Que os que têm poder matutassem em textos como este, que termina com a
referência a um dos grandes governantes passados, que por isso durou pouco. A época
está para os pequenos governantes, sujeitos aos arrazoados lorpas ou torpes dos
que distorceram o discurso em nova doutrina que os alcandorou, a esses, aos
postos das suas expectativas ambiciosas, a pretexto das novas ideologias de uma
fraternidade envolta em baixa intriga.
De 1988 a 2025: um Portugal adiado
O nosso fado não tem de ser este — um
país lateralizado, incapaz de assegurar um presente digno aos seus idosos e um
futuro promissor aos seus filhos.
MÁRIO AMORIM LOPES Professor
universitário e investigador. Membro da Comissão Executiva da Iniciativa
Liberal e deputado na Assembleia da República
OBSERVADOR, 31 mar. 2025, 00:1710
Se fizéssemos um plano para a década, a
primeira prioridade — na área da política económica — seria a clarificação do
regime económico.
Portugal precisa de um regime económico simples, claro e eficaz. Numa
democracia pluralista, não há alternativa ao regime económico baseado na
iniciativa privada, na afectação de recursos pelos mecanismos de mercado, na
força inovadora e disciplinadora da concorrência. O controle da economia pelo Estado, a planificação da actividade
económica, a remuneração independente da contribuição para a riqueza colectiva
são incompatíveis com a liberdade de decisão e de escolha dos cidadãos, não se
coadunam com a complexidade e a mudança rápida da vida económica de hoje, e
geram as maiores e mais flagrantes injustiças.
No entanto, Portugal tem tido um
regime caracterizado pela presença asfixiante do Estado. Como proprietário, como gestor, como regulamentador,
como árbitro, o Estado omnipresente interfere em todos os aspectos da vida
económica, é responsável em grande parte pelo caos e improdutividade na
afectação de recursos e é o maior obstáculo à melhoria da justiça e à correcção
de desigualdades. Inevitavelmente, o Estado acaba por se ver incapaz de
conduzir eficazmente as tarefas que, em Portugal como em toda a parte, lhe
devem necessariamente caber.
Ao
Estado competem, em qualquer sociedade, tarefas políticas e administrativas que
deve executar cabalmente.
Só o Estado pode garantir os serviços de defesa, justiça e segurança. Ao Estado
cabe também um papel importante, em colaboração harmoniosa com a iniciativa
privada, na criação de
infraestruturas, na segurança social, na educação, na saúde. Só pela
limitação do papel do Estado às áreas em que a sua intervenção é indispensável
se conseguirá garantir a cabal execução das tarefas do Estado.
Já a melhoria da justiça
social implica que se corrijam as desigualdades resultantes da concentração da
riqueza e da determinação de rendimentos pelos mecanismos de mercado. Mas a correcção
tem de ser prudente e eficaz. A experiência portuguesa mostra bem como, em nome da
justiça social e da redistribuição de rendimentos, se generaliza a pobreza,
impedindo o desenvolvimento e se praticam as maiores injustiças, pela
intervenção contraproducente.
É sobretudo pelo corte das
despesas que se deverá reduzir o défice público. É igualmente indispensável inverter o crescimento desenfreado das
despesas com o funcionalismo público. A administração pública eficaz exige
funcionários competentes e motivados. Os vencimentos terão de subir em termos reais, acompanhando o
crescimento económico. É particularmente importante que se remunerem
correctamente as funções de chefia e de responsabilidade, por forma a atrair e
promover profissionais sérios e com capacidade de gestão. Pelo contrário, é fundamental reduzir o
número de efectivos. Em primeiro lugar, é
possível obter ganhos de produtividade na administração pública. Depois,
haverá que eliminar serviços, racionalizar e fundir departamentos, impedir a criação
de novas estruturas.
Quanto ao Sector
Empresarial do Estado, o
sector público dito produtivo, convém relembrá-lo, é o resultado de um conjunto
de nacionalizações levadas a cabo em 1975, sem outro critério que não o de
passar para o controlo do Estado as grandes empresas de então. Empresas
que, tendo sido criadas ou desenvolvidas antes de 1973, correspondiam a um
mercado diferente, a uma situação económica sem comparação com a de hoje, a um
tipo de estrutura industrial hoje impensável. A desadaptação destas
empresas e a obstinação com que se pretende mantê-las ao arrepio de todas as
regras da economia transformam-nas em enormes pesos mortos, travões
poderosíssimos do crescimento. A grande
generalidade das empresas hoje na
posse do Estado [terá] de
ser encerrada ou privatizada. As
que ficarem não poderão ser protegidas da concorrência, não terão acesso
privilegiado ao capital, terão sempre de obter resultados positivos, que
representam remuneração adequada dos recursos que lhes estão entregues.
Para tal, é necessário restabelecer critérios de profissionalismo e de
competência, garantir a independência política, responsabilizar pelos
resultados. A tutela
governamental deverá limitar-se à definição de objectivos económicos e
resultados financeiros a atingir.
Com excepção de duas ou três palavras
e advérbios, os sete parágrafos anteriores foram ostensivamente copiados do
documento No Caminho da Sociedade Aberta — Objectivo 92. O diagnóstico e os problemas apontados a
Portugal, assim como as oportunidades e o plano de acção, são não só actuais,
mas críticos para que Portugal se possa finalmente afirmar como um país que
ombreia com os seus pares europeus. O nosso fado não tem de ser este — um
país lateralizado, incapaz de assegurar um presente digno aos seus idosos e um
futuro promissor aos seus filhos.
O documento é de 1988, do Grupo de Ofir, liderado por Francisco
Lucas Pires. Ideias
inovadoras que surgiram antes do seu tempo, sem o caldo social e cultural
pronto para as absorver. Talvez tenha sido esse o caso. E talvez,
por isso, Lucas Pires não tenha vivido tempo suficiente para as poder ver
implementadas. Mas agora, quase quarenta anos depois, temos novas
gerações ambiciosas, inquietas, desassossegadas, que querem um país melhor.
Estamos diante de um nova e talvez
derradeira oportunidade de fazermos essa transformação. Como escreveu Lucas
Pires, «sempre fomos mais dados ao situacionismo, por um lado, ou à ruptura,
por outro. Ora, a alternativa é o conceito que está no meio entre situacionismo
e ruptura». A alternativa é o reformismo liberal e chegou a sua
hora.
POLÍ TICA
LIBERALISMO ECONOMIA
Comentários (de 11)
GateKeeper: Lixo. Não, nunca pelo copy paste de um extraordinário texto premonitório do
F.L. Pires, mas sim pelo arrazoado aproveitamento lorpa à volta dele, deste I
woke.
João Floriano: E já lá vão 37 anos desde a
publicação deste manifesto de Lucas Pires. Li-o, como acontecerá a muitos outros leitores, como
um texto actual que tivesse sido escrito este fim de semana por Mário Amorim
Lopes. Quando o texto se referiu à mudança do paradigma económico, eu pensei
imediatamente que antes de mexer a sério na Economia, há que reorganizar o
Estado e o Poder Judicial. Posteriormente Lucas Pires aponta ao Estado os
defeitos que ainda todos lhe reconhecemos passados 37 anos: excesso de
funcionários públicos, excesso de intervencionismo, falta de colaboração com o
sector privado, digamos que a esquerda diaboliza e abomina o sector privado que quer legitimamente ter
lucro, o sector empresarial do Estado. Entre 1988 e 2025 acentuou-se a degradação dos serviços
públicos na Saúde, na Educação, nos transportes porque Portugal não se pode
preparar para as mudanças que hoje vivemos, sobretudo estar a receber uma
grande massa de imigrantes de baixas qualificações enquanto os nossos jovens
emigram. Demasiado tempo a ver «passar os comboios», como se costuma dizer.
E não me parece que se consigam fazer mudanças de fundo. Para as fazer, o
PSD coligado com o CDS e com a IL como se prevê, teriam de ir contra interesses
tanto de gente graúda como de arraia miúda. Vimos o que aconteceu com Pedro
Passos Coelho, mesmo dentro do seu próprio partido. Quando muito far-se-ão
remendos.
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