sexta-feira, 6 de abril de 2012

O cofre-forte


A fábula de Esopo
“A serpente e o caranguejo”
Não é bem o que eu julgava
Quando da serpente falava
O caranguejo insensível                
De um amigo desprezível,
- Uma serpente malfeitora -
A quem ele apertou a goela
Predadora.
A maioria das vezes
Os que morrem são passíveis
De elogios indizíveis,
Sem qualquer correspondência
Entre o real e a aparência.
Mas não foi esta a moral
Com que Esopo concluiu
A sua fábula plural:

«Um caranguejo e uma serpente
Viviam no mesmo solo
Mais ou menos flutuante.
O caranguejo para com a bela se comportava
Com rectidão e benevolência
Mas esta, matreira e com dolo
Sempre para com aquele se mostrava,
E sem clemência.
O caranguejo não cessava
De a exortar a deixar
As maneiras tortuosas
E antes a imitar
A sua rectidão de senhor.
A outra, contudo, fazia
Ouvidos de mercador.
Até que o caranguejo indignado
O momento espreitou
Em que a serpente, dormindo,
E com maroscas sonhando,
Se descuidou.
Apanhou-a pela goela
E matou-a
Sem nenhuma pena dela.
Vendo o cadáver estendido
A todo o seu comprimento,
Exclamou com sentimento:
“Ah! Tu! Não é agora
No momento em que estás morta
Que devias parar de ser torta
Mas quando eu to pedia,
Sem que jamais me escutasses
E nunca te contivesses.”

Realmente,
O que eu tenho ouvido sempre,
Sobre os últimos fins do homem,
Quer seja velho quer jovem,
São palavras de gentil sentido
De loas sobre o finado,
Mesmo que se tenha comportado
Menos bem.
De vil que era
Ou pouco brilhante
Em vida,
Passou a ser
Emérito  e impoluto
Agora que provocou o luto
E já não faz mal a ninguém.
Mas Esopo é doutro tempo,
Quando as fúnebres cerimónias
Se faziam sem cinismo
E sem as simpáticas histórias
De ilustres memórias.
Por isso a moral dele
Versa mais
Sobre a utilidade na morte
De quem em vida quis ser forte
No porte,
Que é como quem diria,
Hoje em dia,
No cofre-forte.
De grande importância pois, a sua morte,
Para os herdeiros do seu cofre-forte.






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