domingo, 27 de fevereiro de 2011

“Édipo Rei”, tragédia de Sófocles (Síntese, excertos):

(Uma tragédia – com exposição, conflito e desenlace, como estrutura interna - cuja trama se faz em perspectiva temporal de recuo, num suspense contínuo, de indícios ou pistas adensando-se, em flashbacks progressivos, do presente para o passado, gradualmente esclarecedor e incriminatório, mostrando o homem joguete das forças superiores do destino).
Personagens:
Édipo, um Sacerdote, Creonte, Coro dos Velhos Tebanos, Tirésias, o adivinho cego, Jocasta, um Mensageiro, um Servidor de Laios, um Mensageiro do Palácio
Uma praça, em Tebas, diante do palácio dos Labdacis

Exposição:
Prólogo
Édipo
aparece diante da assembleia suplicante dos Tebanos, para perguntar por que motivo estão reunidos com ramos e lamentações e espalhando incenso, diante do seu palácio.
O Sacerdote, ministro de Zeus, responde que a cidade, “sacudida pela tormenta, perece nas sementes da terra, nos gados, nos ventres das mães. Uma chaga caída do céu abrasa a cidade, é a Peste maldita.” Édipo já em tempos livrara Tebas, matando a Esfinge, devoradora de jovens. A assembleia suplicava uma nova intervenção de Édipo, para livrar a cidade da peste.
Édipo responde que, ninguém estando mais preocupado do que ele, já mandara o seu cunhado Creonte (irmão de Jocasta) ao santuário de Pythô (jogos Píticos) para que Apolo informe sobre o que ele deverá fazer.
Creonte chega e informa sobre o motivo da peste:
«Direi pois, a mensagem do deus; é sem equívoco; Febo encarrega-nos de extirpar da nossa terra a nódoa que ela alimenta; se a deixarmos crescer, ela tornar-se-á incurável.
Édipo: Por que purificação? De que espécie é a nódoa?
Creonte: É preciso banir os assassinos, ou resgatar o crime pelo crime, porque é sangue que põe a febre na cidade.
Édipo: De que crime quer o deus falar?
Creonte: Príncipe, Laios governava este país outrora, foi a ele que tu sucedeste.
Édipo: Disseram-mo, com efeito; mas eu não conheci Laios pessoalmente.
Creonte: Ele foi morto, e o deus manda-nos punir hoje sem rodeios os seus assassinos.
Édipo: Mas onde estão eles? E onde encontrar o rasto de um crime antigo? É muito difícil.
Creonte: Na própria terra, declarou o deus. O que se procura, pode-se encontrar; o que se negligencia escapa-nos.
Édipo: Foi na sua casa, no campo, ou fora das fronteiras que Laios encontrou a morte? »
Creonte responde que Laios, que fora consultar o oráculo ao estrangeiro, não voltara e que só um acompanhante regressara, dizendo que os assaltantes eram em quantidade, mas que o problema da Esfinge, “com os seus cantos insidiosos”, impedira os do palácio, na altura, de procurar resolver o enigma. Édipo dispõe-se a encarregar-se da questão:
“Pois bem, este mistério, eu o decifrarei… no meu próprio interesse abolirei esta mancha: quem quer que seja o assassino de Laios, ele já me condenou; prestar assistência ao defunto, é, pois, defender-me a mim mesmo" (ironia trágica).
Canto do Coro, invocando os Deuses, para dissipar o flagelo.

Conflito (quatro episódios seguintes):
Primeiro Episódio:
Édipo
faz ameaças contra o provável assassino de Laios, exortando os Tebanos a jamais lhe dar guarida e censurando-os por não terem resolvido o mistério do assassínio quando este fora perpetrado … “E eu, que sucedo a esse rei, eu que tenho como esposa a sua esposa e que teria os seus filhos como filhos se a sua raça tivesse prosperado – mas a fortuna, até nisso lhe foi adversa – em nome de todos estes laços, combaterei pela sua causa como se ele fosse meu pai; … "
O Corifeu incita-o a procurar Tirésias, o adivinho, e indica-lhe um primeiro indício: “Laios teria sido morto por viajantes”. Tirésias aparece e recusa-se a revelar o seu segredo (2º indício): “Vós sois todos insensatos. Nunca revelarei o que sei, porque não quero desvendar o teu infortúnio”. Édipo irrita-se contra ele: “…. Suspeito-te de ter concebido o crime e de o ter cometido….” Irritado, Tirésias faz-lhe a primeira acusação: “E eu ordeno-te, em virtude do édito que promulgaste, que nunca mais dirijas a palavra nem a estes nem a mim, porque de ti provém a mancha que contamina esta terra”! Zanga de Édipo, Tirésias precisa a acusação: “Declaro que tu estás, sem o saber, ligado a um nó infame com aqueles que mais amas no mundo e que não suspeitas a extensão da tua desgraça”. Discurso indignado e ameaçador de Édipo.
Tirésias:Já que me acusaste por ser cego, dir-te-ei eu isto: tu que tens os teus olhos, não vês nem em que abismo caíste, nem onde moras, nem de quem partilhas a vida. Sabes de quem nasceste? Dos teus, mortos e vivos, tu és inimigo sem o saber. E em breve, aproximando-se pé ante pé, terrível, e ferindo-te alternadamente pelo teu pai e pela tua mãe, a Maldição ligada ao teu sangue expulsar-te-á da tua terra. Então tu que tens tão boa vista, ficarás na noite…..” “Antes da noite receberás o dia e perdê-lo-ás”.
Édipo:Tu abusas dos enigmas e da obscuridade!”
Tirésias:Não és tu excelente a resolver os enigmas?” (….) “Declaro-te isto: o assassino de Laios que procuras desde esta manhã em grande estrondo de proclamações ameaçadoras está aqui; julgam-no estrangeiro, mas em breve descobrir-se-á que ele nasceu em Tebas por sua desgraça; perderá os seus olhos, as suas riquezas; cego, mendigo, guiando os seus passos com um cajado, errará de terra em terra estrangeira; será revelado como irmão e pai dos seus próprios filhos, e da que o gerou, filho e marido, e do seu pai rival incestuoso e assassino. Entra no teu palácio e reflecte em tudo isso…”
Canto do Coro, sofrendo pelas acusações contra Édipo, que já fora o salvador de Tebas.

Segundo Episódio
Diálogo violento entre Creonte e Édipo, aquele acusado por este de ter armado uma intriga contra ele e que é expulso do palácio, apesar da intervenção de Jocasta e do Coro.
«… Jocasta: Infelizes! Porquê esta querela insensata? Quando a pátria está tão doente, não corais, atiçando ódios entre vós? Édipo, volta ao palácio; Creonte, volta para tua casa. E não enveneneis mais miseráveis disputas».
Expulso Creonte, Jocasta, contrariada, embora, pelo Coro, quer saber de Édipo o motivo da sua cólera. Édipo explica-lhe que Creonte o acusara de ter morto Laios, em complot com Tirésias.
Jocasta explica-lhe que deve ficar tranquilo, pois Laios, outrora, fora informado por um oráculo que “ele devia morrer pela mão de um filho que ele teria de mim. E afinal foram salteadores que o assassinaram em país estrangeiro, na junção de dois caminhos (indício). Aliás, três dias após o seu nascimento, Laios tinha-lhe ligado os pés e mandara-o largar sobre uma montanha deserta. É claro que Apolo não cumpriu o seu oráculo: a criança não foi o assassino de seu pai… apesar das profecias que lhe tinham traçado o destino.» E aconselha-o a ficar tranquilo.
“Édipo: É estranho como, ao escutar-te, minha mulher, sinto o espírito perturbado, inquieto.»
Desejando Jocasta conhecer o motivo disso, Édipo prossegue: “Ouvi bem que Laios foi assassinado na junção de duas estradas?» Jocasta confirma e Édipo: «Em que região isso se passou?» Jocasta responde que na Fócida, na junção da estrada de Delfos com a de Daulis,… pouco antes de Édipo ter tomado o poder.
Édipo: “Ó Zeus, que premeditaste fazer sobre mim?». Pergunta o aspecto de Laios, Jocasta responde-lhe: “era alto; começava a embranquecer; não era muito diferente de ti». Exclamações de horror de Édipo, novas perguntas ansiosas a Jocasta, sobre o número de homens e o meio de transporte, o Servidor, único sobrevivente, fizera o relato, segundo Jocasta. E mudara de terra, ao encontrar Édipo reinando em Tebas. Édipo pede a Jocasta que o mande chamar, e, mais tranquilo, conta a sua própria história: Era filho de Políbio e de Mérope, reis de Corinto, um dia, num festim, alguém embriagado tratara-o como filho adoptado; os pais negaram mas, consultado o oráculo, Febo informou-o de “toda a espécie de horrores: eu unir-me-ia à minha mãe… seria o assassino de meu pai! » Assim, Édipo fugiu de Corinto, e, no sítio da junção das duas estradas matara um velho que o agredira e a sua comitiva. Infeliz se chama, se for ele o assassino de Laios, deverá deixar os seus e não poderá voltar a Corinto, sob pena de matar seu pai Políbio e casar com a mãe. Jocasta acalma o seu receio, insistindo na predição do oráculo, de Laios morrer às mãos do próprio filho o que era impossível, já que o filho morrera primeiro. Ambos se retiram para o palácio.
Canto do Coro, sobre a esterilidade dos oráculos.

Terceiro Episódio
Jocasta
vai oferecer aos deuses coroas e perfumes, informando os notáveis da terra sobre a loucura dos receios actuais de Édipo. Chega o Mensageiro de Corinto, com novidades: o rei de Corinto, Políbio, morrera e seu filho Édipo era chamado para governar Corinto. Édipo, chamado por Jocasta, é informado e regozija-se por não se ter cumprido o oráculo. Seu pai morrera de velhice e não às suas mãos. Quanto ao incesto, com sua mãe Mérope, diz Jocasta a Édipo: “A ameaça do incesto não deve assustar-te: mais do que um mortal partilhou em sonhos o leito da sua mãe”, embora Édipo continue receoso. Informado do motivo dos receios, o Mensageiro explica que não existe tal perigo, visto que os reis de Corinto não eram os verdadeiros pais de Édipo, que Édipo o recebera ele, Mensageiro, das mãos de um pastor da casa de Laios. Os pés inchados de Édipo eram prova do que dizia, e por isso os reis de Corinto lhe deram esse nome (Édipo = pés inchados), ao recebê-lo das mãos do Mensageiro, para o adoptarem. O Corifeu identifica o pastor que levou Édipo para o monte com o mesmo Servidor da comitiva de Laios, agora procurado.
Jocasta, apercebendo-se do crime cometido - (Anagnórise) - quer dissuadir Édipo de procurar mais esclarecimentos sobre o seu nascimento.
Desgraçado! Possas tu nunca vir a saber quem és!”
«Édipo: O pastor vem ou não? Quanto a ela, deixem-na tirar vaidade da sua rica família!»
«Jocasta: Oh! Desgraçado, desgraçado! É o único nome que me resta para te chamar! O único nome, desde agora!»
O Corifeu avisa Édipo do desespero de Jocasta, ao retirar-se, sintoma de maus presságios, levianamente, Édipo insiste em conhecer as suas origens, impaciente porque o tal pastor não chega.
Canto do Coro tentando adivinhar a origem de Édipo.

Quarto Episódio
Confrontação entre Édipo, o Mensageiro e o Pastor/Servidor sobre a identidade de Édipo. Ameaçado por Édipo, se se calasse, o Pastor decide-se a contar tudo o que sabe sobre Édipo: fora-lhe entregue por Jocasta para ser morto, receosa por um oráculo que vaticinara que aquele mataria o pai e casaria com a mãe; por piedade, entregara-o ao Mensageiro, outrora pastor de Corinto…
«Édipo: Oh!... Oh!... Como tudo é claro, agora!... Ó luz do dia, possa eu, nesta hora, voltar para ti os meus últimos olhares! Assim, eu mesmo me descobri: filho indesejável, esposo contra-natura, assassino contra-natura!»
Canto do Coro, sobre a inanidade da glória humana, e de piedade pelo herói Édipo.

(Desenlace):
Último Episódio
Um Mensageiro do Palácio
vem anunciar que Jocasta está morta
O Coro: "A desditosa! Como é que isso aconteceu?
"O Mensageiro do Palácio: Ela suicidou-se. … Louca de horror, atravessou o vestíbulo e correu para o seu quarto arrancando os cabelos aos punhados. Ela entra, afasta violentamente os batentes da porta atrás dela; chama por Laios, seu defunto esposo, recorda o passado, essa semente de que ele deveria morrer e que a tornaria mãe de uma progenitura maculada. A desgraçada gemia sobre o leito onde tinha concebido sucessivamente um marido do seu marido e filhos do seu filho. Como morreu, não sei com rigor, porque Édipo se precipitava aos uivos e não foi mais ela, desde então, foi ele, cujo desespero prendeu os nossos olhares. Ele corre aqui e além, pede-nos uma espada; quer saber onde encontrará a sua mulher, ou antes, ai de nós! a sua mãe, que o trouxe no ventre e que ele fecundou! No meio do seu furor, algum deus, sem dúvida, descobre-lha, pois nenhum de nós intervém. Soltando gritos aterradores, e como se alguém o guiasse, ele lança-se para a porta, abre os batentes, irrompe no quarto, e nós avistamos a sua mulher enforcada numa écharpe cujo nó lhe estrangulava a garganta. A esta visão, com rugidos horríveis, o desgraçado príncipe desfaz o nó e o cadáver tomba. Era horrível de ver, mas o que se seguiu aterrou-nos. Édipo arranca os alfinetes dourados que adornavam as vestes da morta, leva-os às suas pálpebras, crava os globos dos seus olhos. E grita que os seus olhos não verão mais a sua miséria e não verão mais o seu crime e que a noite lhes furtará aqueles que ele jamais deveria ver, e que eles não reconhecerão mais aqueles que ele não quer mais reconhecer. Enquanto exalava as suas queixas, ele erguia as pálpebras e espetava, espetava sem descanso… O sangue saído das pupilas corria-lhe sobre o queixo, não gota a gota, não, mas jorrava em chuva escura, aos borbotões sanguinolentos. E é a obra de ambos que rebenta, não a desgraça de um só, mas os males enredados dos esposos. A sua antiga prosperidade, autêntica prosperidade, hoje não passava de aflição, desordem, morte, vergonha, de todos os males que têm nome, nem um falta à chamada. "
O Corifeu: "Neste momento o infeliz tem um momento de tréguas?"
O Mensageiro do Palácio: «Ele grita que abram as portas, para mostrarem aos filhos de Cadmos o parricida, o filho que… em suma, horrores que não ouso repetir. Ele diz que ele próprio se vai banir, que ele não quer mais ficar entre estas paredes, amaldiçoado pela sua própria maldição. Mas precisa dum apoio e de um guia, porque a sua desgraça ultrapassa as forças humanas.»
Diálogo de lamentação horrorizada entre o Corifeu e Édipo, apelo de Édipo ao Coro para que o expulsem – «Expulsai para bem longe daqui, expulsai depressa, expulsai, meus amigos, este flagelo, este maldito entre os malditos, e de todos os mortais o mais odiado pelos deuses.»
Diálogo entre Édipo e o ponderado Creonte sobre o destino de Édipo, sobre o futuro dos filhos de Édipo, de enternecimento de Édipo sobre as suas filhas, apelo final do Corifeu aos Tebanos, para que contemplem um homem há pouco tão poderoso, agora o mais infeliz dos mortais.

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