quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Memória, tem-se

Embora Inês Pedrosa entenda que se precisa. Que os portugueses são uns esquecidos, segundo a sua crónica “Memória, precisa-se” da Revista Única de 28 de Janeiro, e que “Pior, antes do 25 de Abril, só os mortos”, donde se deduz que os vivos dessas épocas não passavam de zombies à guarda proteccionista do Estado, pois só menos que eles, os de carnes apodrecendo em jazigos ou debaixo da terra, já que então ainda os fornos crematórios não estavam na berra, a não ser para os cães vadios, em poderosas evocações nazistas. Felizmente que não usou a estafada expressão virgiliana “sub tegmine fagi”, que a prática da exploração colonialista dos menos zombies trocistas traduziu por “à sombra da bananeira”, embora outras árvores de cá – e mesmo de lá – me parecessem mais frondosas para dar cobertura aos ardores solares e às paralisias acomodadas desses tempos, na crítica oportunista de Inês Pedrosa.
Pedrosa faz no seu artigo a apologia dos tempos sucedâneos ao 25 de Abril, mais estruturados os serviços de Educação, de Saúde, de betão armado, etc., graças à chuva dos dinheiros europeus e mesmo aos créditos provindos das tendências paternalistas salazarentas não zombianas. Simultaneamente renega o que se construiu antes, feito apenas em função dos privilégios burgueses da altura, que condenavam ao ostracismo os socialmente desfavorecidos.
Este discurso inflamado de oratória quase direi evocativa daqueles tempos revolucionários de Abril e que se mantém, é certo, ainda, nos ataques entre os partidários dos clubes rivais, para não falar na vivacidade digladiadora das nossas mesas redondas muito críticas, poderá ter origem quer na família democrática que lhe transmitiu a magia das palavras liberdade, igualdade, fraternidade, caso tenha pertencido aos não privilegiados rancorosos, ou aos letrados esclarecidos, ou, caso tenha pertencido à burguesia favorecida, esse facto terá antes provocado nela, rebeldias e revoltas juvenis, à semelhança dos James Deans desvalidos ou dos hippies transportando as flores do amor, por conta da solidariedade universal e desprezando a família que os sustentava e lhes fornecia os bons carros das suas diversões. Por conta também da promiscuidade, dirão os velhos atrabiliários. Que não contam, para uma Inês Pedrosa embalada nos bons princípios de uma visão confiante e sorridente, apoiando com afinco o presente, e menosprezando o passado, com o apelo astucioso à memória. Mas não à sua.
É uma mulher de luta, que se sente bem a participar na luta, não sei se apenas pela pena, ignorando, é certo, todos os molengões de agora a começar pelos sem abrigo, e a abranger todos os que são obrigados a desistir da luta, rebotalhos de vidas lançadas para os caixotes do lixo, por ordem dos que para aí os mandaram, tirando-lhes o tapete, ao fomentarem o desemprego e a miséria social, o abandono dos campos e dos mares, substituindo a recta via do trabalho pelas tortuosidades da corrupção, da violência, do descalabro, da indignidade.
Eram zombies os de antes da revolução? Mas trabalhavam, estudavam com mais seriedade, as crianças brincavam na rua sem medo dos raptos, das pedofilias, se havia trabalhadores menos zelosos, a maioria, julgo, fazia por cumprir, as falcatruas de então bem menos perceptíveis, talvez, do que as falcatruas de agora. Em que a vergonha foi eliminada dos costumes.
Não censuro a Inês Pedrosa por defender a sua musa, mas por o fazer com “parti pris”. Como se também ela precisasse de reavivar a sua memória. Sem “parti pris”.


Nenhum comentário: