quinta-feira, 11 de julho de 2013

“A Fortuna do Gaspar”


É a propósito de um artigo
De um professor de Economia
Da Universidade de Colúmbia,
- Ricardo Reis de sua bizarria –
Saído no “A Bem da Nação”
Com muita precisão,
Sobre Victor Gaspar e a sua acção governativa
 Como ministro das Finanças sem alternativa,
Na nação portuguesa endividada,
Que procurei em La Fontaine uma fábula
Justificadora do ponto de vista
Que o transforma de besta em bestial
Na opinião geral,
De gente muito assustada
Não fosse o FMI fazer-nos mal
E retirar-nos o capital,
Que uma política económica de dureza comprovada
Mas, ao que parece, única possível,
Tornou imprescindível.
Nós somos as moscas vaidosas e alardeantes,
Gaspar é a formiga trabalhadora e previdente
Que foi em frente
Abrindo os caminhos do bem-estar futuro
Mais modesto e seguro.
 
“A Mosca e a Formiga”,
Fábula de La Fontaine colhida em Fedro
E outros seguidores:

 A Mosca e a Formiga contestavam sobre o seu valor:
“Ó Júpiter, disse a primeira,
Admite-se que o amor próprio cegue de tal maneira as cabeças,
Que um vil e rastejante animal
À deusa do ar ouse chamar-se igual?
Eu frequento palácios, sento-me às suas mesas:
Se te imolarem um boi
Antes de ti o saborearei,
Enquanto que esta enfezada e miserável
Três dias se alimenta
De um qualquer grãozito imprestável
Que arrastou para o seu buraquito.”
“Mas, minha doçura, diz-me:
Tu instalas-te sobre a cabeça dum Rei,
Dum Imperador ou duma Bela?”
“Com certeza, e beijo um belo seio sempre que quero:
Brinco no seu cabelo,
Realço a brancura natural de uma tez
Com uma “mosca” que reforça a palidez
De uma dama partindo à conquista,
Que não há quem lhe resista.
Depois venha romper-me a cabeça falando em celeiro!”
“Já disse tudo? Replicou-lhe a previdente.
Você frequenta os palácios; mas é aí muito mal vista,
E quanto a saborear primeiro
O que servem perante os Deuses,
Julga que isso valha mais por isso?
Se você entra em toda a parte, o mesmo fazem os profanos.
Sobre a cabeça dos Reis como sobre a dos Asnos
Você vai-se plantar; não vou discordar;
E também sei que duma pronta morte
Esse atrevimento é muitas vezes punido
Sem arrependimento.
Certo sinal, diz você, dá mais beleza.
Não discordo: ele é negro
Como você ou eu.
Admito que se chame Mosca
É razão para que você se ponha
A alardear o seu mérito sem vergonha?
Não se chamam também Moscas aos parasitas?
Tretas!
Deixe pois de manter tão vã linguagem:
Não tenha mais tão altos pensamentos.
As Moscas da corte, vulgo espiões,
São expulsas sem constrangimentos;
Os Moscardos, ou seja “bufos” – da guerra ou da polícia –
São enforcados com perícia,
E você de fome morrerá,
De frio, de inércia, de miséria,
Quando Febo reinar sobre o outro hemisfério.
Então, eu, do fruto do meu trabalho viverei,
Por montes e vales não irei
Expor-me ao vento, à chuva;
Sem melancolia viverei.
Os cuidados que antes tomei
De cuidados me libertarão.
A si lhe ensinarão
O que é uma falsa e uma verdadeira glória.
Adeus, perco o meu tempo: deixe-me trabalhar.
Nem o meu celeiro, nem o meu armário,
Se enchem a palrar.”

 Também “A Cigarra e a Formiga”
Desenvolve este tema de gente inimiga.
A própria a Condessa de Ségur criou uma história
À volta dum Gaspar estudioso
Duro e trabalhador
Que, por ter casado com Mina,
- Rapariguinha com muitos predicados,
Que só se apreciam na infância,
 E mesmo só na de antigamente,
Que agora já ninguém de igual modo a lê ou sente –
Se tornou mais esmoler,
Por amor,
Ele que era tão inteligente
Mas pouco generoso.
O nosso Gaspar também foi isso
- Trabalhador e inteligente
Mas a necessidade tornou-o duro a valer,
Sendo por isso odiado,
Sempre troçado,
Osso duro de roer
Besta na opinião geral.
Mas a Fortuna tornou-o bestial
Espécie de herói,
Assim que se despediu e que se viu
Quanto seria bem pior
Para a nação,
Se ele fosse diferente do que foi
No capítulo da sua acção.

 

 

 

 

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