domingo, 21 de julho de 2013

A sementinha, tal qual a outra


Após o suspense vivido com a proposta de coligação pelo PR entre os principais partidos, que ninguém contava que fosse aceite, Cavaco Silva veio confirmar o que já se sabia, que só servira para atrasar e prejudicar mais a governação económica do país, mas o nosso Presidente estava contente com o interregno, que, ao que parece, lhe permitira lançar semeadura profícua criando colaboracionismo e paz entre todos os portugueses, após as palmatoadas daquele.
 Mas a questão das sementes citadas pelo Presidente como processo de frutificação, trouxe-me à mente a “sementinha” da "Toada de Portalegre" de José Régio, que essa, sim, frutificou em acácia ramosa, lá na casa tosca e bela e numa cepa da velha varanda, transplantada a seguir para junto dos ciprestes do cemitério
Eu não julgo que as sementes do nosso Presidente venham a ter o mesmo destino macabro da acaciazinha de José Régio, que, apesar de tudo, teve um efeito benéfico de apaziguadora espiritual. Só que não acredito nelas. Aqui o fruto das sementes é mesmo um paleio indestrutível. Estou a ouvi-los já, dentes arreganhados na ferocidade do saber que, acalmado o medo de perda da côdea, se prepara para continuar a derrubar.
 
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«Senão quando o amor de Deus
Ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda,
Confia uma sementinha
Perdida entre terra e céus,
E o vento a traz à varanda
Daquela
Minha
Janela
Da tal casa tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela!

Lá no craveiro que eu tinha,
Onde uma cepa cansada
Mal dava cravos sem vida,
Nasceu essa acaciazinha
Que depois foi transplantada
E cresceu; dom do meu Deus!,
Aos pés lá da estranha casa
Do largo do cemitério,
Frente aos ciprestes que em frente
Mostram os céus,
Como dedos apontados
De gigantes enterrados...
Quem desespera dos homens,
Se a alma lhe não secou,
A tudo transfere a esperança
Que a humanidade frustrou:
E é capaz de amar as plantas,
De esperar nos animais,
De humanizar coisas brutas,
E ter criancices tais,
Tais e tantas!,
Que será bom ter pudor
De as contar seja a quem for!

O amor, a amizade, e quantos
Mais sonhos de oiro eu sonhara,
Bens deste mundo!, que o mundo
Me levara,
De tal maneira me tinham,
Ao fugir-me,
Deixando só, nulo, vácuos,
A mim que tanto esperava
Ser fiel,
E forte,
E firme,
Que não era mais que morte
A vida que então vivia,
Autocadáver...

E era então que sucedia
Que em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Aos pés lá da casa velha
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
- A minha acácia crescia.

Vento suão!, obrigado...
Pela doce companhia
Que em teu hálito empestado
Sem eu sonhar, me chegara!

E a cada raminho novo
Que a tenra acácia deitava,
Será loucura!..., mas era
Uma alegria
Na longa e negra apatia
Daquela miséria extrema
Em que vivia,
E vivera,
Como se fizera um poema,
Ou se um filho me nascera.»

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