos era o tempo da primeira Administração Clinton que, apesar
da linguagem soft era empenhadamente
pró-aborto. Assim, a legislação era permissiva e os militantes
democratas, através de lobbies como o National Abortion and Reproductive Rights
Action League (NARRAL), encarregaram-se
de promover uma política de alargamento do aborto.
Logo em 1993, Pamela Moraldo, presidente
da Planned Parenthood Federation of America, lançou uma campanha para incluir o aborto num
pacote de medidas de saúde gratuitas para a população americana. Além disso, Bill Clinton nomeou para
o Supremo Tribunal juízes apoiantes da liberalização, como Ruth
Ginsburg, que em Junho de 1993
substituiu o juiz pró-vida Byron White. Ginsburg defendia que pôr limites ao
aborto era uma forma inconstitucional de descriminação sexual. Em Maio de 1994 foi escolhido Stephen Bryer, outro defensor do alargamento dos “abortion rights”.
Além
destas medidas domésticas, a Administração Clinton promoveu o aborto como
método de controlo da população nos países em desenvolvimento – na América
Latina e em África – e acabou com disposições das Administrações republicanas a
favor da natalidade, como a norma que protegia as chinesas que vinham para a
América para escapar às medidas abortivas impostas pelos comunistas para
controlo da população.
A ONU seguia uma política paralela, com
medidas anti-família. Esta política da América progressista, nos anos
posteriores ao desaparecimento da União Soviética e em plena febre
neo-conservadora de exportar o modelo político-económico americano, era
indissociável do hedonismo das elites “liberais”, na sua maioria activistas da
“cultura da morte”; uma cultura que João Paulo II, denunciava nestes termos:
“A morte luta contra a vida: uma ‘cultura da morte’ procura impor-se ao
nosso desejo de viver, e de viver plenamente. Há os que rejeitam a luz da vida,
preferindo ‘as obras infrutíferas das trevas’ (Ef 5:11). A sua colheita é a
injustiça, a discriminação, a exploração, o engano, a violência. Em todos
os tempos, uma medida do seu aparente sucesso é a morte dos Inocentes. No nosso
século, como em nenhuma outra época da História, a ‘cultura da morte’ assumiu
uma forma social e institucional de legalidade para justificar os mais
horríveis crimes contra a humanidade: genocídio, ‘soluções finais’,
‘limpezas étnicas’ e a ceifa maciça de vidas de seres humanos mesmo antes de
nascerem ou antes de atingirem o ponto natural da morte”.
Um sacerdote muito especial
Esta passagem da encíclica Dominum
et vivificantem (O Senhor é o
Doador da Vida), de 1986, era clara na condenação do aborto e da eutanásia, equiparados aos grandes crimes contra a
Humanidade do século XX. Nascido
na Polónia em 1920, João Paulo II vivera no coração físico e temporal das
atrocidades praticadas pelo hitlerismo e pelo comunismo. De resto, a vocação
sacerdotal chegara-lhe durante a guerra, na Cracóvia ocupada pelos alemães.
Depois da guerra, já sacerdote, fora estudar teologia para Roma, concluindo ali,
em 1948, o doutoramento com a tese “A Doutrina da Fé segundo São João da
Cruz”. A essa
seguira-se uma outra tese, em Filosofia, relacionando a ética católica com a fenomenologia de Max Scheller.
Era um sacerdote muito especial que
além de ler, estudar, escrever e exercer o seu ministério sacerdotal, se
relacionava com a Vida e a Criação praticando desportos pouco usuais para um
“homem de Deus”, como o esqui, a canoagem e o caiaque.
Em Julho de 1958, Pio XII fê-lo bispo auxiliar de Cracóvia. E foi como bispo que participou no Concílio
Vaticano II, colaborando em documentos basilares, como a Dignitatis Humanae e a Gaudium et Spes.
Paulo VI fez Karol Wojtyla arcebispo de Cracóvia em 1964 e cardeal em Junho de 1967. O
novo cardeal, que sempre tivera uma grande devoção mariana, empenhou-se na
edificação e consagração da Igreja de Nossa Senhora Rainha da Polónia, em Nova
Huta. Em 16 de Outubro de 1978, depois da morte de Paulo VI e do curtíssimo
pontificado de João Paulo I, o cardeal
Wojtyla foi eleito Papa. Inaugurava assim o terceiro mais longo pontificado da
História da Igreja, um pontificado que duraria mais de 26 anos (o pontificado de S. Pedro durara 37 anos e o
de Pio IX, 31).
João Paulo II, enquanto Papa, concentrou primeiro os seus esforços na libertação
da sua pátria, da Europa Oriental e da própria Rússia do comunismo. O exemplo da Polónia
foi nisso decisivo:
ao recorrerem à ditadura militar
de Jaruzelski para enfrentar e reprimir o Solidariedade, os comunistas distanciaram-se, na forma, da
repressão estalinista, ou mesmo da repressão pós-estalinista da revolta de
Budapeste na Hungria, revelando-se sensíveis à opinião externa. Verdade que Reagan estava na Casa Branca e Thatcher
no número 10 de Downing Street, o que
permitia uma coordenação de forças mais eficaz – e que no Vaticano estava Wojtyla, outro elemento decisivo.
Quando o comunismo acabou, com a dissolução da União Soviética e a
transformação da China num nacional autoritarismo capitalista, João Paulo II
concentrou-se na luta pela Vida e pela dignidade da vida humana. O mundo dominado pela luta entre o “Mundo
Livre” e o Comunismo pertencia à História; agora quem governava o mundo era uma
elite hedonista, defensora de um globalismo ou de um mundialismo comandados
pelos “mercados”; um mundo supermercado, em que a ética, a moral e a política,
se subordinavam à economia.
No Admirável “Mundo Livre”
Era um “novo mundo”, uma reedição do Brave New World de “adoráveis criaturas” que surpreendera Miranda na utopia shakespeariana.
Relendo,
há dias, a distopia de Huxley, não pude
deixar de pensar que se Zamiatine, no Nós, e Orwell, no 1984, retratam a distopia comunista, Huxley prevê
o mundo do globalismo pós-Guerra Fria, o nosso mundo, com elites semelhantes
aos arrogantes Alfas de Huxley e uma população de comuns
devidamente manipulada e intoxicada pelo sistema de domínio instituído.
João
Paulo II estava atento à cultura hedonista e cosmopolita que se esboçava no seu tempo e
denunciou-a sem receio nem descanso na Evangelium
Vitae, referindo “a rede de
cumplicidade” que se expandia “para
incluir instituições internacionais, fundações e associações que
sistematicamente [faziam] campanhas para a legalização e alargamento do aborto
no mundo”. Aborto que o Papa qualificava como um “assassinato”,
“o mais sério e perigoso crime”.
Consequentemente, o Papa
empenhou-se em combater a ideia de transformar o “direito ao aborto” em direito
fundamental, a incluir nos direitos humanos. A
ideia, levantada no Cairo em 1994, na Conferência sobre População e
Desenvolvimento, e também na Conferência das Mulheres, em Pequim, em 1995, além
de imoral e desumana, contrariava os progressos científicos. Foi
graças a João Paulo II e à oposição da Santa Sé, com o apoio de muitos países,
que a elevação do aborto como a
fundamental não chegou, então, a fazer-se.
É uma luta que continua. João
Paulo II, intransigente
na defesa da vida, recorreu aos princípios do Direito Natural e dos direitos
naturais tomistas para combater
as poderosas correntes que, em nome desses mesmos direitos, mas de forma
corrompida, procuravam e procuram instituir o aborto como direito universal (o
presidente Macron, arvorado agora em campeão da “nova Europa”, já conseguiu
inscrevê-lo na Constituição da França, como se de um progresso se tratasse).
João Paulo II morreu há vinte anos,
em 2 de Abril de 2005, e foi canonizado há onze, em 27 de Abril de 2014. Dele, disse
o Papa Francisco: “São João Paulo II, apaixonado pela Vida e fascinado
pelo mistério de Deus, do Mundo e do Homem, foi um dom extraordinário do Senhor
à Igreja”.
À
Igreja, ao mundo e a todos nós. Saibamos merecê-lo.
A SEXTA
COLUNA HISTÓRIA CULTURA GLOBALIZAÇÃO MUNDO IGREJA
CATÓLICA RELIGIÃO SOCIEDADE
COMENTÁRIOS (de 23)
Miguel Seabra: Os “valores Europeus” como
apregoa constantemente a perua Van der Liar, eram e são a principal ameaça para
a Humanidade como bem avisou o Papa João Paulo II: trata-se de promover um
mundo sem Deus, tratando os crentes como analfabetos que precisam de ser
educados a bem ou a mal. O Papa João Paulo II foi violentamente criticado e
insultado por estas pseudo elites intelectuais, auto proclamados progressistas
e donos dos valores culturais do Ocidente. Nunca me esquecerei duma famosa
caricatura do Papa João Paulo II no Expresso, desde esse dia nunca mais comprei
esse jornal.
Ana Luís da Silva: Fala-se muito que a Direita Política não tem ideologia,
um pensamento estruturado, e que se deixou arrastar por esse hedonismo
pernicioso que Jaime Nogueira Pinto aqui expõe de forma brilhante, que é também
uma espécie de auto-estrada para o abismo das sociedades, erigindo a economia
como íman de todo o pensamento, deixando à solta os demónios distópicos da
Esquerda, que negam e destroem a natureza própria da pessoa. João Paulo II não tinha uma
ideologia, mas uma verdadeira “paixão” ordenada ao Bem e à Verdade. E com esse amor construiu
um pensamento apaixonante, intelectualmente perfeito, visionário. A sua
experiência de vida, fortemente provada na perseguição nazi e depois comunista,
no trabalho físico muito duro numa pedreira, na fome, na vivência das artes
através do teatro, na catequese de jovens em comunhão com a Natureza para o
seguimento pleno da vivência cristã designadamente no namoro e no casamento,
nos estudos e no ensino na universidade, mas também na política, defendendo a
liberdade de vivência e pensamento cristãos contra as tiranias… aliada a uma
craveira intelectual ímpar… deixou-nos os alicerces de uma filosofia cristã
moderna, a necessária para a Direita basear o seu agir e não se desviar por
imposição dos desvarios irresponsáveis e desconstrutivos da Esquerda. É
essencial que a Igreja, e falo sobretudo dos fiéis leigos, estudem o seu
pensamento, por exemplo aprofundando e tornando acessível a Teologia do Corpo,
um portento de sabedoria capaz de desmascarar toda a ideologia da esquerda
sobre a pessoa e o seu lugar no mundo. Evitariam, cristãos e pessoas de
boa vontade, cair nas ratoeiras do aborto, da eutanásia e da manipulação
genética, da exploração dos outros para benefício próprio, com destaque para o
mundo das relações de trabalho e sobretudo na esfera das relações familiares no
que respeita aos filhos (ou à sua possibilidade): as crianças deixariam de ser
o fruto de um desejo egoísta como esta sociedade cheia de egos
irresponsavelmente propugna e de forma tão “eficaz” pratica. Alcides Longras: Para quem viveu esses tempos
nos anos da sua formação como homem e pessoa, tudo parece lógico e de uma
proximidade enorme. Mas o mundo mudou imenso em 25 anos, numa febre de
utopias pseudo-progressistas. A população está agora mentalizada que o aborto e
a eutanásia são marcas de modernidade e o caminho para o futuro da humanidade,
incapacitados de perceber o enorme tiro no pé ou mesmo na cabeça que é subjugar
o valor da vida às tendências do momento. Maria
Nunes: Excelente artigo. Obrigada JNP. Coxinho >
Ana Luís da
Silva: Não sendo católico, sempre admirei João Paulo II. Tanto como abomino o
apoiante de comunistas e ditadores actual. O seu comentário, ALS, é o
complemento justo do texto do artigo. S Belo: Muito bem, como sempre. Rui Pedro
Matos: Muito bom. Obrigado! Macron é um pequeno, um infantil, político! Ana Luís
da Silva > Coxinho: Obrigada,
caro Coxinho. Nem um artigo nem um comentário conseguem, por muito que se
tente, fazer justiça à grandeza de João Paulo II. Mas pode-se homenagear,
relevar e fazer memória. Grandes almas não devem ser esquecidas e a melhor
maneira de serem recordadas é relembrar o que fizeram e como contribuíram de
forma marcante para o bem da Humanidade. Bem-haja. Manuel
Magalhaes: Obrigado Jaime, nunca é demais
recordar São João Paulo ll, os seus princípios e a sua luta, ajudam-nos a ser e
querer ser melhores, num mundo que de novo tende cada vez mais para a
decadência… José
Patricio: Muito bem,
Jaime. Muito esclarecedor como sempre. No meio desta comunicação social
tendenciosa. Miguel
Macedo: Muito bem!
Como sempre! Joana
Quintela: Muito
obrigada, Jaime Nogueira Pinto! Isabel Amorim > Ana Luís da Silva: Como bem diz Coxinho, um excelente comentário da Ana
Luis que complementa a sempre sábia opinião de Jaime Nogueira Pinto. Muito bom! Meio
Vazio: Mas esta pseudo-elite ("macrons" de diversas tiragens),
tomando-se a si mesma como campeã da liberdade do nietzscheano "espírito
da criança", não comanda senão uma cáfila de acéfalos, porque claramente
no "estádio de camelo". Tim do A: Boa reflexão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário