Tempo de
António Nobre
O Sono de João
O João dorme... (Ó Maria,
Diz àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João, acordar...)
Tem só um palmo de altura
E nem meio de largura:
Para o amigo orangotango
O João seria... um morango!
Podia engoli-lo um leão
Quando nasce! As pombas são
Um poucochinho maiores...
Mas os outros são menores!
O João dorme... Que regalo!
Deixá-lo dormir, deixá-lo!
Calai-vos, águas do moinho!
Ó mar! fala mais baixinho...
E tu, Mãe! e tu, Maria!
Pede àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João, acordar...
O João dorme... O inocente!
Dorme, dorme eternamente,
Teu calmo sono profundo!
Não acordes para o mundo,
Pode afogar-te a maré:
Tu mal sabes o que isto é...
Ó Mãe! canta-lhe a canção,
Os versos do teu irmão:
«Na Vida que a Dor povoa,
Há só uma coisa boa,
Que é dormir, dormir, dormir...
Tudo vai sem se sentir.»
Deixa-o dormir, até ser
Um velhinho... até morrer!
E tu vê-lo-ás crescendo
A teu lado (estou-o vendo
João! Que rapaz tão lindo!)
Mas sempre, sempre dormindo...
Depois, um dia virá
Que (dormindo) passará
Do berço, onde agora dorme,
Para outro, grande, enorme:
E as pombas que eram maiores
Que João... ficarão menores!
Mas para isso, ó Maria!
Diz àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João, acordar...
E os anos irão passando.
Depois, já velhinho, quando
(Serás velhinha também)
Perder a cor que, hoje, tem,
Perder as cores vermelhas
E for cheiinho de engelhas:
Morrerá sem o sentir,
Isto é deixa de dormir...
Acorda e regressa ao seio
De Deus, que é donde ele veio...
Mas para isso, ó Maria!
Pede àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João, acordar...
António Nobre, in 'Só'
Diz àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João, acordar...)
Tem só um palmo de altura
E nem meio de largura:
Para o amigo orangotango
O João seria... um morango!
Podia engoli-lo um leão
Quando nasce! As pombas são
Um poucochinho maiores...
Mas os outros são menores!
O João dorme... Que regalo!
Deixá-lo dormir, deixá-lo!
Calai-vos, águas do moinho!
Ó mar! fala mais baixinho...
E tu, Mãe! e tu, Maria!
Pede àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João, acordar...
O João dorme... O inocente!
Dorme, dorme eternamente,
Teu calmo sono profundo!
Não acordes para o mundo,
Pode afogar-te a maré:
Tu mal sabes o que isto é...
Ó Mãe! canta-lhe a canção,
Os versos do teu irmão:
«Na Vida que a Dor povoa,
Há só uma coisa boa,
Que é dormir, dormir, dormir...
Tudo vai sem se sentir.»
Deixa-o dormir, até ser
Um velhinho... até morrer!
E tu vê-lo-ás crescendo
A teu lado (estou-o vendo
João! Que rapaz tão lindo!)
Mas sempre, sempre dormindo...
Depois, um dia virá
Que (dormindo) passará
Do berço, onde agora dorme,
Para outro, grande, enorme:
E as pombas que eram maiores
Que João... ficarão menores!
Mas para isso, ó Maria!
Diz àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João, acordar...
E os anos irão passando.
Depois, já velhinho, quando
(Serás velhinha também)
Perder a cor que, hoje, tem,
Perder as cores vermelhas
E for cheiinho de engelhas:
Morrerá sem o sentir,
Isto é deixa de dormir...
Acorda e regressa ao seio
De Deus, que é donde ele veio...
Mas para isso, ó Maria!
Pede àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João, acordar...
António Nobre, in 'Só'
Tempo do tio Otto
(Para o seu Livro de
Grelados, finais de cinquenta. Desejando-lhe,
“de profundis” as melhoras, em 2012)
O João dorme e a
Maria,
Indo-lhe o sono
velar
Ordena à cotovia
Que fale mais
devagar
Para o João poder dormir,
Para o João poder dormir,
Pois para sofrer e
chorar
Os olhos nem deve
abrir.
Este menino tão
grande
Ficou tal o
Joãozinho,
Pois por mais que
a gente mande,
Que abra os olhos
para a vida,
Como um pobre
passarinho
Que procura a luz
dos céus,
Ele procura
guarida
E o amparo junto
aos seus.
E com maternal
ternura
Por este grande
menino,
Que apesar da
altura
Ficou sempre
pequenino
Tudo diz à cotovia
Da história do
Joãozinho
Que cante um pouco
baixinho
Porque melhor
valeria
- Mas enfim não é
certeza
Deixar dormir o
menino
Enquanto brilhar
acesa
A vela do seu
destino.
Para o tio Otto, ainda nos anos sessenta, brilhante estudante de
Medicina, desejando que a Medicina o cure, em 2012:
E o João,
lentamente,
Despertou.
Então
Reparou
Num mundo que aos
seus pés se abria.
Era um mundo
sofredor,
Que apelava a
abnegação
E sacudia
Toda a incúria ou
desamor.
Conscienciosamente
O João
Trabalhou.
Para aliviar a dor
do mundo
Considerou
Um curso
insuficiente.
Era preciso
alcançar
Legar cimeiro.
E afincadamente
O João estudou
Conseguindo ser
Primeiro.
Já não vem longe a
aura
Que coroará o
esforço
Despendido.
Em breve o fim
Pretendido
Surgirá.
E a vida plena
Que seguirá
Dirá então
Se tal esforço
Valeu a pena.
Finalmente,
Aquele Joãozinho
ensonado
Que não devia
Ser acordado pela
cotovia,
Fora enterrado
Com cuidado
Por um Otto
sapiente
Que em atitude
sentida
Não mais queria
Os olhos
Fechados
Na vida…
Tempo do João:
(Com muitos parabéns, em 2012. Desejando-te,
“de profundis”, as bênçãos dos céus sobre o teu “porvir”).
Arreda-te daqui, Maria,
Não digas à cotovia
Que fale mais devagar:
O João deve acordar.
O João já acordou
E gosta bem de viver,
No encanto do viver
Preservando as amizades,
Os amores, as lealdades,
Os seus gostos, as liberdades,
Sem muito saber viver,
Que a vida é cheia de manhas
De buracos, de patranhas…
Mas não te direi como o “Só”:
“Não acordes para o mundo
Pode levar-te a maré:
Tu mal sabes o que isto é.”
O que é preciso é saber ver,
E remar contra a maré,
Procurando enfrentar
O mundo com força e fé.
Com sabedoria
Com alegria
Com empatia,
Sem hipocrisia…
Sem a inocência
Do “João” do “Só”
Mas sem a suficiência
Dos muitos joões
Que pululam por
cá,
Vandalizando
Impunemente
O pouco que há…
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