Tinha acabado de ler o excelente artigo de JOÃO
CÉSAR DAS NEVES, saído no blog “A
Bem da Nação”, sobre a inenarrável capacidade do povo português para preferir a
ilusão trazida pela mentira ao reconhecimento da seriedade e da realidade, quando,
de repente, ouvi no canal 5 da Sic Notícias que Paulo Portas pedira a sua
demissão de coligado na conjuntura governativa. Ele jurara, quando se coligara,
pela sua honra, qualquer coisa como cumprir com lealdade as funções de que fora
incumbido, sabia a situação do país, não era possível abandonar o barco e o seu
parceiro de luta sem mais aquela, distribuindo sorrisos, menino bem e da sua
mamã que também ri muito. É certo que tem dado que falar, nos seus vários
ameaços teatrais de o fazer, desgostoso, ao que parece, com a reserva pouco
leal de Passos Coelho ocultando-lhe os dados que deveriam ser em primeira mão para
ele, na transmissão das propostas governativas. Mas lá se ia aguentando, no
meio das especulações jornalísticas sobre os seus ameaços de ruptura, de vez em
quando lendo os seus discursos burilados com inteligência, espectaculares de
argumentação e pose. Agora já não ia às peixeiras despejar sorrisos e
compreensão, coisa que sempre detestei, já não respondia aos jornalistas, com
ares de pavão, que estava a trabalhar e que não podia ser interrompido. Era,
salvo erro, por alturas dos submarinos, creio que não os amarelos da canção, mas
que foram rombo na nação, o que ele jamais esclareceu e que concitou bastas
chufas sobre ele, que as ultrapassou impassível.
Esperei com ansiedade o discurso de Passos Coelho. E
com toda a alma o apoiei, admirando a coragem com que vai aguentando a borrasca,
e pilotando a barcaça, com a insistência do homem responsável que sabe que os
outros que vierem a seguir a lançarão a pique. Denunciou a deslealdade de
Portas, que na véspera ainda, aceitara cargos, aceitara a nova ministra das
Finanças, sem revolta e sem discussão, aparentemente sem nada na manga, preferindo
deixar para depois a punhalada da sua traição, concitando sobre si e o seu
espectáculo as atenções gerais, menino de falsa modéstia, a rebentar de
importância.
E seguiu-se um fartote de histerismos, de discussões,
de muito saber doutoral expendido, de gritos dos chacais desejosos de ocupar o
lugar da vítima, de muitas e diversificadas mesas redondas ou poligonais a
esclarecer e a prever e a ameaçar e a rir. Na televisão. Certamente que também
na rádio. Hoje virá nos jornais.
E Portas estalará de importância e gosto, inchado pela
atenção geral, que a sua testa inteligente merece. Hoje, no respeito de todos
os inimigos de ontem, porque lhes facilitou as manobras de penetração nos
destinos da nação, cada vez mais acirrados, sabendo quanto uma esquerda no
governo traria as trevas da total miséria a um país que, se ainda continua a
sobreviver, é porque o actual governo tem pago a dívida como prometera. Apesar de
todas as manobras de destruição dessa esquerda que nada mais tem feito que
arruinar o país com as greves das exigências da pseudo solidariedade social, em
que o povoléu acredita, em desacato alvar.
Eis o artigo de João César das Neves, retrato do que
somos, retrato do que não temos:
ILUSÃO
VOLUNTÁRIA
O povo
gosta que lhe mintam. Agora tem um Governo que diz a verdade e considera-o o
pior de sempre, muito inferior aos anteriores, que nos convenceram de todas
aquelas aldrabices que geraram a crise. Uma conclusão plausível do paradoxo é
que o povo quer que o enganem.
Se este Governo diz a
verdade não é por ser melhor. A situação é que é pior. Portugal bateu na parede
e chegou a um estado em que as alternativas boas não existem e a conjuntura
impede ilusões. Por isso, relutantemente, os ministros estão a dar más
notícias, revelar o desastre, impor sacrifícios inevitáveis. Agora já não é
possível aos responsáveis ocultar a realidade e vender fantasias. Mas o povo
não quer isso.
Houve tempos em que o
povo gostava de saber a verdade. Em 1974 e 1986 os portugueses estavam
assustados. Nessa altura quem lhes descrevesse as dificuldades era eleito e
conseguia fazer as reformas necessárias. Depois de 1992 vieram os anos da
euforia a crédito. Hoje o povo está, não assustado, mas indignado. E quem sente
revolta não quer que lhe digam a verdade, mas que o ajudem a descarregar os
nervos. Por isso a mentira anda a prémio. Quem tiver a retórica mais
bombástica e incendiária recebe aplausos, mesmo que diga rematada tolice; mesmo
que agrave a situação já tão difícil.
António José Seguro sabe
perfeitamente que a sua ideia de renegociar o programa de ajustamento é um mito
impossível. Quando o PS for Governo ninguém, nem ele próprio, gastará um minuto
a pensar nisso. Só o diz porque não pode assumir publicamente que não tem
alternativa credível ao caminho que o País segue. De certa forma, o que afirma
até é lisonjeiro para o Governo, admitindo implicitamente que nestas condições
não se pode fazer melhor. Por isso invoca uma inverosímil mudança de
circunstâncias.
Jerónimo de Sousa tem
consciência plena de que a sua proposta de expulsar a troika e recusar a
austeridade significaria uma desgraça nacional muito pior que a actual. Fazer o
que o PCP e BE propõem seria balbúrdia e miséria. Portugal hoje só consegue financiar-se
através dos fundos de emergência do FMI e UE, que vêm com as difíceis condições
de ajustamento. Mas segui-las é a única forma de algum dia o País recuperar a
credibilidade externa e regressar à normalidade. A razão por que esses partidos
dizem essas coisas com tanta convicção e vigor, é porque sabem perfeitamente
que elas nunca se verificarão, porque no fundo ninguém lhes liga. Sem quaisquer
responsabilidades, podem esbracejar à vontade, servindo entretanto alguns
interesses ameaçados pelos cortes.
Carlos Silva e Arménio
Carlos percebem sem dificuldade que as greves são uma perda de tempo, nada
alterando numa situação em que não há escolhas. Mas têm de apresentar serviço e
fingir que existe outra política que evitaria os sacrifícios. Sempre com o cuidado
de deixar omissos os contornos dessa solução milagrosa. Tal como os partidos da
oposição, fazem dos protestos uma cortina fumo para esconder o facto de nunca
terem dito, afinal, o que é que queriam que se fizesse, e como se pagava.
Mário Nogueira não tem
ilusões que sem reformas e, em particular, sem cortar a sério no número e
condição dos professores, o sistema de educação português fica arruinado. Mas o
sistema de educação é a última das suas preocupações. O que ele quer é fazer
mais barulho do que os outros sectores, de forma a que o Governo, para o calar,
tire deles para minorar, ao menos em parte, os sacrifícios da sua classe. E já
conseguiu.
A situação portuguesa é
dura mas evidente. Temos uma das maiores dívidas externas do mundo. É claro que
nunca a poderemos pagar, nem ninguém quer que o façamos. O que é preciso é
estancar a sangria e pôr a casa em ordem, de forma a colocar a dívida em
trajectória descendente, honrando os juros. Para isso surge a austeridade a que
temos assistido. Senão é falência, descrédito, isolamento. A única alternativa
é o caos, que vemos noutras longitudes. Esta é a verdade, nua e crua. E é bem
dura. Assim, até nem admira que o povo goste que lhe mintam.
1 de Julho de 2013
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