Uma vez mais
La Fontaine
Revela um
saber de humanista
Ao interpretar
como fabulista
Moralista,
Os mitos de
antigamente
Como é
exemplo a fábula seguinte
De
escultor receoso
Da sua estátua
de um deus tenebroso
Ou do
próprio Pigmalião
Apaixonado pela
sua Galateia
O que não
nos devia espantar, todavia,
Pois o amor
é quase sempre anomalia,
Como já
aprendemos com Adão,
Que até
sofreu amputação
Para amar a
sua Eva em harmonia.
Todavia a
fantasia
Que redunda
em tragédia hoje em dia,
Não tem
perdão.
«O
estatuário e a estátua de Júpiter»
«Um bloco de mármore era tão belo
Que um estatuário
Não pôde deixar
de comprá-lo.
“Que fará
dele o meu cinzel? – disse ele,
Será um deus,
uma mesa ou uma bacia
De uma
fonte de água fria?
“Será um
deus: eu mesmo quero
Que tenha
na mão um trovão.
Humanos! Votos
fazei:
Eis o
senhor da terra! Tremei!”
O artífice
tão bem exprimiu
O carácter
do seu ídolo
Que toda
a gente considerou
Que a
Júpiter não faltava nada
A não ser
a palavra articulada.
Até se
disse que o operário
Mal a
imagem concluiu,
Do seu
imaginário,
Foi o
primeiro a estremecer
E a
própria obra temer.
À
fraqueza do escultor
Em nada o
poeta ficou a dever,
Receando
a cólera e o ódio
Dos
deuses, de que foi o inventor.
Ele era
criança nisto assim:
As crianças têm a alma ocupada
As crianças têm a alma ocupada
Na cruel
preocupação
De que a sua
boneca não seja estragada
Para nenhum
fim.
O coração
segue o espírito facilmente:
Desta
corrente é nado
O erro
pagão que se vê
Em tantos
povos espalhado.
Eles
acalentavam violentamente
Os interesses
da sua quimera.
Pigmalião
tornou-se amante
Da Vénus
de quem foi criador.
Cada um, cá da galera,
Vira o mais
possível
Os seus
sonhos em realidades
De forma
terrível:
O homem é
de gelo ante as verdades
É de fogo
para as falsidades.»
E aqui
estamos nós,
Parados no
tempo, expectantes,
Ouvindo verdades
de uns e de outros,
Pedantes,
bem falantes, estridentes,
Talvez por
mentiras mais que evidentes,
Relevantes,
Em ondas
sucessivas de aldrabices
De sacanices,
Vindas de
muito detrás,
De engravatados
ou bem fardados,
Que assim
vão passando aos vindoiros,
Sem desdoiros
,
A nossa falta
de qualidade
Para a
eternidade.
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