Mas Rui
Knopfli apercebia-se, ele era dos que frequentavam os sítios onde havia
informação. O resto do povo fazia a sua vida, a maioria trabalhava, ainda as
drogas não frequentavam os espaços de uma África ampla e saudável, a mocidade
brincava em liberdade. E também estudava. O 25 de Abril colheu quase todos de
surpresa, até mesmo os governantes – esses, sobretudo – e as tropas de cá e de
lá, chamadas a defender aquilo lá, para benefício de cá, até mesmo aqueles que
traíam sobretudo lá.
Rui Knopfli
foi dos que se apercebeu, dos que frequentou, dos que traíu por conveniência
ficticiamente democrática, embora sem muita convicção, alma sensível que era e
tão bem se revelara nos versos com que moldou as paisagens da sua tristeza.
Mas, europeu que era, não permaneceu, para cá veio, protegido pelo bloco dos
que, atraiçoando a pátria, agora distribuíam as benesses pelos da
Intelligentsia traidora. Veio para cá, esteve em Inglaterra em trabalho, julgo
que viveu na agonia da saudade pela terra que tão bem descreveu, no
arrependimento pelos da “inocência bem – ou antes, mal - aventurada” que
desprezara, burguesia do trabalho, que construíra cidades e vias e as fábricas
que a Metrópole consentia que se construíssem por lá.
Não,
ninguém se apercebeu. E nem mesmo Rui Knopfli, que, se vivesse hoje, se
espantaria com o trajecto de um país a saque, um país que fora amplo e que
agora se via condenado a viver dos empréstimos, usados em reformas e
benefícios, sim, do país reduzido, mas a maior parte, talvez, em benefício dos
habituais do saque. Nesses se incluem também os estrondosos cartões de crédito
a governantes, e as mordomias dos mesmos, e os vencimentos dos trabalhadores da
RTP que o povo também paga para ser tratado com muitas boquinhas pelos
apresentadores de sorrisos torcidos e de outros requebros. E inclui-se igualmente
a multa a Mário Soares que em cólera pela desconsideração do polícia cumpridor,
solta um formidável “O país é que vai pagar!”, tão sintomático daquilo
que valemos, como povo da discrepância e da mediocridade. Salvou-se o polícia
cumpridor, contra os do endeusamento dos heróis fictícios da nossa “epopeia” actual,
não mais marítima, mas bastante aérea.
Eis o poema
de Rui Knopfli:
«Winds
of change»
«Ninguém
se apercebe de nada. / Brilha um sol violento como a loucura / e estalam
gargalhadas na brancura / violeta do passeio. / É África garrida dos postais, /
o fato de linho, o calor obsidiante / e a cerveja bem gelada. / Passam. Passam
/ e tornam a passar. / Estridem mais gargalhadas, / abrindo umas sobre as
outras / como círculos concêntricos. / Os moleques algaraviam, folclóricos, /
pelas sombras, nas esquinas / e no escuro dos portais / adolescentes namoram de
mãos dadas. / De facto, como é mansa e boa / a Polana/ nas suas ruas, túneis de
verdura / atapetadas de veludo vermelho. / Tudo joga tão certo, tudo está tão
bem / como num filme tecnicolorido. / Passam. Passam / e tornam a passar. /
Ninguém se apercebe de nada.»
E agora,
que percebemos, resta-nos o “tarde piaste” da nossa inconsciência.
Porque os da incontinência souberam piar mais cedo. Sem parar.
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