quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Milú


Era a nossa Rita Hayworth, a nossa Elisabeth Taylor, a nossa Marilyn Monroe, a nossa Brigitte Bardot, a sex symbol à nossa medida lusa - a ousadia langorosa, comedida e doce, a voz do seu canto, de modulação discreta, numa letra popular aconchegada ao lar português, de atávica modéstia. Era a nossa Vénus bem comportada, por vezes mais ambiciosa ou mais caprichosa, nada, em todo o caso, que os sensatos pais de família não pudessem revelar às suas filhas nos cinemas de sábado à noite. Uma mulher bela, a nossa Milú, que os filmes de Arthur Duarte revelaram em casto mas gentil enredo, que a graça irresistível de António Silva salvaria da banalidade.
 Outros filmes fez, fez teatro, obteve medalhas, no final da vida, em simpáticas homenagens provando que a sua aura se mantinha nos nossos corações, numa altura em que já não fazia sombra a ninguém e que era preciso que embarcasse para o além contente connosco. Como se fez a tantos dos nossos artistas à beira da morte. Entretanto, dos artistas que fizeram o nosso encanto, no humor ou na seriedade dos seus papéis, poucos são os que se mantêm no palco das nossas referências televisivas, a época pertence à juventude radiosa na graça do seu brilho, que terá  que se precaver por seu turno, contra a efémera passagem.
Milú manteve a sua elegância, vimo-la nos anos oitenta, num dos excelentes espectáculos de “E o Resto são Cantigas” de Carlos Cruz, Fialho e Solnado, recordámo-la recentemente , nesse espectáculo reposto no Canal Memória.
Morreu em 2008, com 82 anos. Discretamente. O Estado que a agraciou ainda em vida, abandonou-a na morte. Não, nem todos são Amália, a merecerem, muito justamente, a eternidade do seu Panteão.
Mas Milú está nos nossos corações, várias vezes é recordada nos filmes repostos, merecia algo mais que a campa rasa, onde um particular generoso colocou a moldura com a sua foto da escolha da filha, que não tem possibilidades materiais para lhe cobrir a campa com o mármore da sua e da nossa veneração, arriscando-se a ter que enfiar os ossos da mãe, dentro de um ano, num soturno gavetão da nossa feroz e mesquinha indiferença ou ingratidão.
Milú merecia que os seus ossos permanecessem no seu lugar distinto, em campa de mármore bela, como homenagem à personagem distinta que figurou para nós, e permanecerá ao longo dos tempos, para as gerações que lhe sentirão a magia, apesar das transformações que a arte cinéfila vai sofrendo.
O Estado devia proteger a campa da nossa Milú, mandando construir marmórea lápide que lhe eternizasse a memória.
 


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