segunda-feira, 6 de junho de 2011

O sítio dos olhos

Os Franceses tiveram, nos seus muitos autores,
Entre os melhores,
Um La Fontaine que, com as suas fábulas,
De recorte excelente,
Conselhos lhes deu
Que os ensinou,
E os moderou,
E os fez ponderar
No valor do pensar,
Para o seu dirigente
Poder governar.
É certo que também nós, Portugueses,
Nos podemos gabar
De, num Sá de Miranda, Ferreira ou Camões,
E mais escritores,
Podermos colher
Ensinamentos preciosos
E estimulantes,
Que não prezamos
Por sermos indiferentes.
Auto-suficientes.
Impertinentes.
Questão de educação,
Mais do que de outra qualquer razão.
Já veremos qual foi o ensinamento excelente
Que nos traz a fábula “A cabeça e a cauda da serpente”:

«A serpente tem duas partes distintas
Do género humano inimigas -
Cabeça e Cauda; e ambas adquiriram um nome famoso
Entre as Parcas cruéis.
Tanto que entre elas, outrora,
Surgiram debates sem roque nem rei,
Sobre o seu andamento reptante:
A Cabeça tinha marchado sempre à frente
Da Cauda, e esta ao Céu se queixou,
Como sempre lhe agradou:
E disse-lhe: “Faço inúmeras léguas.
Julgará ela que eu queira andar assim
Como serva humilde de sua Alteza,
Como quem se não preza?
Ambas do mesmo sangue,
Tratai-nos do mesmo modo!
Também eu tenho, como ela,
Um veneno pronto e poderoso.
Enfim, eis o meu pedido,
Cabe-vos ordenar
Que seja eu a preceder
A Cabeça minha irmã,
Na forma de rastejar,
Conduzi-la-ei tão bem
Que ninguém
Se vai queixar.”
O Céu satisfez tal desejo, sem pejo
E mesmo com cruel bondade.
Muitas vezes a complacência tem efeitos
De grande insanidade.
Deveria ser surdo aos cegos desejos.
Mas não foi. E a nova guia,
Que não via, de dia,
Mais claro que num forno,
Tropeçava ora num mármore,
Ora num passante, ou numa árvore.
Direita às ondas do Estígio
Ela levou a sua irmã.
Infelizes os Estados
No seu erro caídos!
Serão perdidos.»

E eis aqui a nossa imagem
Trazida pela democracia,
Ou pela “Grândola morena”,
De que é o povo que ordena,
O povo – as bases, a cauda da serpente –
Com os seus direitos equivalentes
Aos da cabeça dirigente.
O nosso rei actual
Como já o anterior,
Tem uma dívida a pagar
Que exige que vá trabalhar
Para a dívida resgatar,
E simultaneamente,
Para dar trabalho a muita gente.
O novo governante tudo promete,
E talvez ele possa cumprir,
Para o país não falir.
Mas o povo, indiferente,
Como a cauda da serpente,
Vai malhando contra as coisas,
Fazendo greves, destruindo
O pouco que há para destruir,
Indiferente aos compromissos
Assumidos,
E ao país em vias de extinção,
Que não tardará a penetrar
No Estígio da sua perdição.
Porque os demais partidos
Vão instigando, manipulando,
Deseducando
O povo incompetente,
Que, como a Cauda da serpente,
Decide que tem igual direito,
De governar.
Nada a fazer.
Leiamos, para provar
Que tal como os Franceses
Os Portugueses
Poderiam ter aprendido
Se tivessem estudado,
- Pois não lhes faltaram professores
Bons orientadores -
O que disse Sá de Miranda
A respeito deste tema
Da necessidade da Cabeça
Para melhor dirigir:

“Um rei ao reino convém;
Vemos que alumia o mundo;
Um sol, um Deus o sustém;
Certa a queda e o fim tem
O reino onde há rei segundo.

Não, ao sabor das orelhas,
Arenga cuidada e branda;
Abastem as razões velhas:
A cabeça os membros manda:
Seu rei seguem as abelhas.

A seu tempo o rei perdoa;
A tempo o ferro é mezinha:
Forças e condição boa
Deram ao leão coroa
Da sua grei montesina”.

Infelizmente,
Dos avisos não somos seguidores
Nem da ordem respeitadores,
A não ser a dos manipuladores
Que do povo se pretendem salvadores
E o país vão conduzindo, parolamente
E impunemente,
Para o Estígio.
Como a Cauda da serpente.

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