Hoje só
ouvi expressões negativas ou de exorbitância colérica à minha amiga, donde
concluí que ela estava com os “azeites”, para usar um termo da nossa riqueza
produtiva portuguesa, mais em conformidade com a nossa simplicidade cultural de
tipo agrícola, em vez do termo “humores” de um cariz filosófico, pouco quadrado
ao cariz rústico dessa nossa referida simplicidade. Eis algumas expressões que
lhe ouvi, que forcejei por rebater, por natureza embirrando com más disposições
atrabiliárias, embora eu própria me possa penitenciar de momentos de idêntico carma,
palavra que não sei bem se se aplica no contexto exposto, mas que é um termo de
muita elevação intelectual que muito eleva
o seu aplicador.
“-
Aquilo que o Marcelo explicou que não há solução para a Europa é aterrador”, foi o começo das suas observações de
impacto, mas eu, bem disposta em relação ao presente, que nem sempre o ânimo me
pede luta, por um carma de oposta envergadura, redargui que a Europa sempre foi
palco de crises graves, de países em bulha, com uma Alemanha usando o pretexto
de um atentado em Sarayevo ou as tendências criminosas do seu ditador de estima
para organizar guerras mundiais, para só referir o século XX, ou a Rússia
matando uma família inteira de czares para uma governação de sucessivos
criminosos, não poupando os seus nem os europeus à sua esquerda, com muros pelo
meio cortando uma cidade ao meio, em série de horrores de que estivéramos a
salvo, nós, portugueses preguiçosos, incluindo Marcelo, que não sabíamos assim
tanto o que foram momentos aterradores, para ele se pôr a falar de não-soluções,
que sempre as houve, e os povos safaram-se e progrediram, talvez por serem
menos preguiçosos do que nós.
Mas a minha
amiga continuou a expor sobre a “Europa toda rota”, sobre uma Alemanha
que se “está a ir abaixo das canetas e por isso o povo alemão e povos
nortenhos discordam dos auxílios prestados aos povos mediterrânicos ”, e eu
rebati com a drástica observação de que o que eles têm é falta de luz e de
calor para tal frigidez de pensamento.
A minha
amiga citou a Renault que “está a preparar-se para começar a despedir, dá a
impressão de que não há solução”, e concluiu:
- Como é
que o ser humano vive sem dinheiro?
Eu então
falei nas prestações, de que sempre vivi, e que sempre me fizeram sentir essa
deficiência da falta de dinheiro, empatado o vencimento nas prestações, pagas
pontualmente no dia do vencimento, mas vivendo feliz por ter adquirido o livro,
o bibelot ou o objecto eléctrico para ajudar a minha preguiça ou satisfazer as
minhas ânsias espirituais.
Dinheiro
escasso sempre, sem férias nunca, como tantos fazem, correndo o mundo. Mas as férias em qualquer parte se “curtem”,
e a nossa casa é o local ideal, para viajar mais hoje, com o auxílio poderoso da
internet e outros meios mediáticos, para os “passeios” à base de imagens, para
tantas leituras, para tanta diversão.
Até mesmo Garrett se poderia
passear com comedimento, tendo mestres como antecessores, como afirma no começo
da sua viagem a Santarém, no seu livro que iniciaria a modernidade na
literatura portuguesa:
«Que viaje à roda do seu quarto quem
está à beira dos Alpes, de Inverno, em Turim, que é quase tão
frio como Sampetersburgo — entende-se. Mas com este clima,
com este ar que Deus nos deu, onde a laranjeira cresce na horta, e o
mato é de murta, o próprio Xavier de Maistre, que aqui escrevesse,
ao menos ia até o quintal. Eu muitas vezes, nestas sufocadas
noites de Estio, viajo até à minha janela
para ver uma nesguita de Tejo que está no fim da rua, e me
enganar com uns verdes de árvores que ali vegetam sua laboriosa
infância nos entulhos do Cais do Sodré.
E concluí com a história que lera de pessoas que escolheram o Alentejo para viver,
cultivando, fazendo troca de produtos, sem necessidade de muito dinheiro, mas
logo a minha amiga rebateu:
- O
Alentejo só dá para meia dúzia. Cidades hortícolas? Logo o pedaço de terra
cultivado no quintal seria objecto de assalto. E onde é que há horta
suficiente? O ser humano foi feito para comer muito.
Desisti.
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