quarta-feira, 3 de julho de 2013

O nada na manga


Tinha acabado de ler o excelente artigo de JOÃO CÉSAR DAS NEVES, saído no blog “A Bem da Nação”, sobre a inenarrável capacidade do povo português para preferir a ilusão trazida pela mentira ao reconhecimento da seriedade e da realidade, quando, de repente, ouvi no canal 5 da Sic Notícias que Paulo Portas pedira a sua demissão de coligado na conjuntura governativa. Ele jurara, quando se coligara, pela sua honra, qualquer coisa como cumprir com lealdade as funções de que fora incumbido, sabia a situação do país, não era possível abandonar o barco e o seu parceiro de luta sem mais aquela, distribuindo sorrisos, menino bem e da sua mamã que também ri muito. É certo que tem dado que falar, nos seus vários ameaços teatrais de o fazer, desgostoso, ao que parece, com a reserva pouco leal de Passos Coelho ocultando-lhe os dados que deveriam ser em primeira mão para ele, na transmissão das propostas governativas. Mas lá se ia aguentando, no meio das especulações jornalísticas sobre os seus ameaços de ruptura, de vez em quando lendo os seus discursos burilados com inteligência, espectaculares de argumentação e pose. Agora já não ia às peixeiras despejar sorrisos e compreensão, coisa que sempre detestei, já não respondia aos jornalistas, com ares de pavão, que estava a trabalhar e que não podia ser interrompido. Era, salvo erro, por alturas dos submarinos, creio que não os amarelos da canção, mas que foram rombo na nação, o que ele jamais esclareceu e que concitou bastas chufas sobre ele, que as ultrapassou impassível.

Esperei com ansiedade o discurso de Passos Coelho. E com toda a alma o apoiei, admirando a coragem com que vai aguentando a borrasca, e pilotando a barcaça, com a insistência do homem responsável que sabe que os outros que vierem a seguir a lançarão a pique. Denunciou a deslealdade de Portas, que na véspera ainda, aceitara cargos, aceitara a nova ministra das Finanças, sem revolta e sem discussão, aparentemente sem nada na manga, preferindo deixar para depois a punhalada da sua traição, concitando sobre si e o seu espectáculo as atenções gerais, menino de falsa modéstia, a rebentar de importância.

E seguiu-se um fartote de histerismos, de discussões, de muito saber doutoral expendido, de gritos dos chacais desejosos de ocupar o lugar da vítima, de muitas e diversificadas mesas redondas ou poligonais a esclarecer e a prever e a ameaçar e a rir. Na televisão. Certamente que também na rádio. Hoje virá nos jornais.

E Portas estalará de importância e gosto, inchado pela atenção geral, que a sua testa inteligente merece. Hoje, no respeito de todos os inimigos de ontem, porque lhes facilitou as manobras de penetração nos destinos da nação, cada vez mais acirrados, sabendo quanto uma esquerda no governo traria as trevas da total miséria a um país que, se ainda continua a sobreviver, é porque o actual governo tem pago a dívida como prometera. Apesar de todas as manobras de destruição dessa esquerda que nada mais tem feito que arruinar o país com as greves das exigências da pseudo solidariedade social, em que o povoléu acredita, em desacato alvar.

Eis o artigo de João César das Neves, retrato do que somos, retrato do que não temos:


ILUSÃO VOLUNTÁRIA

 O povo gosta que lhe mintam. Agora tem um Governo que diz a verdade e considera-o o pior de sempre, muito inferior aos anteriores, que nos convenceram de todas aquelas aldrabices que geraram a crise. Uma conclusão plausível do paradoxo é que o povo quer que o enganem.

 Se este Governo diz a verdade não é por ser melhor. A situação é que é pior. Portugal bateu na parede e chegou a um estado em que as alternativas boas não existem e a conjuntura impede ilusões. Por isso, relutantemente, os ministros estão a dar más notícias, revelar o desastre, impor sacrifícios inevitáveis. Agora já não é possível aos responsáveis ocultar a realidade e vender fantasias. Mas o povo não quer isso.

Houve tempos em que o povo gostava de saber a verdade. Em 1974 e 1986 os portugueses estavam assustados. Nessa altura quem lhes descrevesse as dificuldades era eleito e conseguia fazer as reformas necessárias. Depois de 1992 vieram os anos da euforia a crédito. Hoje o povo está, não assustado, mas indignado. E quem sente revolta não quer que lhe digam a verdade, mas que o ajudem a descarregar os nervos. Por isso a mentira anda a prémio. Quem tiver a retórica mais bombástica e incendiária recebe aplausos, mesmo que diga rematada tolice; mesmo que agrave a situação já tão difícil.

António José Seguro sabe perfeitamente que a sua ideia de renegociar o programa de ajustamento é um mito impossível. Quando o PS for Governo ninguém, nem ele próprio, gastará um minuto a pensar nisso. Só o diz porque não pode assumir publicamente que não tem alternativa credível ao caminho que o País segue. De certa forma, o que afirma até é lisonjeiro para o Governo, admitindo implicitamente que nestas condições não se pode fazer melhor. Por isso invoca uma inverosímil mudança de circunstâncias.

Jerónimo de Sousa tem consciência plena de que a sua proposta de expulsar a troika e recusar a austeridade significaria uma desgraça nacional muito pior que a actual. Fazer o que o PCP e BE propõem seria balbúrdia e miséria. Portugal hoje só consegue financiar-se através dos fundos de emergência do FMI e UE, que vêm com as difíceis condições de ajustamento. Mas segui-las é a única forma de algum dia o País recuperar a credibilidade externa e regressar à normalidade. A razão por que esses partidos dizem essas coisas com tanta convicção e vigor, é porque sabem perfeitamente que elas nunca se verificarão, porque no fundo ninguém lhes liga. Sem quaisquer responsabilidades, podem esbracejar à vontade, servindo entretanto alguns interesses ameaçados pelos cortes.

 Carlos Silva e Arménio Carlos percebem sem dificuldade que as greves são uma perda de tempo, nada alterando numa situação em que não há escolhas. Mas têm de apresentar serviço e fingir que existe outra política que evitaria os sacrifícios. Sempre com o cuidado de deixar omissos os contornos dessa solução milagrosa. Tal como os partidos da oposição, fazem dos protestos uma cortina fumo para esconder o facto de nunca terem dito, afinal, o que é que queriam que se fizesse, e como se pagava.

Mário Nogueira não tem ilusões que sem reformas e, em particular, sem cortar a sério no número e condição dos professores, o sistema de educação português fica arruinado. Mas o sistema de educação é a última das suas preocupações. O que ele quer é fazer mais barulho do que os outros sectores, de forma a que o Governo, para o calar, tire deles para minorar, ao menos em parte, os sacrifícios da sua classe. E já conseguiu.

A situação portuguesa é dura mas evidente. Temos uma das maiores dívidas externas do mundo. É claro que nunca a poderemos pagar, nem ninguém quer que o façamos. O que é preciso é estancar a sangria e pôr a casa em ordem, de forma a colocar a dívida em trajectória descendente, honrando os juros. Para isso surge a austeridade a que temos assistido. Senão é falência, descrédito, isolamento. A única alternativa é o caos, que vemos noutras longitudes. Esta é a verdade, nua e crua. E é bem dura. Assim, até nem admira que o povo goste que lhe mintam.
 
1 de Julho de 2013

 

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